A Pequena Sereia

Temores de um Príncipe [Eric]

Depois de acordar pela décima vez de um pesadelo onde criaturas com dentes afiados devoravam marinheiros em um navio, desisto de tentar dormir.

Saio da cama, caminho até a janela mais próxima e puxo as pesadas cortinas azuis que bloqueiam a brisa da madrugada.

Observo o grande  jardim e as ruas desertas do vilarejo que cerca o reino, sabendo que daqui  algumas horas elas se encherão de pessoas andando de um lado para o outro cumprimentando-se  ou vendendo mercadorias.

Mas de repente, a imagem de um navio em chamas e criaturas assustadoras invade a minha mente causando-me uma terrível dor de cabeça.

Atordoado com a dor incômoda, saio do meu quarto e me encaminho para as grandes escadarias através do longo corredor.

Não sei muito bem para onde estou indo, só tenho certeza de que preciso espairecer.

As paredes do corredor são decoradas com quadros tão grandes quanto uma tapeçaria.
Neles estão retratados todos os meus ancestrais, incluindo os primeiros governantes deste reino.

Cada um deles com pose respeitosa e séria.

Já os observei por tantas vezes que nem me dou o trabalho de dirigir-lhes o olhar.

O castelo está deserto, o que é esperado, pois todos estão dormindo ou se preparando para o amanhecer.

Continuo caminhando sem rumo, como um navio à deriva no oceano.
Passo pelo grande jardim e pelas sinuosas estradas que levam para fora do reino.
Quando dou por mim, estou pisando sob uma fina camada de areia clara. Mais a frente a camada aumenta até se encontrar com a beira do mar, e este, por sua vez, estende-se além do horizonte escurecido pela noite.

De alguma forma eu havia chegado à praia. O único lugar que me deixa mais calmo, mais feliz.
Sempre que estou atordoado por algum motivo, fujo para a compania do mar.

Porem, o mais estranho disso tudo é que após eu ter sido um dos poucos sobreviventes de um naufrágio catastrófico e atacado por monstros marinhos assustadores, ainda me sentia muito melhor perto deste oceano perigoso e cheio de mistérios. Melhor até do que em terra...

__Eu sabia que você estaria aqui! __ diz uma voz masculina e familiar__Eric, Eric, pelo visto você não mudou muita coisa desde a última vez que nos vimos, não é mesmo?

Viro-me na direção da voz e vejo um homem alto e esbelto caminhando despreocupadamente em minha direção. Com o cabelo escuro caindo sobre os ombros e os olhos castanhos inteligentes, ele parece ser anos mais velho do que eu.
Como é possível que meu irmão mais novo possa aparentar ter mais idade?

__Você cresceu, Enzo.__ digo com um leve sorriso.

Ele sorri em resposta e me dá um abraço apertado.

__Por onde esteve, irmão?__ pergunto a ele.

__Ah! __ ele abre um enorme sorriso __ Fiz uma longa viagem até as ilhas Madlee.

__As ilhas Madlee? São as ilhas daquela lenda sobre um tesouro mágico que foi escondido por uma rainha há muito tempo?

Enzo me dá um empurrão no ombro direito__ Não são lendas... São histórias verdadeiras!

__Certo, certo__ levanto as mãos em sinal de rendição__ Presumo que tenha encontrado o tal tesouro...

Ele muda de posição, desconfortável__ Bem... não.

__E ainda sim diz que não são lendas.__ Coloco as duas mãos nos ombros dele__Enzo, não acha que está na hora de parar com essa fantasia?

Ele balança a cabeça, decidido.