Capítulo 17

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— Chico sempre se preocupou em esconder a própria grandeza: não fazia e não permitia que alguém fizesse a sua propaganda; durante os passes que ele transmitia nos doentes, do seu corpo e, particularmente, de suas mãos exalava cheiro de éter ou de perfume... Impressionantes os fenômenos que aconteciam à sua volta; eu mesmo, por diversas vezes, testemunhei a explosão de luzes à sua volta. De madrugada, tarde da noite, quando saíamos do "Luiz Gonzaga" ele, antes de ir para casa, fazia questão de visitar alguns amigos acamados e, quando não tinha nada para lhes levar, talava uma singela flor do campo com que proporcionava alegria a cada um deles... A sua facilidade para psicografar era impressionante; num simples pedaço de papel, onde houvesse necessidade, apoiando-o na perna ele grafava as mais lindas páginas de além-túmulo. Trovas e sonetos lhe brotavam das mãos com a mesma espontaneidade que as estrelas aparecem no firmamento. Aos seus olhos, tínhamos a impressão de que éramos transparentes —ele nos enxergava por dentro, o corpo e a alma, e, não raro, nos respondia a determinada pergunta antes que tivéssemos tempo de formulá-la; ele nos adivinhava os pensamentos, mas guardava silêncio para as nossas imperfeições...

As descrições de Zeca Machado me comoviam e comecei a sentir inexprimível desejo de ter compartilhado daquele tempo de tanta espiritualidade e beleza!

— Vamos ao "Luiz Gonzaga" — convidou-nos o devotado amigo.

O referido centro, antiga casa de trabalho de Chico Xavier na cidade, fica localizado na rua principal, próximo à igreja matriz.

— Este é o prédio novo — explicou-nos —; o velho já não existe mais, no entanto ainda o conservamos intacto deste Outro Lado da Vida...

— Isto é possível? — indaguei, curioso.

— É evidente, Inácio — atalhou Odilon —; tudo possui o seu duplo...

— Mas esse duplo não existe em função do que existe materialmente?... Quando os objetos se desarranjam, do ponto de vista material, o que lhes constitui a réplica espiritual igualmente não se desagrega?

— Nem sempre, principalmente quando determinados objetos e construções se acham fortemente imantados ao pensamento plasmador — respondeu Odilon, que continuou: — A estrebaria em que Jesus nasceu, há cerca de dois mil anos, não desapareceu do céu de Belém; ela se conserva intacta, pois, todos os dias, no mundo inteiro, os cristãos estão constantemente a criá-la e a recriá-la... No entanto, Inácio, este é um assunto para os nossos fisicos e não para nós, que estamos apenas à procura de melhoria íntima.

- Concordo — respondeu Zeca, convidando-nos a adentrar a sede original do "Luiz Gonzaga", que funcionava num pequeno cômodo da casa em que Chico residia com a família.

O recinto era diminuto porém muito bem cuidado; das paredes que o constituíam irradiava-se suave luz e podia-se respirar uma atmosfera de paz.

— Muitos espíritos costumam vir aqui fazer as suas orações, meditar — falou-nos o anfitrião.

— Estou impressionado — disse Paulino —; este cômodo é bem menor do que o meu quarto...

— Do seu ex-quarto!... — corrigiu o mestre ao pupilo.

- Desculpem-me; às vezes, eu ainda me esqueço...

— Ora, Paulino — interferiu Zeca, sorridente — não se preocupe; afinal de contas, como você está vendo, até para o que é material a vida continua...

— Como, neste pequeno espaço, a Espiritualidade logrou fazer tantos prodígios em favor da Humanidade?...

— O problema do homem é espaço demais e aproveitamento de menos — filosofei, igualmente maravilhado com a singeleza do ambiente.

— No começo da tarefa de Chico, no ano de 1927 em diante, ele praticamente orava sozinho aqui; sozinho, em termos — consertou Zeca —, porque os espíritos estavam com ele: os poetas, os literatos, os grandes luminares da Vida Maior e os sofredores vinham visitálo...

— Os sofredores se manifestavam mediunicamente no "Luiz Gonzaga"? — interroguei ao gentil confrade.

— Raramente; as sessões mediúnicas de desobsessão eram realizadas no Grupo "Meimei" — sessões, aliás, inesquecíveis... Os espíritos que nos habituamos a rotular de sofredores nos transmitiam preciosas lições; um companheiro nosso, Arnaldo Rocha, que ainda está no corpo, compilou uma obra interessante a respeito, intitulada "Instruções Psicofônicas"; o livro, pouco conhecido da nova geração, é extraordinário pelo seu conteúdo e pelos depoimentos dos que deixaram o corpo desavisadamente...

— É verdade, Zeca, que Chico ia até com certa freqüência à casa de nossas irmãs que faziam comércio de si mesmas? — indaguei, com dificuldade para tocar no assunto e encontrar as palavras menos contundentes.

— Ele sempre foi muito amado por aquelas que residiam no bairro boémio da cidade.

Quando Chico chegava, elas mandavam os "fregueses" embora, explicando que, naquela noite, não haveria festa; ele orava com elas, lia-lhes e explicava o Evangelho e, na medida do possível, sempre levava algum alimento... Certa vez, quando Chico teve uma grande ferida no pé e parte da perna, foi uma dessas nossas irmãs que ia fazer curativo nele todos os dias: lavava-lhe o pé doente numa bacia com água e arruda e, depois, o enfaixava...

- Igual à pecadora que ungiu os pés do Senhor, ante os protestos de Judas — lembrei.

- Exatamente, Inácio. Poucos sabem disto, mas eu vou lhes dizer: em seus últimos anos de vida, de tanto pensar nas chagas de Jesus Cristo e desejá-las para si, como aconteceu a Francisco de Assis, dois pequenos estigmas lhe apareceram no peito dos pés, lembrando os cravos que perfuraram os pés do Senhor...

— Muitos não acreditarão...

— Como muitos não acreditam que Jesus sequer tenha existido, Inácio — retrucou Odilon.

Não devemos fazer da crença ou da descrença alheia uma preocupação excessiva.

— Vamos ao açude — chamou-nos Zeca Machado.

O riacho que margeia a cidade empresta à paisagem natural encantamento.

— Foi aqui, exatamente aqui — disse o amigo erguendo a destra —, que Emmanuel, pela primeira vez, se mostrou a Chico Xavier!... O antigo senador Públio Lêntulus lhe apareceu à visão dentro dos reflexos de uma cruz luminosa...

- Você já esteve com Emmanuel pessoalmente? — questionei, à maneira de criança curiosa pelos mínimos detalhes.

Zeca sorriu e respondeu-me bem-humorado:

— Esse pessoalmente me soou algo estranho aos ouvidos... Será que ainda podemos nos considerar pessoas?... Não, Inácio, não estive com o nosso Grande Benfeitor, a não ser quando pude vê-lo, certa vez, em uma sessão de materialização em que o próprio Chico funcionava como médium... Foi inesquecível. Vestindo uma túnica, à semelhança dos senadores romanos, e com um manto a lhe cair dos ombros largos e fortes, portava uma espécie de archote na mão direita e, no peito, trazia a constelação do Cruzeiro do Sul. Ele não tocava o chão da sala em que se materializou; dava-me a impressão de levitar, tal a transcendência da aparição que muitos puderam constatar...

— Será que agora, com a desencarnação de Chico Xavier, Emmanuel continuará se comunicando, através de outros médiuns? — perguntou Paulino.

- Quanto à isto — esclareceu Odilon —, sejamos claros: ao que estamos informados, não!...

A tarefa de Emmanuel, neste sentido, está presentemente encerrada.

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