Chuck

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A sensação é gostosa, esse sangue quente desce pela minha mão como uma cachoeira nas pedras, e meu impulso quer perfurar mais e mais.
A faca improvisada é tão boa quanto as da cozinha, mas não corta muito bem.
Vejo seus últimos momentos em seus olhos, o brilho desaparece em menos de um segundo, é tão interessante esses olhos azuis perdendo a vida, que escorre com o sangue para fora de seu corpo.
O dia é belo, com a escuridão da cidade de baixo. Seus choros e lamentos já acabaram, durma bem.
Dia anterior
Acordo e olho para a parede de ferro a minha frente, Aiden dorme tranquilamente na cama embaixo, a sirene ainda nem tocou, mas posso ouvir o badalar dos enfeites que permanecem na janela balançando.
Sem fazer barulho desço da cama e ando pelo quarto infestado de brinquedos, piso em alguns que machucam meus pés e saio do quarto.
O corredor está cheio de nada, como toda manhã, vou para a fonte fazer pedidos.
Ando pelo corredor até as escadas, o tapete vermelho faz cócegas, o cheiro da manhã é tranquilizante.
Abro a porta da frente e vejo a cidade mais bela que já vi, e a única.
Caminho tranquilo até a fonte, ninguém na cidade, nenhum barulho a não ser os meus passos ecoando nessa grande caverna.
Viro em ruas que memorizei ao longo dos anos vivendo aqui, e chego a um lugar escuro mas ainda iluminado o bastante para ver o caminho.
Um som estranho interrompe o silêncio, um som feminino e incomum, é como se gemesse de dor e tentasse correr.
Vou para um canto entre casas e olho escondido, um garoto está batendo em uma garota, seu rosto está absolutamente ensanguentado, e ela respira ofegante tentando se defender.
- Por favor... - fala ela baixinho.
- Por favor? Você é tão bonita Jenny. - fala ele.
- Vai logo Zac alguém pode nos ver. - fala outro garoto atrás dele, conto cinco no total.
- Calma, ninguém vai nos ver. - fala Zac, e bate mais na garota, chutes e socos. - Vamos ver como você é Jenny.
- Não, não Zac. - fala ela segurando a roupa que ele tenta rasgar.
Ele tenta tirar o cinto mas um deles me vê.
- Tem alguém ali. - grita ele.
- É só um menino, peguem ele. - fala Zac.
Os garotos vem em minha direção e corro tentando voltar para casa, eles são duas vezes maior que eu e chegam cada vez mais perto até me empurrar, então caio.
Choro como um bebê, eles me levantam e socam minha barriga.
- Então é curioso, gosta de se meter aonde não é chamado. - fala Zac.
- Me larga. - grito, e ele tampa minha boca com uma fita.
- Leva lá pra trás. - fala Zac.
Eles me carregam até um beco e Zac vem com um pedaço de madeira, ele bate no meu rosto e repete mais forte até eu cair no chão, os garotos me dão chutes na barriga e no rosto, Zac me bate até me desmaiar.
Acordo em uma cama com pessoas a minha volta, estou inchado e roxo, estou todo furado com agulhas e soro na veia, com remédios diferentes.
Meus pais estão na porta com meu irmão, seus olhos confusos me examinam cima a baixo, até que entram na sala.
- O que houve? - pergunta meu pai ao doutor.
- Estava espancando a menina e um grupo de meninos a ajudou. - falou ele.
- Espancando uma o que? - fala meu pai sem esperar resposta. - deve haver algum engano, meu filho não é assim.
- Bom senhor, tenho provas, a própria menina falou.
- Mas..
Minha mãe apenas chora com a mão na cabeça, Aiden brinca com seu brinquedo pela sala.
- Agora. - fala o doutor. - hora de ir.
Minha mãe me abraça, meu pai me olha e vai embora.
++++
Acordo no dia seguinte e vejo Zac me olhando. Me agito na cama e meu corpo dói, o doutor aparece e Zac lhe dá algumas moedas.
Zac é filho do prefeito da cidade, e está subornando o doutor, que ri exageradamente.
Zac sorri para mim e os dois saem da sala.
Olho para o teto e a raiva toma conta de mim, meu pai acha que espanquei uma menina e minha mãe talvez saiba que é mentira.
Vejo do meu lado um pedaço de madeira, quadrada do tamanho da minha mão, então tenho uma ideia.
Quebro um pedaço enferrujado da janela e enfio na madeira, enrolo com pano e escondo embaixo do travesseiro.
Fecho os olhos, finjo dormir, a janela entreaberta jogando o pouco de luz pra dentro, as gotas na pia quebram toda a ideia de silêncio colocando monotonia no ambiente, vejo o doutor entrar na sala, ele anda na minha direção e meu coração acelera.
Ele arruma a cortina do outro lado da cama por cima de mim, seu rosto encara a janela, tentando tampa-la se contorce.
Puxo a faca debaixo do travesseiro e enfio em sua garganta, um grito abafado sai de sua boca, então giro a faca e corto a garganta de uma vez.
O sangue jorra como a fonte, suja minha roupa e minhas mãos. O roxo do meu rosto e os cortes na boca ainda doem, mas ignoro a dor nos músculos e saio da cama.
Ando pelo quarto até o espelho da parede. Estou sujo, o sangue me deixou estranho.
Saio do quarto e vejo um corredor branco de hospital. Ainda com a faca em mãos ando pelo corredor e passo por várias portas de mola.
Chego ao salão principal e as pessoas sentadas nas várias cadeiras olham pra mim assustadas, por que estão assustadas?
E então o vejo, do lado do prefeito, Zac me olha com nojo e ri.
- Ei o que está fazendo? - pergunta uma enfermeira.
Corro até Zac com todos me olhando e ele se assusta, meus passos são firmes e controlados, seus amigos estão falando alguma coisa no balcão. Minha faca vai direto na barriga, e de primeira se contorce de dor, o prefeito se assusta e Zac geme.
Tiro a faca e esfaqueio mais uma vez, e mais uma e mais uma, ele se segura em mim até cair, as lágrimas em seus olhos escorrem pelo rosto.
O prefeito segura meu braço mas logo esfaqueio sua mão, ele grita de dor e os garotos no balcão correm em minha direção.
O primeiro esfaqueio o rosto com a força de um soco, o outro me empurra e joga minha faca longe. Começa a me dar socos e chutes, mas seguro seu braço puxando-o junto a mim.
Mordo seu pescoço com tanta força que arranco um pedaço, o sangue suja minha boca e meu corpo, ele grita e vai no chão.
Fico por cima dele dando socos em seu rosto, socos fortes o bastante para mata-lo.
Um guarda pula em cima de mim e me prende com uma corrente, depois me desmaia.
++++
Acordo em um lugar úmido e meus pais do meu lado, olhando atentamente para o prefeito.
- Ele matou quatro pessoas, ele matou meu filho. - fala ele chorando.
- Poupei esse lugar das maldades de Zac. - falo.
Todos olham pra mim.
- Pena de morte. - grita o prefeito de sua cadeira.
- Calma senhor. - fala meu pai.
- Calma? - fala o prefeito.
As memórias vêm quebradas na minha mente, meu pai me levando até fora da cidade, brincando de pique esconde e nunca mais o vi. As criaturas tentaram me matar, mas corri e me escondi até descobrir como afeta-las, a luz me ajudou bastante, então vieram os humanos, e pude saciar minha sede de sangue, destruí uma cidade inteira com apenas uma faca.
Gosto de ver o circo pegar fogo, mas as vezes eu sou o fogo.

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