A Pequena Sereia

Melhor do Que Nada [Eric]

O convés está abarrotado de marinheiros e membros do reino.
Todos celebram o meu aniversário, mas duvido que saibam quem é o príncipe aniversariante.

Minha avó insistiu que houvesse uma festa em homenagem ao meu aniversário, embora eu tenha protestado desde o princípio.
Ela queria que eu convidasse todos os "meus amigos" príncipes e as "minhas amigas" princesas dos reinos vizinhos.

Eu sei o que minha avó pretende com isso.

Desde a morte dos meus pais causada por um naufrágio, ela assumiu o reino, até eu ter idade suficiente para casar e me tornar rei.
Por isso ela fica me apresentando as princesas de todos os reinos, com a esperança de que eu escolha alguma. Mas até agora nenhuma delas me interessou...

Quanto aos príncipes, minha avó quer que eu passe mais tempo com eles e adquira experiencias suficientes para me tornar um rei sábio, ao invés de ficar me aventurando por aí em navios, fingindo que sou um marinheiro feliz e não um príncipe órfão e irresponsável com um reino inteiro nas costas.

Depois de várias discussões, nós fizemos um trato: eu não precisaria convidar ninguém no dia do meu aniversário, mas no dia seguinte haveria uma festa e todos eles viriam.

Um navio com um bando de gente que eu nem conhecia foi tudo o que consegui ganhar da minha queridíssima avó.
Mas, é melhor do que nada...

Max corre para frente à toda velocidade tentando se soltar. O movimento brusco me tira dos meus pensamentos.
Rangendo os dentes, seguro firmemente a coleira dele.

Max está muito estranho. Ele fica correndo para a amurada como se quisesse me mostrar alguma coisa, mas eu não consigo ver nada.
Ele só ficou assim uma vez quando uma gaivota de penas brancas entrou voando pela janela da sala de jantar do castelo e roubou um quadro que estava pendurado.

Olho para o céu e as nuvens escuras de chuva que eu tinha visto antes de embarcar no navio aproximam-se cada vez mais.

Continuo seguindo Marco, que não para de falar dos meus presentes de aniversário e de uma tal surpresa que eu receberei.

Marco é o conselheiro da rainha e se auto-encarregou de me vigiar. Ele é muito gentil e bondoso, embora algumas vezes seu lado esnobe se manifeste.
Agora, por exemplo, toda vez que um marinheiro cruza o nosso caminho, Marco faz uma careta de nojo e reclama que membros da realeza não deveriam se misturar com tais plebeus.

Eu não consigo parar de rir de suas atitudes e principalmente das suas caretas.

__Eles precisam cheirar à peixe o tempo todo?!?__resmunga ele.

__Eles são marinheiros, Marco. Passam a maior parte do tempo no mar!__respondo__o que você esperava? Que eles tivessem o cheiro do seu perfume de erva-doce?

Ele me encara, magoado.

__Não ofenda o meu perfume!__diz ele apontando um dedo para mim e fazendo uma careta novamente.

Max parece entender a conversa e se aproxima de Marco, encostando o focinho em suas roupas elegantes. Depois espirra e se sacude todo, como se estivesse enjoado.

Foi um motivo para eu rir mais ainda de Marco.

Ele olha para mim e para Max e balança a cabeça.

__Vocês não sabem apreciar um bom perfume... Mas chega de discutir isto e vamos logo aos presentes.

Seu sorriso impecável voltou ao rosto e ele me guia para o centro do navio.

Max está mais calmo, porém não para de olhar para trás, para a amurada.

E mesmo o navio estando cheio de gente e sendo o meu aniversário, eu tenho uma ligeira e estranha sensação de estar sendo observado...

****

Bem no meio do navio há um amontoado de caixas de presentes formando uma roda.
Ao lado, um objeto enorme e coberto por um pano ergue-se lançando sombras no navio e me deixando muito curioso.

Será que essa é a tal surpresa da qual Marco tem falado tanto?

Marco para bem em frente ao objeto, levanta os braços e, por mais incrível que pareça, todos no navio fazem silêncio.

Marco pigarreia e levanta a voz:

__Meus caros companheiros, estamos aqui hoje celebrando um dia muito especial. E este dia pertence à ele,__ Marco aponta a mão dramaticamente para mim__ que está completando mais um ano de vida, e em breve, se tornará nosso rei. Uma salva de palmas para o príncipe Eric!

Aplausos ecoam ao meu redor e eu sorrio educadamente para todos.
De repente, um marinheiro bêbado começa a cantar a canção "Parabéns para você" e, em seguida, mais marinheiros se juntam ao coro até que todos estão cantando e batendo palmas.

Sorrio, um pouco envergonhado com toda aquela atenção, mas, em pouco tempo, o coro passa de música para uma competição de quem-grita-mais-alto.

__Agora__prossegue Marco, sua voz surpreendentemente soando mais alta do que a da multidão__sem mais delongas, vamos permitir que o príncipe abra seus presentes.

A competição de gritos recomeça.

__Vamos lá Eric!__diz um dos meus amigos__qual você quer primeiro?

Sem hesitar, aponto para o grande objeto coberto de pano.

Quatro homens se posicionam dos dois lados do objeto, seguram as pontas do grande pano e puxam.
O navio fica em silêncio.

Em baixo dele havia uma estátua de dois metros e meio feita de pedra cinzenta.
É um homem com roupas da realeza empunhando uma espada.

Segue-se um longo tempo até eu perceber que o homem esculpido na pedra é uma cópia minha.

Eu ganhei uma estátua de mim mesmo!

__Fui eu que encomendei__Marco aparece de repente ao meu lado empinando o nariz__você gostou?

__Eu...hã...eu...__eu gostei? Bom, foi legal da parte dele ter encomendado uma estátua de mim, mas o que irão pensar as outras pessoas? "Aquele príncipe é tão convencido que tem uma estátua de si mesmo"
Sei que não devo me preocupar com o que as pessoas pensam, mas tendo uma estátua minha, eu serei igual aos príncipes nojentos dos castelos vizinhos.

E além disso, por educação, eu não devo desfazer dos presentes que ganho. Principalmente sendo de Marco. Minha avó me mataria...

E onde eu vou colocar aquela estátua? No meu quarto? No jardim real? Na praça da cidade? Será que minha avó gostaria de ter uma estátua de seu neto em seus aposentos?

Marco continua olhando para mim com os olhos brilhando.

__Hã...eu...é claro que eu gostei. Eu adorei__minto exageradamente.

__Há há, eu sabia que você iria gostar!__exclama Marco.

De repente um clarão preenche o espaço, seguido por um trovão. As nuvens escuras agora pairam acima do navio, que está em mar aberto, muito, muito longe do porto.
A tempestade chegou.