Segredos [Eric]

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Essa é a primeira vez que minha avó, Enzo e eu fazemos uma refeição juntos desde o naufrágio.

Hoje, pela manhã, acordei me sentindo estranho e confuso sobre as coisas que tinham acontecido. Decidi caminhar um pouco para esclarecer mas fui interceptado pela minha avó, a rainha Mary, e Marco, seu conselheiro, que me contaram alegremente sobre a festa de aniversário com data marcada para depois de amanhã ao entardecer.
Só de ouvir os nomes dos primeiros convidados na lista, comecei a imaginar as conversas esnobes e irritantes deles. Instantaneamente senti vontade de vomitar.

Inventei uma dor de cabeça para escapar daquela conversa. Depois contei a Enzo sobre a festa e ele repudiou a idéia. Pedi a ele que tentasse convencer nossa avó de que uma festa não seria legal, porque Enzo é, sem dúvida alguma, mais persuasivo do que eu. Caso contrário ele não teria conseguido uma viagem a uma ilha desconhecida, só para procurar um tesouro que não existe.

E aqui estamos nós, em um jantar que estava adorável, até Enzo lançar sua cartada.

__ Querida avó, admiro muito sua sabedoria. Mas você acha que fazer uma festa de aniversário para Eric é mesmo necessário?__ Pergunta ele calmamente__ Ainda mais depois de tudo o que ele passou?

__Ora, rapaz! Deixe de bobagem.__ responde a rainha Mary franzindo as rugas da testa. Seu cabelo castanho está preso em um coque elegante.__ Ele está muito abalado com o naufrágio, todos nós estamos. Ainda mais depois que os sobreviventes começaram a delirar.

__ Mas vovó__ insisto mesmo sabendo que não vai dar certo. Quando ela toma uma decisão é muito difícil convencê-la do contrário__ Eu não estou com ânimo para aturar um monte de gente…

__ Pelo contrário, Eric. Você será rei. Não sei quando, mas vai! Por isso, deve aprender a lidar com essas situações.

__ Mas…__ dizemos eu e Enzo em coro.

__ Sem mas!__ Esbraveja a rainha Mary, resoluta.__ Depois de amanhã haverá uma festa e vocês dois devem se aprontar.

Com isso, minha querida avó se levanta da mesa de jantar, ajeitando o vestido vermelho, e depois de criticar o cozinheiro,  gritar com três empregados e xingar meu cachorro Max por sujar o chão, caminha majestosamente para seus aposentos.

Enzo olha para mim e suspira:

__ É. Minha tentativa foi um completo fracasso. Estou envergonhado.

__ Vamos ter que encarar um bando de gente chata em uma festa chata.__ suspiro também.

Eu tinha contado a ele tudo o que havia acontecido naquele dia do naufrágio. Depois que vimos a enguia gigante na praia, Enzo foi obrigado a acreditar em cada palavra minha. Mas decidimos deixar em segredo, porque achariam que estávamos loucos.
Quando todos os sobreviventes, inclusive Marco e eu, contaram o que viram, o reino inteiro pensou que era loucura e o médico disse que estávamos delirando por termos sofrido um choque muito grande no naufrágio, e que com o tempo iríamos melhorar.
Mas pareceu tão real que eu não pude deixar de acreditar que existiam seres monstruosos e mortais no oceano. Então, meu irmão apareceu e vimos aquele monstro na praia.
Enzo não estava no navio, por isso não tinha como estar delirando.

__ Pense pelo lado bom__ fala Enzo__ Tenho certeza de que Phillip virá ao seu aniversário. Podemos pedir a opinião dele sobre o que aconteceu. Acho que ele não vai pensar que estamos loucos.

__ Ele nem pode. Phillip é tão louco quanto nós.

Rimos ao lembrar do nosso bom e velho amigo, príncipe Phillip. Apesar do reino dele ser um pouco longe, nossos pais eram amigos e viviam se visitando. Nós praticamente crescemos juntos.

Terminamos de comer a nossa refeição enquanto conversamos sobre como seria interessante se aquelas enguias enormes saíssem do mar e devorassem o nem um pouco agradável príncipe Carlos. 

__ Enguias podem sair da água?__ pergunto rindo.

__ Eu não sei. Elas são cobras do mar, não são?

__ Acho que não... mas seria engraçado ver Carlos gritando amedrontado dentro da barriga daquele monstro.

Imaginamos a cena e gargalhamos até nossas barrigas doerem.

__ Estamos rindo, mas isso é um assunto bem sério. E perigoso__ comenta Enzo__Se aquela coisa voltar…

__ Eu sei.__ respondo__ Mas se eu não der risada, não resta outra alternativa a não ser chorar.

Enzo esboça um meio sorriso e se levanta de sua cadeira, mas depois para de repente, olha ao redor e senta-se novamente.

__ O que houve?__ indago.

Ele respira fundo e declara:

__ Irmão, não fui completamente sincero com você.

__ O que? Como assim?

__ Lembra quando você perguntou se eu tinha encontrado algum tesouro nas ilhas Madlee…

__ Você encontrou?!?

__ Encontrei. Quer dizer… não é exatamente... hã...um tesouro. Não sei bem o que é__ ele olha ao redor mais uma vez e baixa a voz__ Quando estava no centro de uma das ilhas, quase desistindo da minha busca, tropecei em uma pedra que me fez cair de cara no chão.
Pode segurar esse sorrisinho!__ Ele me repreende e eu abro um sorriso maior ainda__ Mas olhei uma segunda vez e percebi que não era uma pedra qualquer. Era uma concha bem grande, enterrada no solo.

__ O que uma concha estava fazendo no meio de uma ilha?__ interrompo, mas não consigo evitar. Conchas ficam nas beiras das praias, que é onde as ondas alcançam__ As Ilhas Madlee não são desertas? Como essa concha foi parar lá?

__ Sim, elas são desertas. Eu também me fiz as mesmas perguntas. Então resolvi desenterrar a concha, mas depois de limpá-la, percebi uma coisa dentro dela…

__ Uma pérola?

__ Não, a concha estava vazia. Mas havia um  símbolo entalhado nela.

__ Que tipo de símbolo?

__ Eu não sei. Era bem estranho e o mais estranho de tudo foi que encontrei mais conchas enterradas. E a distância entre elas dava a entender que formavam uma trilha.

__ E essa trilha dava em algum lugar?

__ Não__ Enzo deixa os ombros caírem tristemente__ Eu segui a trilha mas ela vai parar no mar. Não há como segui-la.

__ Tem certeza de que era uma trilha?__ pergunto mas Enzo dá de ombros__ Porque se fosse mesmo, ela te levaria a algum lugar.

__ A única coisa que sei__ diz ele__ É que todas as conchas estavam do mesmo jeito que a primeira: vazia e com um símbolo desenhado.

Isso é mesmo bem estranho. Principalmente porque ninguém mora nas Ilhas Madlee. Então, o que levaria alguém a desenhar símbolos em conchas e fazer uma trilha com elas no meio de uma ilha deserta?

__ Desculpe por não ter contado a você antes__ lamenta Enzo__ Eu não queria que você pensasse que eu estava louco.

Abro um sorriso sarcástico para ele.

__ Ah, claro. Eu perdôo você!

__ Obrigado. Ah, tenho mais um segredo para você.

__ Manda.

__  Trouxe uma daquelas conchas comigo.

__ Você o quê?!?

__ Você não achou que eu iria deixar uma pista valiosa daquela lá para outra pessoa encontrar, achou?

__ Pista de quê, Enzo?

__ Ora, do tesouro…__ responde ele com os olhos brilhando de empolgação.

Pulamos de susto ao ouvir Gertrude, a governanta, passando pela sala de jantar.

__ Meninos, já está muito tarde. Hora de dormir.__ diz ela ajeitando seu vestido volumoso.

__ Amanhã eu te mostro.__ susurra Enzo para mim, depois aumenta a voz, já se levantando da mesa__ Ela tem razão Eric, você está péssimo. Precisa de um descanso.

Concordo com ele, mas duvido que eu vá conseguir dormir.

A Pequena SereiaOnde histórias criam vida. Descubra agora