Felizmente, o túnel perfeitamente arredondado é largo o bastante para passarem duas enguias gigantes, isso significa que eu pareço um peixinho assutado mas bem livre para agitar a cauda o quanto quiser.
Pelo menos é uma coisa a meu favor.No breu do túnel, espero alguns segundos para a minha visão de sereia se ajustar. Assim que isso acontece, sigo nadando, ouvindo o som suave das enguias à minha frente.
De vez em quando, vislumbro alguns resquícios de um corpo cinzento gigante e sei que estou na direção certa; atrás das enguias.
Elas, por sua vez, ainda não disseram nada ou ao menos olharam para trás para confirmar se eu estava seguindo-as.
Talvez elas estejam convencidas de que sua oferta fora irrecusável ou simplesmente ouçam a movimentação da minha cauda e meus grunhidos de esforço para conseguir acompanhá-las.Perco-me em pensamentos agitados enquanto percorro o túnel que parece não ter fim. De subto, avisto uma pequenina claridade que torna mais nítida a silhueta da enguia à minha frente. Então penso que estamos chegando ao final do túnel.
E para a minha alegria, a enguia atravessa um buraco enorme idêntico ao que surgiu na gruta revelando uma saída.
Ansiosa para sentir o mar aberto e deixar este confinamento subterrâneo, impulsiono minha cauda usando movimentos frenéticos para cima e para baixo, lançando-me na direção da saída, à toda velocidade.Assim que a alcanço, sou ofuscada pelo brilho da água, embora seja noite. Dezenas e dezenas de peixes coloridos dançam desordenadamente pelas fileiras de corais dispostas até onde a vista alcança, criando uma paisagem bem receptiva.
__ É por aqui, Ariel __ Assusto-me com as vozes das enguias. Elas são tão silenciosas que estavam ao meu lado esse tempo todo e eu não percebi.
__ Estamos chegando?__ pergunto um pouco animada.
Mas elas não respondem, apenas me dão as costas e nadam para longe do túnel, seguindo a direita.
Suspirando, dou uma olhada para o túnel de onde eu vim. Está circunscrito numa rocha muito grande e esverdeada, fixada no chão e rodeada pelos corais e peixes.
Não fico surpresa quando o túnel se fecha mágicamente num piscar de olhos.
Quem passasse por aqui, jamais saberia que nesta pedra existiu um buraco gigante.O que realmente me surpreendeu foi o fato de que Atlantis estava fora de vista.
Devíamos ter viajado por muitos metros, pois o Sétimo Reino não se encontrava em parte alguma. Nem ele ou qualquer província dele.
Eu nunca havia estado nesta parte do mar, então estava sentindo um pouco de medo.
Mas este foi rapidamente sobrepujado por uma curiosidade faminta.Sorrio para mim mesma.
"Se curiosidade matasse, eu já estaria bem morta"
As enguias seguem por uma direção onde predominam corais, plantas e peixes de cor roxa.
Não entendo o motivo mas sigo as enguias mesmo assim.Faço algumas perguntas durante o percurso na esperança de receber pelo menos uma resposta, mas sou completamente ignorada.
Para passar o tempo e acalmar minha agitação, começo a contar quantas estrelas roxas eu vejo.
São muitas.
Mas lentamente elas diminuem de quantidade, até que não há mais nenhuma.
Todos os peixes e corais desapareceram.
O que restou foi um chão de rocha negra que antes era encoberto pelos corais.
Aqui e ali surgem de frestas alheias no chão alguns turbilhões de bolhas.
Eu me aproximo para tocá-las, observando maravilhada a rapidez com que elas desaparecem e tornam a aparecer.__ NÃO TOQUE!__ sibila gravemente uma enguia para mim.
Recuo assutada e quase esbarro em outro esguicho de bolhas, mas esta desaparece antes que eu possa me chocar com ela.
Curiosamente, no momento em que me aproximei da coluna borbulhante, senti a temperatura aumentar drasticamente, causando desconforto em minha pele.__ Água fervente__ informa a enguia notando meu espanto.__ Queima.
Trato de me afastar ao máximo dos esguichos enquanto continuo seguindo as enguias gigantes pelo caminho pedregoso que fica cada vez mais escuro.
Nadamos assim pelo o que parece uma eternidade, quando avisto um brilho púrpura vindo de algum lugar a nossa frente.
A luminosidade vai ficando mais forte a medida que nos aproximamos, clareando a paisagem que antes estava escura.De repente, deparo-me com uma construção enorme e impressionante.
Percebo que é um grande palácio cujas colunas e torres lembram um esqueleto de algum monstro marinho pavoroso.
A luz roxa que vi mais cedo vem de seu interior e ilumina o resto do reino que se resume a um pequeno conjunto de rochas negras pontiagudas - as moradias dos habitantes, eu imagino.
Vendo de longe a cidade é completamente desproporcional ao tamanho do castelo.Sigo as enguias pela cidade, pronta para cumprimentar os habitantes.
Mas não vejo ninguém, apenas alguns vultos entre as casas.__ Onde estão todos?__ pergunto apenas para ser ignorada novamente.
Nos aproximamos mais e mais do castelo obscuro até estarmos diante de enormes portões negros que se abrem magicamente.
Assim que ultrapasso os portões, deparo-me com o jardim mais deprimente que eu já vi.
O solo é cinzento com algumas manchas estranhas na cor roxa; as flores - se é que estas coisas podem ser comparadas à flores - são da cor de alga podre e movimentam-se sozinhas, como se tivessem vida própria.Ao olhar para o jardim e a imensa entrada assutadora do palácio ( que curiosamente lembra a bocarra de um monstro feroz) , alguma coisa começa a me dar calafrios, desde as unhas até a ponta das barbatanas.
Mesmo assim, guiada pelas enguias, entro no castelo evitando ao máximo esbarrar naquelas flores esquisitas. Noto que elas possuem dois orifícios esbranquiçados como se fossem… olhos. Grandes e esbugalhados.
A visão é assutadora.As enguias já estão bem à frente. Para seres enormes, elas nadam muito rápido.
Esforço-me para alcançá-las mas algo puxa a minha cauda violentamente para trás. Com horror, vejo que uma das flores se enroscou na parte de baixo da minha cauda. A coisa é fria e gosmenta e tenta me puxar para trás - para fora do palácio. Os olhos brancos dela tem uma expressão desesperadora e suplicante. Solto um grito e com as mãos, arranco a coisa nojenta da minha cauda e me afasto o mais rápido possível.
Alcanço as enguias enormes com dificuldade, mas elas não dirigem um sibilar sequer para mim. Então eu as sigo calada, com uma distância segura do chão, das paredes o do teto. Sabe-se lá o que mais pode aparecer neste castelo feio e roxo.
Atravesso portões, salas imensas lotadas de coisas que eu não sei para que servem, portas sinistras, salas enormes e simplesmente vazias, para enfim parar em frente a duas portas negras e lisas como presas curvadas.
As enguias assumem posições estranhas, prostadas uma de cada lado da porta, como guardiãs.
Seus olhos luminosos brilham.Uma das portas se abre lentamente, e pela brecha entre elas, escoa uma luz arroxeada e aconchegante.
__ Entre, minha querida__ ouço uma voz suave dizer do outro lado da porta.
Sem hesitar, entro na sala.
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A Pequena Sereia
FanfictionTodos já ouviram falar da história da linda sereia de longos cabelos vermelhos, cujo maior desejo era se tornar humana e conquistar seu belo príncipe encantado. Nesta nova versão do conto, a nossa pequena sereia mora em Atlantis, o sétimo reino do...