Capítulo 22

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Para não exauri-los, pouparei aos nossos pacientes leitores as descrições das crises que, em Nélio, se sucedem a cada dia, O seu corpo espiritual encontra-se deformado e não sei se conseguiremos reverter o quadro, antes que tentemos localizá-lo em um novo corpo no mundo; as alucinações e as sensações de asfixia se alternam e temos feito de tudo para lhe amenizar o sofrimento — sinceramente, o prognóstico não é dos melhores... Com certeza, o desditoso medianeiro renascerá com problemas na coluna cervical e passará a vida em cima de uma cama.

Veremos, mais tarde, se algum casal benemérito se disporá a recebê-lo nessas condições, pois, caso contrário, ele será uma criança que correrá o risco de ser enjeitado até pelos pais, logo depois de nascer. Fala-se em amor, mas ninguém se dispõe a amar incondicionalmente; ora-se com freqüência, no entanto ora-se para pedir o que se deseja e não para aceitar ou agradecer o que se tem...

Passados alguns dias em que estivéramos juntos, Odilon veio me visitar.

— Como vai indo, Inácio? — saudou-me, descontraído, na conversa que se desdobrou. — Parece-me notá-lo um tanto triste...

— Eu sou assim mesmo, Odilon — respondi —; também sou suscetível a periódicas crises de depressão... Afinal, ao que me consta, ainda sou gente, não é?

Odilon sorriu e alentou-me:

— Gente, você continua sendo, mas não de carne e osso... Não desanime. A Vida pertence ao Senhor...

— É que trabalhar neste hospital é diferente de trabalhar no liceu que você dirige; ambos lidamos com médiuns, só que eu com dementes e você com candidatos...

- Ora, Inácio, não exagere. Alegre-se, homem!...

— Estou penalizado com a situação de Nélio, que você conhece...

— Sim, fiz parte do grupo que foi socorrê-lo e, ao que estou informado, sob os seus cuidados, ele vem alcançando sensíveis melhoras...

— O problema, no entanto, Odilon, não se resume a ele; temos aqui centenas e centenas de irmãos e irmãs em situação lastimável... O que podemos fazer é tão pouco!... Os recursos terapêuticos de que disponho me parecem menores do que aqueles de que eu dispunha na Terra...

Lá, ainda podíamos doutrinar os espíritos obsessores; agora, que o estrago está feito, eles desapareceram: o nosso confronto é com o próprio doente que perdeu a vontade de colaborar...

Por vezes, tenho vontade até de me aliar a eles e delirar pela eternidade...

— Ânimo e coragem, meu velho!... Em meio aos espinhos, há muitas rosas! ... Eu também me preocupo com os jovens candidatos a médiuns no mundo; temos procurado orientá-los, fortalecê-los intimamente, mas não desconheço o teor das lutas que enfrentarão... Vejo tantos saírem entusiasmados do Liceu; ainda há pouco, às vésperas de reencarnar, um deles me disse:

— Farei tudo para que os homens se convençam de sua transcendência; serei uma ponte pela qual os espíritos atravessem a barreira das dimensões e se mostrem aos cépticos... O Mundo Espiritual carece de ser maior realidade na Terra!... Os médiuns estão doando pouco de si; pretendo, sem perder tempo, oferecer o máximo para que a idéia da imortalidade se propague —este será o golpe de morte no materialismo! Sem que o homem se conscientize do seu porvir espiritual, a reencarnação não deixará de ser para ele uma espécie de círculo vicioso...

— E o que você lhe respondeu? — indaguei do companheiro.

— Encorajei-o, evidentemente; quem sabe, Inácio, seja ele a lograr o que não logramos?...

Quem é que dava alguma coisa por Chico Xavier, quando ele não passava de um rapazote?

— É verdade... Quando começaram a falar nele, nos primeiros anos da década de 30, ressaltando as suas faculdades e virtudes, eu duvidei de que se tratasse de um missionário...

— Os predestinados são seres anônimos — esclareceu Odilon, com propriedade. — A Misericórdia Divina não nos deixa órfãos... Aqui, no Hospital, ou lá, no Liceu, podemos estar lidando com alguém que, no futuro, será um novo Chico Xavier...

— Aqui, no Hospital, eu acho dificil — comentei. Ainda bem que você não disse impossível... Os médiuns que hoje se perturbam serão os medianeiros não-perturbados de amanhã; equilíbrio e discernimento são conquistas gradativas... Aliás, Inácio, eu vim visitálo e, ao mesmo tempo, formular a você um convite. Amanhã, no Liceu, teremos a presença de elevado Mensageiro, que nos dirigirá a palavra. Seria interessante que você e Manoel Roberto comparecessem. Estaremos a esperá-los.

— Sem dúvida que lá estaremos e, desde já, agradeço a você a oportunidade.

— O Mensageiro, ao qual me refiro, se materializará em nosso meio, para nos dirigir a palavra diretamente.

— Trata-se de algum conhecido? — perguntei.

— Nem nosso e nem dos nossos irmãos encarnados; portanto o nome com que ele se nos identifique, pouca importância terá...

— De que Plano ele procede? Daquele que nos éimediato?

— Não, um pouco mais acima... Evidentemente que ele tomará forma humana, porém de há muito que já se emancipou de tais injunções.

— Compareceremos com o maior interesse. Alguma recomendação especial?

— Não, nenhuma; apenas que você e Manoel Roberto estejam tranqüilos...

Despedimo-nos e, no outro dia, eu e o devotado irmão de tantas lidas lá estávamos, no Liceu da Mediunidade, dirigido por Odilon Fernandes. No prédio de excelente bom gosto arquitetônico, o Diretor nos esperava à porta, acompanhado do dileto Paulino Garcia, um dos seus mais ativos pupilos. A construção central se faz rodear por outras menores, no mesmo estilo, e todas se localizam dentro de um jardim constituído de diversas espécies de flores, muitas desconhecidas dos nossos irmãos na Terra. Uma delas me chamou particular atenção: uma flor diminuta, muito parecida com um trevo, que, durante o dia, capta as emanações solares e, durante a noite, brilha como se fosse uma estrela, dispensando qualquer outro tipo de iluminação externa no Liceu... Sem dúvida, aquele ambiente aconchegante favoreceria o contato com os mensageiros das Dimensões Superiores: o perfume que naturalmente se desprendia das flores, a brisa mansa que soprava à semelhança de flautas que tocassem em surdina, a paz que impera em tudo...

Odilon, sempre pontual e organizado, conduziu-nos a um amplo salão na intimidade do prédio, onde aproximadamente duas dezenas de estagiários se encontravam no mais absoluto silêncio.

O Mensageiro que se manifestará — esclareceu —dispensa o concurso das energias ectoplásmicas mais sutis que lhe possamos ceder; ele se tangibilizará aos nossos olhos apenas o suficiente para que possamos vêlo e ouvi-lo... É evidente que a sua materialização quintessenciada seria dispensável: poderíamos tão-somente escutá-lo em sua preleção; no entanto, utilizando os próprios recursos espirituais, ele nos obsequiará, digamos, com a sua presença mais completa.

Não havia tempo e nem necessidade de maiores explicações. Apontando-nos duas cadeiras vagas ao seu lado, Odilon convidou-nos a maior introspecção.

Não se passaram mais do que cinco minutos, segundo pude cronometrar, tomando como referência a nossa antiga medida de tempo no mundo, e quase invisível ponto luminoso começou, vagarosamente, a se adensar, em meio a tênue neblina. Dificil encontrar as palavras corretas para descrever a sublimidade do fenômeno e, sobretudo, tentar transmitir tais imagens ao cérebro do médium de que me valho neste instante, pois em seus arquivos mnemônicos, aos quais recorro, não existe nenhuma possibilidade imaginativa a respeito... Os efeitos especiais dos filmes de ficção científica lembram, palidamente, o que estava acontecendo diante dos meus olhos maravilhados...  

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