Histórias

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    Quando acordei me dei conta de que tudo poderia ter sido um sonho, um pesadelo na verdade, e dos que deixam você tremendo durante uma semana.
    Para o meu azar não era um pesadelo, muito menos um sonho.
    Grump me carrega em seu ombro, vejo a cidade se tornar uma miragem, Robby ainda está lá, desligado e inativo.
    Não sei muito bem o que ouve com os dois lados de Grump que Robby criou dividindo-o.
    Respiro fundo e tento não pensar em tudo que passei até agora, tudo que vi, ouvi e senti. A morte da minha mãe, suas últimas palavras, o som de seus ossos se partindo entre os dentes do lobo.
    O som do corpo de George batendo contra a parede, os gritos de Peter atrás da cama que tampava o buraco na parede, tudo isso já passou, eu não devia estar tão sentido, ou devia?
    Quando meu pai sumiu não senti o mesmo, bom... Ele sumiu, não encontraram seu corpo.
    Só quero ficar bem, com todos bem de novo.
    — Bom parece que acordou. — diz Grump me colocando no chão levemente.
    Não sei o por que de ele estar tão preocupado comigo, não sei o motivo de ele estar me ajudando, mas eu não posso reclamar disso.
    — Aonde estamos? — pergunto coçando a cabeça, uma mecha de cabelo preto cai sobre meus olhos e o retiro rapidamente.
    — Estamos chegando na floresta. — responde Grump. — consegue andar?
    — Consigo sim. — respondo. — mas pra que estamos indo para a floresta?
    — Precisa comer alguma coisa. — responde Grump sem olhar para mim.
    Começo a andar e vejo uma grande floresta logo à frente, antes de adentrar na floresta fechada paro e olho para ele.
    — Por que está me ajudando? — pergunto rápido mas que de para que ele escute.
    — Não quero ser igual às outras sombras.
    — Não, isso é diferente, não matar os humanos ou os robôs sei lá.. Já é ser diferente, mas você está me ajudando.
    — Vamos comer primeiro. — retruca Grump.
    — Mas..
    — Comida primeiro história depois. — interrompe ele.
    O espaço vazio entre a floresta e a cidade enche-se de escuridão, a luz não paira sobre esse mundo a não sei quanto tempo.
    O céu negro faz a floresta parecer mais assustadora, Grump parece conhecer tudo aqui fora, ele me guia pelo mundo à procura de comida como se tivesse um mapa.
    Levanto-me e o sigo, sem dizer mais nada a respeito. A floresta é imensa, com árvores gigantes a ponto de não dar para ver o topo.
    O tronco das árvores são escuros e grossos, precisaria de cinquenta de mim para contorna-la por inteiro, ou até mais.
    As raízes atravessadas pelo caminho dificultam minha passagem, acendo a lamparina com o último fósforo do meu bolso.
    Em meio às árvores minha luz desvia dos troncos levando iluminação à escuridão da floresta. Grump não olha para mim e nem fala nada, só o som das folhas secas, lama e galhos quebrando debaixo de nossos pés ecoam batendo nas árvores.
    De repente vejo uma coisa passando rápido, Grump para e espera, calado ele observa o que deve ser a "comida" não sei o que me espera entre estas árvores.
    Grump avança correndo e perco ele de vista, levanto a lamparina e corro na mesma direção, esbarrando em galhos com folhas secas e tropeçando em raízes.
    Não consigo acha-lo mais, olho para todos os lados mas não o vejo. Devia ter esperado ele lá, ele vai me procurar e não vai me achar mais, não conheço essa floresta, não conheço nada depois daqueles portões lá embaixo, vou acabar morrendo de fome, ou de sede, ou de alguma coisa que pode estar atrás dessas arvores só esperando eu enfraquecer.
    Começo a entrar em pânico, meu coração acelera e meus pulmões parecem pequenos demais para o ar que puxo com a boca.
    Minha mãe morreu, meu melhor amigo morreu, meus únicos companheiros e família que estavam lá em baixo morreram, estou sozinho, completamente sozinho em um mundo desconhecido.
    O vento gelado percorre as minhas costas e arrepia meus pelos dos braços, a vontade de vomitar sobe da minha barriga para minha garganta e me deixa uma dor de cabeça.
    Sob meus pés sinto um tremor, um tremor fraco demais, mas não que não de pra sentir. O tremor aumenta estremecendo minhas pernas, e continua aumentando até estremecer meu corpo inteiro, olho para os lados, para trás, mas não vejo nada, nem um movimento se quer.
    Me viro para trás e escuto um estouro, troncos quebrados voam em minha direção, fecho os olhos e sinto o impacto, mas não a dor. Grump me tirou do caminho dos troncos e corre comigo no ombro direito enquanto carrega um veado no braço esquerdo.
    Vejo o motivo de as árvores quebrarem e o tremor aumentar. Uma criatura gigantesca com um longo roupão que vai até o chão, ele segura o roupão com a ponta dos dedos para não tropeçar, não consigo ver bem o seu rosto, vejo que ele usa uma coroa muito grande mas logo percebo que é apenas o formato de sua cabeça, seus olhos brilhantes como os de Grump estão fissurados em mim enquanto sou carregado por Grump.
    Grito sem som e a criatura corre atrás de nós quebrando árvores e enfeitando o chão com pegadas.
    Grump corre em linha reta enquanto a criatura se aproxima cada vez mais. Enquanto corre estende a mão para nos pegar, sua mão vai chegando mais perto à cada passo e Grump parece não perceber isso.
    — Ele vai nos pegar, vai nos pegar.. — grito desesperadamente. — ele vai.. — Grump interrompe meu escândalo virando rapidamente para a direita, a mão da criatura fecha no ar e um passo em falso em uma cratera no chão da floresta e cai para talvez a sua morte.
    Paraliso enquanto Grump me tira da floresta, será que ele sabia do buraco? Será que sabia da criatura? A criatura.. Volto a realidade com uma respiração funda.
    — Você está bem? — pergunta Grump.
    — O que era aquilo? — pergunto com o coração acelerado.
    — Não sei. — responde Grump olhando para a floresta.
    — Como não sabe, você mora aqui não é mesmo?
    — Eles devem ter criado essa... — Grump tenta achar a palavra certa para a criatura.
    — Criatura.. — completo.
    — Coisa, quando fui embora.
    Paro por um instante refletindo suas palavras, eles devem ter criado essa coisa quando fui embora. Eles? Quando fui embora?
    — Quem são "eles" ? — pergunto.
    — Eu, sou um traidor do povo das sombras.
    — Povo das sombras? — pergunto confuso.
    — É uma sociedade que criamos. "As sombras, as criaturas mais más que o mundo já conheceu" não quero ser como deles. À muitos anos atrás conheci uma mulher incrível, só tinha um problema, ela era humana e odiava as sombras. Seus cabelos loiros e sua pele branca, não sei como mas ela me fez sentir algo que nunca havia sentido. Observava ela todos os dias, seu nome era Sara, as vezes mandava coisas para ela como, comida, flores, cartas, etc. Nessas coisas sempre escrevi a dedicatória mas nunca quem as mandava. Observar Sara me fez perceber que os seres humanos são criaturas realmente fantásticas, mas o povo das sombras não achava o mesmo, nunca acharam. Eles falavam que devíamos acabar com essa vida estúpida que brinca de reinar o planeta. Um dia ela deixou uma carta dizendo me encontre no pôr do sol. Entrei em pânico, talvez fosse felicidade, ou ansiedade, ou tudo Junto. Decidi ir, de trás das árvores à observei caminhando até um tronco para observar o por do sol. Fui logo atrás dela, com passos cautelosos e silenciosos, e sentei do seu lado, por alguns minutos foi um momento muito bom, mas quando ela se virou para né ver fez uma cara de desespero e sacou a arma e atirou três vezes. Pedi para que ela parasse e falei que não queria machuca-la mas ela só atirava, então fui embora. Fiquei com raiva e fiquei sem ve-la por meses. Mas um dia vi que uma fumaça estranha saía de onde era a vila de Sara. Corri até lá e vi que alguns rebeldes estavam saqueando a vila, e estavam executando todas as pessoas de lá, Sara estava em um canto amarrada esperando a morte. Corri até lá e saltei no primeiro rebelde, quebrei seu pescoço e corri até o segundo lançado-me  em sua direção, quebrei a arma e o joguei no retrovisor de um dos carros, o terceiro fugiu e os outros já tinham ido embora. Desamarrei as pessoas e me virei para ir embora, Sara sussurrou um obrigada, sussurrei  denada, no primeiro passo para ir embora ela me abraçou, então virei e retribuí o gesto. Eu era muito mais alto que ela mas nesse momento me senti do mesmo tamanho. Senti seus batimentos acelerados e me senti feliz. Ela me pediu desculpas pelo pôr do sol e eu à desculpei, as outras pessoas já tinham ido embora e ficamos ali pelo que pareceram horas para mim, mas tinham sido apenas alguns segundos. Então senti minhas costas queimarem e abri os olhos, os faróis do carro dos rebeldes tinha acendido, foi quando um arpão veio em minha direção e atravessou meu tronco perfurando Sara na cabeça. Eu não morro perfurado pelo arpão mas ela sim. Humanos são extremamente frágeis. Ela morreu nos meus braços instantaneamente, puxei o arpão da cabeça dela enquanto ela permanecia caída em meus braços. A raiva se encheu em mim e eu não senti mais a dor da luz penetrando a minha pele. Virei-me e arranquei o rebelde de dentro do carro. Quebrei todos os seus ossos com uma só mão. No final de tudo levei ela para ver o último pôr do sol.

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