Tempestade - Parte I [Ariel]

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Para mim, fica bem claro que ele não gostou da estátua.
Talvez o seu amigo Marco não tenha notado, mas eu sim.

E pelo pouco tempo que fiquei aqui observando, pude perceber uma coisa sobre Eric:

Ele é um príncipe, mas não age como um.
Pelo contrário, prefere perecer-se mais com um plebeu...

Agora, todos os tripulantes estão agitados por causa da chuva que começa a cair.
Não sei o porque dessa agitação toda, afinal é só chuva...

Então, eu me lembro que sempre que uma chuva fortíssima cai na superfície, um navio destroçado aparece nas profundezas de Atlantis.

"Tempestades afundam os navios dos humanos, e eles não são como nós. Não sabem respirar debaixo d'agua" dissera minha mãe uma vez.

Minha mãe.

Faz tanto tempo que eu não penso nela. Tanto tempo...

Escuto um farfalhar de asas e olho para cima. Sabidão passa voando e pousa ao meu lado.

__O que a princesa dos mares está fazendo tão perto dos humanos?__ pergunta ele, um tanto alto demais.

Com as duas mãos, eu fecho o bico dele.

__Quieto! Podem te ouvir.

Sabidão arregala os olhos e se solta das minhas mãos.

__Cruzes__soluça ele. Depois, segue meu olhar que vai direto para o homem mais bonito do navio: o príncipe Eric.

__Oh, acho que eu já sei o que está acontecendo aqui__ cantarola com sua voz aguda.

__Sabidão! Fale mais baixo!__sussurro sem conseguir conter um sorriso.

Estamos entretidos contando quantos marinheiros caem no piso molhado e escorregadio do convés, quando um vento forte e gelado atinge o navio, fazendo-o balançar perigosamente.
Agarro o casco com toda a minha força para não cair.
Mas Sabidão não consegue se segurar e é lançado longe.

__Eu já vou indo. Divirta-se!__grita ele sem conseguir lutar contra a ventania__E tome cuidado com a tempestade.

Aceno para ele. Momentos depois, o príncipe Eric aparece na amurada, seus olhos vasculhando o mar revolto e escuro.
Seu rosto assume uma expressão preocupada ao olhar para as nuvens de tempestade.
Mas isso não afeta nem um pouquinho sua beleza.

__Capitão! Precisamos voltar imediatamente!__grita ele.

Um trovão soa, assustando os marinheiros e eu.

Um homem alto passa correndo por Eric e grita:

__Não vai dar tempo! A chuva vai nos apanhar antes de chegarmos.


__Não resta outra escolha. Você precisa tentar __responde o príncipe com uma calma surpreendente, considerando que todas as pessoas a sua volta estão correndo - e caindo - em pânico.

Se eu não estivesse tão preocupada com Eric, o desespero dos tripulantes me faria rir.

Alguns marinheiros correm de um lado para o outro carregando cordas e, ao mesmo tempo, escorregando no piso de madeira molhado pela chuva; outros cambaleiam segurando suas taças de líquido borbulhante. Vejo alguns correndo aparentemente sem rumo pelo navio, trombando nos outros tripulantes e dificultando as tarefas deles.
Os que pertencem à realeza estão petrificados em seus lugares, com os olhos arregalados. Não estão ajudando em nada, apenas ficam parados no meio do caminho, e os marinheiros são obrigados a desviar para não esbarrar neles.

Mas, um membro da realeza não tem tanta sorte.
Ele está bem perto da amurada, olhando alarmado para o céu, quando um marinheiro sem rumo, que vinha correndo a toda velocidade, escorrega e se choca contra ele. O coitado é arremessado para fora do navio e cai no mar.

Ninguém percebe o ocorrido e aquele homem não tinha emergido ainda. Eu já estava considerando ir atrás dele, mas ele finalmente surge inspirando o ar de uma só vez.
Depois nada para perto de uma escada feita de corda que está estendida no casco do navio.

Suspiro aliviada e estou prestes a voltar minha atenção para Eric quando aquele homem solta um grito de terror e afunda nas águas escuras.

Espero para ver se ele reaparece, mas não há nenhum sinal de sua existência.

Sem pensar, pulo do lugar na amurada onde estou e mergulho no mar revolto.

A água está muito fria e o vento faz as ondas ganharem força.
Agito a cauda para ganhar impulso, e mergulho mais fundo.

Minha visão se ajusta rapidamente ao escuro, então procuro pelo homem mas não o encontro.

Pelo canto do olho vejo um vulto passando rapidamente.
Nado em volta mas não há nada.
O tripulante simplesmente sumiu.

Onde aquele homem foi parar?

Tento sair do mar para ver se ele havia voltado para a superfície, mas é uma péssima idéia. As ondas agora estão maiores e o vento castiga o navio virando-o de um lado para o outro.

Mergulho rapidamente para o lado desviando de um barril que cai do navio.

Seguro o casco para tentar subir na amurada, mas uma onda enorme me arranca violentamente de lá.

Essa onda também carrega dois marinheiros do navio. Eles caem no mar e não voltam.

__Mas o que...?__começo a dizer mas sou interrompida por uma onda gigantesca que cai sobre mim e me leva para longe do navio.

__Ariel!__a voz de Linguado chama ao longe.

__Linguado, aqui!__grito engolindo meu próprio cabelo.

Ele nada na minha direção mas as ondas fazem com que ele se afaste ao invés de se aproximar.

Ouço gritos e olho para trás. Um marinheiro caiu no mar, mas dessa vez os outros percebem e tentavam ajudá-lo quando, de repente, ele afunda e não sobe mais.

__Ariel, precisamos voltar__viro a cabeça na direção da voz e vejo Sebastião tentando chegar até mim.

__O que está fazendo aqui? Você não tinha ido para Atlantis?__pergunto secretamente feliz por vê-lo.

Quando ele vai responder, uma onda nos afasta.

__Eu estava indo__grita ele__ mas eu vi...

Outra onda me arrasta para longe. A chuva agora cai forte e raios iluminam o céu.

__O que?__grito o mais alto que posso__você viu o que?

__Carnivoris...

Eu não consigo ouvir o que ele diz depois.

Mergulho tentando chegar ao barco e quase não acredito no que está diante dos meus olhos: dezenas de Carnivoris famintos cercando o navio.

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