Atravesso a barreira entre a escuridão e a luz com o coração na boca, embaixo de um lampião de uma das casas paro para recuperar o fôlego, incrivelmente a barreira entre a luz e a escuridão do caminho pode se enxergar nitidamente como um desenho em um caderno diferenciando o preto do branco.
Não sei quem era aquele senhor que com certeza me conhecia, acho que eu devia ficar preocupado mas me levanto sacudindo a poeira sem ligar se ele vai voltar para me pegar.
Eu sei que ele não vai vir na luz, de alguma maneira eu sei disso.
Corro para a biblioteca entrando por uma porta grande de madeira com colunas cheias de vinhas, cipós pendurados nos tetos e folhas crescendo nas rachaduras das paredes.
Entro ofegante e vejo que no salão se encontra uma multidão rodeando alguma coisa, quando começo a caminhar em direção à multidão alguém agarra meu braço, viro para ver quem é, é George, meu melhor amigo, um garoto alto de cabelos loiros meio desbotados, olhos verdes, um nariz pontudo e a pele branca.
— Aonde você esteve?
— Peguei um atalho.
— Mas você chegou mais tarde.
— O atalho era ruim.
— De qualquer forma, vamos, temos um show para ir agora — diz George me puxando para a multidão.
Tem muitas pessoas na nossa frente e não consigo ver muito bem, empurro algumas pessoas na minha frente, passo debaixo da perna de algumas pessoas e finalmente chego na frente da multidão.
Um homem gordo, com a barba por fazer se encontra ao lado de um objeto coberto por um pano.
O homem é o chefe da equipe de exploração matinal, ele tem os olhos escuros e o cabelo completamente marrom.
— Querem ver o que está debaixo do pano? Estão curiosos?
O povo grita que sim e o chefe tira o pano revelando um grande objeto estranho que obviamente vem de lá de cima.
— Se chama espelho, ele reflete suas feições revelando como você é de verdade.
As pessoas com medo dão um passo atrás, e o chefe olha diretamente para mim, seus olhos perfuram minha alma, como se ele quisesse algo de mim.
— Você. — diz o chefe apontando para mim. — Venha testar o espelho, não tenha medo, não vai te morder.
Todos olharam para mim e deram um passo para trás me destacando no meio do salão.
Comecei a caminhar em direção ao espelho, pouco à pouco um garoto foi surgindo no espelho, seus cabelos pretos e grandes, olhos pretos e redondos como dois poços escuros, a pele branca e razoavelmente alto.
Fiquei encarando por alguns segundos até que o chefe me mandou sair porque ele ia colocar para exposição.
— Anda logo garoto, não tenho o dia todo, vai "chispa".
Voltei devagar sem tirar os olhos do espelho, até ele colocar de volta o pano e leva-lo escada acima.
— Aquilo foi...
— Demais eu sei. — George me interrompe. — Então, como foi ver você mesmo?
— Eu mesmo?
— Sim, você estava no espelho certo? — George me olha como se esperasse que eu contasse pra ele com detalhes como é ver eu mesmo.
Mas então, o garoto do espelho era eu?
E as sobrancelhas arqueadas como um se eu olhasse para cada um esperando reverência.
— É, estava... — digo abaixando o rosto.
— Aconteceu alguma coisa?
— A não, nada. — falo com um sorriso torto. — preciso falar com Peter.
Atravesso por um corredor com fileiras e mais fileiras de livros velhos com poeira e mofo.
As rachaduras no chão formam um desenho mal feito com grama se formando.
Uma sala improvisada com estantes de livros encostadas fechando os anciões que se encontram deitados em camas com lençóis fedidos.
Abro caminho entre as estantes, os anciões olham para mim e depois voltam a fazer o que estavam fazendo, vejo Peter em um canto da sala montando um quebra cabeças.
Vou até Peter e peço para falar com ele, Peter se levanta, é baixo e bem velho, mas ainda consegue andar, incrívelmente, Peter deve ter 200 anos, ou mais.
Ele está completamente louco, mas ainda se lembra de como é lá fora, preciso dele.
— Peter. — ele olha para mim e sobe na cama.
— Meu amigo Aiden acaba de chegar, batam palmas pessoal. — Peter bate palma mas os outros nem prestam atenção.
— Preciso falar com você Peter — digo com um tom sério.
— Ei, antes você precisa ouvir uma história, todos querem história. — diz Peter eufórico.
— Talvez depois Peter. — vou chegando mais perto mas Peter começa a história.
— Não sei se você sabe, mas já vi o mundo como ele era antes, vi todas as maravilhas que ele tinha para oferecer. — sento-me no chão junto aos outros, George senta-se ao meu lado. — e uma das maravilhas e a minha preferida é as estrelas. — o rosto enrugado de Peter fica vermelho e seus olhos brilham. — as estrelas são o melhor que o céu poderia nos oferecer, não tenho dúvidas disso, daria tudo para ver um céu estrelado uma última vez. A nossa história de hoje começa com uma noite repleta de estrelas e a lua para dar um tom amarelado a água do mar que se choca contra a barca em movimento. O chão de madeira escura e algumas luzes presas com fios em pilastras de madeira iam de um lado para o outro cruzando o centro do barco. Fui até a beirada da barca para observar a linda noite que algumas pratas me concederam, a água parece mais calma, a lua parece maior e as estrelas mais brilhantes do que nunca. Olhei para o lado esquerdo e vejo a frente da barca, olhei para o lado direito e vejo uma mulher parada e olhando as estrelas, seus cabelos vermelho sangue, e sua pele branca mas um pouco mais que a minha. Ela parece distraída, usa um vestido azul escuro e uma sapatilha da mesma cor.
— Olá — digo sem pensar.
Ela não olha, parece concentrada demais nas estrelas, ou destruída demais.
— Olá — digo com um tom mais alto e ela olha para mim.
— Ah olá, desculpa é que eu não escutei. — diz ela com um pouco de vergonha, e finalmente se vira para mim, seus olhos foram a primeira coisa que vi, eram diferentes, de um tipo que me fez corar as bochechas. Como dois vulcões em erupção, com um tom vermelho meio alaranjado, simplesmente perfeitos.
Seu nariz é circular e da um realce às maçãs das bochechas, seus olhos são grandes e seu sorriso era como uma luz no fim do túnel, não sabemos se devemos nos preocupar ou apenas confiar.
Não parece ter mais de 18 anos, e era menor que eu.
— São lindas não são? — digo olhando para as estrelas.
— São sim, gosto de olhar pra elas e imaginar à quanto tempo estão ali.
— Gosto de imaginar que cada estrela é uma vida. — digo.
— Uma vida? Como? — pergunta ela.
— Olha nos meus olhos e me diz o que você vê.
— Hum.. Vejo seus olhos. — disse ela.
— Olha bem.
— Suas pupilas.
— O que mais? — pergunto soltando um breve sorriso.
— Um.. Brilho.
— Isso, exatamente, se você foi especial pra alguém, essa luz passa a brilhar lá no céu quando você morre. Para que possam lembrar de você.
— Meu nome é Katherine. — disse ela sorrindo, um pouco vermelha.
— Prazer em conhece-la, o meu é Peter.
Aquela noite na barca foi muito boa, os dias depois daquele só foram melhorando, começamos a namorar e tudo era tão bom, nos casamos e foi um lindo casamento.
— Tudo parecia tão bom.. — disse Peter quase sussurrando, se não estivesse tão perto dele acho que não o escutaria. — Até que um dia à encontrei caída na cozinha, corri às pressas para o hospital com ela nos braços, ela foi medicada e por fim ficou "bem".
— Por que as aspas? — pergunto.
— Naquele dia o médico falou que ela havia contraído câncer, e já estava em um estado crítico. — é a primeira vez que ouço falar sobre Katherine, Peter parece triste. — Cinco dias depois ela estava em casa deitada na cama, eu estava lá abraçando ela.
— A 37 anos você cuidou de mim, me deu amor, me abraçou, e acredite, seu abraço é o melhor lugar pra mim. Nunca me esqueci do que falou pra mim no dia que nos conhecemos, sobre as estrelas. — disse Kate olhando nos meus olhos.
— Kate, você é a minha estrela, não quero que vá. — as lágrimas escorriam pelo meu rosto caindo no lençol.
— Eu sempre vou estar com você, meu admirador de estrelas, eu te amo.
— Eu também amo você, muito. — Kate fechou os olhos e se foi.
Meus dias pioraram depois que ela morreu, até que peguei uma corda, amarrei-a na árvore e em volta do pescoço.
Sobre a cadeira meus músculos tremiam e meu coração acelerava, no momento exato que ia tomar a decisão uma grande estrela brilhou no céu, era a mais linda estrela que já havia visto.
Sabia que ela estava lá, sempre vai estar.
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Penumbra
AdventureEm um mundo caótico infestado por sombras, um garoto que nunca havia visto o seu próprio mundo, descobre ser a salvação de seu planeta. Vai em busca de informações sobre sua própria identidade, embarcando em uma incrível aventura cheia de terror e s...