Humana - Parte I

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As enguias desaparecem mais rápido do que um piscar de olhos.

Elas me trouxeram até um lugar longe de tudo o que conheço e disseram que fica perto do castelo do príncipe Eric.

Os primeiros raios de sol tocam a água escura e iluminam minhas escamas enquanto destampo o frasco que a rainha Úrsula me deu.

Observo a pedrinha verde flutuar para fora e a seguro nas pontas dos dedos.

" É agora ou nunca!" penso.

Fechando os olhos, ponho a pedra na boca e a engulo fazendo uma careta. Tem o mesmo gosto horrível de alga podre. Uma sensação estranha começa na minha barriga e se espalha pelo corpo.
Olho ansiosa para a minha cauda mas…nada acontece.

Espero que algo mágico aconteça mas tudo continua igual.
Afasto meu cabelo dos olhos e ele flutua para cima, na direção da superfície, onde o sol já  brilha, incesante. Como estou muito abaixo, não posso sentir o calor dos raios.

Impaciente, movo a cauda mas ela continua a mesma. Nada de pernas.

Será que Úrsula me enganou?

Olho para algumas estrelas-do-mar quando uma dor excruciante envolve minha cauda. Abro a boca para soltar um grito mas não tenho voz. Sou obrigada a sofrer silenciosamente.

Novamente um redemoinho verde surge ao meu redor e assisto, horrorizada, um corte vertical crecer no centro da minha cauda e  aumentar até a ponta da barbatana. O corte vai se prolongando e perco o ar diante da dor. É como se uma lâmina afiada cortasse minha cauda ao meio, dilacerado as escamas.

Olho para baixo e vejo minha cauda esverdeada, agora dividida em duas, mudar para o tom de cor da minha pele.

E de repente, fica muito frio e e escuro. Não consigo mais enxergar direito e, para minha surpresa, também não consigo respirar.
Abro a boca mas só engulo água.
Meu peito arde.

Tento nadar até a superfície, mas parece impossível agora. Sacudo os braços na tentativa desesperada de sair da água, mas a distância é muito grande.

Então tudo vai ficando escuro, minhas braçadas perdem a força e afundo ao invés de subir.

__ ARIEL!!__ uma voz conhecida grita ao longe.

Sinto alguma coisa segurar meus braços e me puxar para cima, em direção à luz.

Quando chego a superfície, inspiro uma golfada de ar e rapidamente sinto-me melhor.
O sol aquece minha pele mas ainda estou atordoada com o que acabou de acontecer.

__ Você está bem?__ pergunta uma voz perto de mim.

Olho para baixo e vejo Linguado parado na água à minha frente.
Sorrio fracamente para ele.

Percebo que alguém ainda está segurando meus braços em um aperto firme, me mantendo segura na superfície.

Olho para trás e me deparo com… Aristta!

Seu longo cabelo louro está grudado em seu rosto e braços, e a sua expressão sugere que está mais apavorada do que eu.

__ Mas o q-que…?__ gagueja ela.

Tento responder, esquecendo-me novamente que não tenho mais minha voz. Tudo o que consigo fazer é engasgar e tossir escândalosamente.

__ Ariel, o que você fez?__ pergunta Aristta, dessa vez mais firme.

Solto meus braços de seu aperto mas afundo de novo no mar.
Com um grito, minha irmã me puxa de volta para a superfície e eu engasgo, cupindo água.

__ Ei, ei, cuidado.__ diz a vozinha inconfundível de Sebastião__ Estou aqui em baixo.

Apóio as costas em Aristta para recuperar o fôlego.

__ Olhem. Tem uma praia bem ali__ informa Linguado.

Ele e Aristta me empurram até a beira da praia e eu me apoio em uma rocha para me sentar na areia.
Aristta faz o mesmo mas com menor dificuldade. O nível da água do mar é suficiente para cobrir a cauda vermelha dela.

Começo a tremer de frio. Cruzo os braços na tentativa de me proteger da ventania, mas pelo visto, como não sou mais uma sereia, meu corpo não se ajusta a temperatura rapidamente com fazia antes.
Meu cabelo encharcado e pingando só piora a situação.

__ Oh, você está ficando roxa de frio!__ Fala Aristta olhando em volta, com ar de preocupação.__ Já sei.

Ela se estica pela areia até chegar a um pedaço de vela que provavelmente pertenceu a algum barco.
Minha irmã joga aquilo em cima de mim e, com alguns pedaços de corda, o prende ao meu corpo.
Rapidamente começo a me aquecer e meus dentes param de bater.

__ Está tudo bem__ Aristta pronuncia ao colocar os braços ao redor dos meus ombros, como um abraço.

Em outras ocasiões eu teria reclamado que ela estava me tratando como criança, mas como seus braços estão barrando o vento frio e cruel, resolvo não protestar.

A cauda de Aristta também impede que as ondas molhem meu corpo novamente. Encolho-me para desviar dos respingos insistentes, mas algumas gotas acabam molhando minhas… pernas.

Quase esqueço que eu não tenho mais a minha cauda. No lugar das escamas verdes estão agora duas pernas longas e finas.

Ergo a perna direita. Na ponta, no lugar das barbatanas, há dedos como os das mãos. São bem menores mas eu sei que são dedos. Eles chegam a parecer esquisitos.
Mas eu abro um sorriso ao vê-los se mexerem.

A Pequena SereiaOnde histórias criam vida. Descubra agora