Sombras

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Continuo com os olhos fechados com medo do que ver, o zumbido nos meus ouvidos bloqueiam todo o som do ambiente, será que morri?
Acho que se eu estivesse morto não pensaria, não quero abrir os olhos ainda, morrer aqui seria uma decepção, todas as pessoas que morreram lá na cidade seriam em vão.
Acho que não tenho mais o que fazer, não posso ficar aqui parado esperando algo acontecer, tomo coragem para abrir os olhos e a primeira coisa que vejo são grandes olhos amarelos, os dentes do lobo e sua feição maléfica.
Dou um pulo para trás e meu coração dispara, o robô olha para mim e em sua mão esquerda se encontra o lobo, o robô segurou o lobo que agora está morto esmagado e olhando para mim.
- Você está bem? - pergunta o robô.
Não tenho reação, encaro o robô sem expressão com seus olhos estrelados. O robô solta o lobo sem vida e seu corpo desaba no chão.
- Você está à salvo agora. - fala o robô.
Não sei o que falar, sei que ele não está pensando em como me matar ou como me pegar, mas não sei o que falar.
- Vvocê..
- Robby. - completa o robô - meu nome é Robby.
- Obrigado por salvar a minha vida, eu..
- Não precisa agradecer, esse é meu trabalho. - fala Robby com sua voz robótica e sinistra. - como me ligou?
- Eu só, usei a chave. - respondi colocando a chave para cima, para que ele veja.
- Estou desligado à anos, me desliguei depois de ver o mundo se tornar horrível.
- Se tornar horrível? - perguntei confuso.
- Não consigo me levantar pode me tirar daqui? - disse o robô cutucando os fios em suas costas que o prendem a um dos prédios.
Começo a escalar mas ele me ajuda com as mãos, chego nas costas dele e tento puxar os fios, mas estão presas muito forte.
- Não vou conseguir tirar esses fios sozinho. - digo sentando no seu ombro esquerdo.
- Pode procurar ajuda? - pergunta o robô.
- Por que quer tanto sair daqui? Você é só um robô.
- Estar consciente não significa viver, se eu permanecer sentado a vida toda como vou saber o que me faz funcionar, o que me faz estar aqui agora falando com você.
Desço do robô pego a minha lamparina, minha bolsa está na entrada da caverna, não quero voltar lá, procuro em meus bolsos e encontro uma caixinha de fósforos.
- Vou procurar ajuda. - digo acendendo a lamparina.
Guardo a caixinha no bolso e começo a andar, a iluminação fraca deixa o ambiente macabro.
Paro de andar para escutar um som que parece estar não muito longe, passos, talvez a pessoa dos passos longos e calmos possa me ajudar.
O som me leva para um beco escuro e a minha lamparina ilumina meu caminho, a luz constrói o ambiente ao meu redor, os passos parecem mais perto, seja lá quem for estou chegando perto.
Vejo um pouco adiante uma senhora que parece ser bem velha, cabelos brancos, um pouco corcunda e seus passos curtos e demorados jogando as cinzas para a frente.
- Olá? - digo pegando em seu ombro. - a senhora está bem?
A senhora virou e a luz revelou seu rosto mostrando suas rugas, a pele branca e sua feição maligna com os olhos completamente pretos como se o próprio céu preto e sem as estrelas estivesse nos olhos dela.
A chama da lamparina se apagou deixando o escuro absoluto tomar conta do beco, comecei a correr sem conseguir ver nem um passo à minha frente, ouvi passos de todos os lados e bem rápido, chegando tão perto que parecia já estar encostando em mim.
Corri até me chocar contra a parede de tijolos e os passos foram chegando tão perto mas também pareciam estar longe, peguei minha lamparina e risquei o fósforo no chão mas ele não queria acender, risquei mais uma vez e ele continuava apagado, da terceira vez ele acendeu e o levei rápido para a lamparina.
A luz se espalhou em volta de mim e as coisas que estavam perto de mim recuaram com a pele queimando, pude ver o que eram. Eram como sombras ambulantes, com formas e feições estranhas como monstros, alguns eram maiores e alguns ainda eram humanos, mas com os olhos completamente pretos.
Parece que eles não podem vir na luz, a sua "pele" queima. É como uma proteção do que quer que eles possam fazer comigo.
Levanto-me e vejo a saída do beco ao lado, algumas sombras bloqueiam o caminho mas eu sigo em frente fazendo-as recuarem.
Uma delas não recua e começa a queimar, imediatamente foge correndo e leva todas as outras consigo.
Passo pelo beco e saio em uma das ruas da cidade, postes de luz estão caídos com algumas caixas de algo estranho como uma cápsula.
Fios se estendem pelo chão e fumaças exalam de alguns prédios, ouço um som de música bem longe e sigo na direção do som. Seja lá o que for estou protegido do perigo.
Vejo uma pessoa caminhando no final da rua, tocando uma sanfona velha e sua roupa colorida com os pés bem grandes, o cabelo para os lados e a pele branca, de costas para mim continua tocando e caminhando tranquilamente.
Me aproximo cada vez mais, a música vai ficando mais alta a cada passo, ouço risadas baixinhas e ele para.
Fico parado esperando algo acontecer e o vejo virar levemente, suas pulpilas amarelas com a boca coberta por sangue, sua roupa colorida está completamente suja de sangue, como se ele estivesse acabado de comer alguém.
Um palhaço, eu li um livro sobre artes circenses, falava sobre o palhaço, ele traz alegria para as pessoas fazendo-as rir, o que de ruim um palhaço faria?
- Oola.. - digo com a garganta doendo.
Ele olha para mim e solta uma risada ensurdecedora, ele puxa uma faca da cintura e a levanta com o braço direito, dou um pulo para trás e o golpe não pega em mim.
O palhaço começa a correr atrás de mim e eu não aguento mais correr, caio no chão e empurro meu peso para trás, fugindo, de repente o palhaço para e com uma cara de assustado vira para a direção contrária, correndo com medo.
Recupero meu fôlego e seguro a lamparina com força, parece que não são só sombras que querem me matar, o lado de fora da cidade de baixo tem um ótimo comitê de boas vindas.
Limpo minha blusa e retiro as cinzas da minha calça, viro-me para continuar procurando ajuda e dou de cara com um homem muito alto com praticamente dois metros de altura, seus olhos brilhantes, um cachecol rasgado e uma cartola, uma sombra.
Aproximo minha lamparina para que ele saia de perto de mim e ele queima o dedo.
- Ai. - diz a sombra colocando o dedo na boca.
- Quem é você? - digo com medo, da última vez que vi uma sombra não de muito certo, e só foram à alguns minutos.
- Eu acabei de salvar você daquele palhaço maluco, e é assim que me agradece? - fala balançando o dedo. - Meu nome é Grump e eu não quero machucar você, não sou como as outras sombras.
- Como posso acreditar em você? Você é uma sombra.
- Ora vamos, abaixa essa lamparina, ela não pode me machucar. - olho para seu dedo. - ah isso ? É só um arranhão.
Não sei o que dizer, não sei nada sobre as sombras mas elas quiseram me atacar.
- Prova que não é um deles.
- Não vou provar nada, já te salvei, é já basta.
Pode não ser uma boa ideia confiar em uma sombra mas é a minha única opção, tenho que tirar o robô de lá.
- Tudo bem, eu preciso de ajuda, meu amigo está preso e não consigo tira-lo de lá. - falo com o coração na garganta.
- Aonde seu amigo está? - pergunta Grump.
- À algumas ruas daqui. - respondo. - pode me ajudar?
Grump balança a cabeça com um gesto positivo.
Guio ele por ruas escuras, a minha luz é a única caminhando sozinha, sinto que estou sendo observado de todos os lados, contínuo andando, pulando alguns postes, tropeçando em algumas pedras.
Ouço um som familiar e paro, Grump segura em meu ombro e por um instante o vejo dentro da luz, seu rosto é redondo e não vejo boca e nem nariz, só dois olhos redondos e brilhantes, seus dedos são grandes e esqueléticos e seus joelhos batem na minha barriga, ele deve ter um pouco mais de dois metros.
- O que foi? - pergunto.
- Lobo negro. - responde Grump que já não queima na luz da lamparina. - posso ouvi-lo bem perto, fique parado.
Obedeço, já estive com um Lobo negro antes e ele praticamente destruiu a minha vida.
- Quando eu falar você corre. - diz Grump olhando para os lados.
- Mas ele não vai vir atrás de mim? - pergunto preocupado.
- Essa é a intenção, um...
- Espera eu ainda não estou pronto para morrer.
- Dois...
- Eu não sei o que fazer.
- Três!!
Grump me empurra e escuto o tilintar das unhas do lobo no chão de cinzas, começo a correr o mais rápido que posso, ouço o lobo chegando cada vez mais perto.
Tropeço em uma das pedras no caminho e caio de barriga no chão, a lamparina apaga e ouço a respiração ofegante do lobo bem perto do meu rosto, alguns grunhidos e sons de dor.
Acendo o meu penúltimo fósforo do bolso e jogo-o para dentro da lamparina, a luz se espalha e revela a fonte do som.
Grump segura a boca do lobo como se estivesse abrindo um baú, o lobo uiva de dor e Grump abre tudo de uma vez quebrando o maxilar do lobo.
O lobo desaba no chão e Grump arfa e olha para mim, estou completamente estagnado e não sei se falo alguma coisa ou se não falo nada, Grump passa por mim sem dizer uma palavra me deixando a segunda opção.
Chegamos no robô que espera pacientemente a minha ajuda.
- Robby, trouxe ajuda. - grito para que ele escute.
- Espera, Robby é um robô? - pergunta Grump assustado.
- É sim por que? - dou de ombros.
Robby olha para mim e depois para Grump e imediatamente seus olhos se tornam vermelhos e um som ensurdecedor esvai de algum lugar de seu corpo, como a sirene da cidade de baixo.
- Corre garoto, corre. - grita Grump me tirando do olhar do robô.
Robby se levanta arrebentando todos os fios de suas costas, os fios batem nos prédios estilhaçando vidros e jogando poeira para o alto.
Toma impulso e corre na direção de Grump, cada passo um estouro no chão.
Grump se agarra à perna de Robby e o joga em um dos prédios, Robby cai destruindo o prédio por completo. Depois se levanta pegando Grump pela cintura e o parte ao meio, deixando um pedaço em cada mão.
As duas partes de Grump continuam lutando e arrancam uma das mão de Robby que desaba no chão ao meu lado.
Prédios quebrados, fios arrebentados, cinzas pela rua, postes quebrados, um robô e uma sombra lutando entre sí. Meu sua não está sendo normal hoje.
Estou no meio de uma guerra e não sei qual dos dois é o vilão, muito menos o herói. Lembro-me da chave e de como liguei o robô, posso tentar desliga-lo agora.
Não sei o que está dando em mim, não sei por que quero arriscar a minha vida para desligar um robô, acho que é por que Grump salvou a minha vida, duas vezes.
Ta na hora de eu salvar a dele.
Deixo a lamparina no chão e pulo em uma das pernas de Robby, ele à balança me jogando para longe, vôo para o outro lado da rua mas Grump me pega no ar ainda segurando no braço do robô.
- Ta querendo se matar? - grita Grump para mim.
- No tronco do robô. - respondo fazendo Grump olhar para a fechadura. - eu tenho a chave, posso desliga-lo.
- Tem certeza disso?
- Não, mas é a nossa única chance.
Robby pega o pescoço de Grump com a mão boa e antes de dividi-lo em mais uma parte Grump me joga de encontro à fechadura no tronco do robô.
Robby solta Grump e tenta me esmagar contra seu tronco, mas Grump segura sua mão antes que chegue em mim.
- Vai rápido, não vou aguentar muito tempo. - grita Grump.
Encaixo a chave na fechadura e giro ela uma vez, Grump não aguentaria e solta a mão do robô caindo no chão, giro pela segunda vez e a mão de Robby para encostando em mim, seus olhos se apagam e as engrenagens param de girar.
Caio desmaiado e antes de cair de cabeça no chão Grump me pega no ar, não ouço mais nada, meu corpo pesa e a escuridão toma conta dos meus olhos.

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