Capítulo 35

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Quando André Luiz apareceu para nos conduzir à Estação de Embarque, Odilon e eu já o aguardávamos, olhando, pela vidraça da janela, a intensa movimentação dos que acordavam cedo em "Nosso Lar".

- Em quase tudo — pensava comigo — semelhante à vida em uma grande cidade... Quais serão, aqui, os objetivos das pessoas? Sim, porqüanto a morte não nos priva, de improviso, dos objetivos da pessoa comum... Para onde caminham? Quais as suas ocupações? O que pensam da vida que deixaram lá embaixo?...

Por incrível que parecesse, muitos daqueles com os quais eujá havia me relacionado não ligavam a mínima importância ao que se passava na Terra; não lhes interessava sequer a sorte dos próprios familiares...

- Para que me preocupar — perguntou-me um deles —, se fatalmente acabaremos por nos encontrar; a morte não existe — eis o essencial, o resto é conseqüência da Vida...

Observando toda aquela agitação na cidade que despertava, lembrei-me de um dos filmes de Flash Gordon que eu fora ver no cinema, há 65 anos, no qual uma ficção aperfeiçoada se tornara realidade; os carros planavam no ar e os prédios mais me pareciam torres iluminadas, com os elevadores correndo na sua parte exterior... Eu não percebia mendigos nas ruas, mas os transeuntes, alguns deles, evidenciavam problemas psicológicos, pois que caminhavam robotizados, ou seja, faltava-lhes algo de mais humano no semblante... Com sinceridade, se a população de "Nosso Lar" fosse toda daquele jeito, eu preferiria conviver somente com os homens na Terra...

As minhas reflexões foram interrompidas com a chegada de André, que nos cumprimentou com descontração.

- Como é, dormiram bem? Espero que não tenham estranhado as nossas acomodações — disse, fixando em mim os olhos claros e lúcidos. Enquanto estava a caminho, eu vinha acompanhando o pensamento do nosso Dr. Inácio... Durante um bom tempo, eu também achei tudo muito diferente por aqui; inclusive, o Umbral, onde estive durante uns oito anos, me parecia mais humano... Aos poucos, porém, me habituei e, hoje, quando devo ir à Terra, confesso-lhes que, para mim, os nossos irmãos encarnados ainda vivem de maneira primitiva; obra fantástica da evolução, o corpo físico me parece agora excessivamente animalizado, com todas as suas necessidades... Determinados órgãos que ainda continuam a existir em nosso perispírito, não têm função alguma além da morte — reativam-se tão-somente quando nos lançamos a uma nova experiência física... Mas não podemos nos atrasar: dentro de duas horas, o vôo de que ambos participarão à Próxima Dimensão terá o seu início. Conversaremos a caminho.

De certa forma, o silêncio de Odilon me incomodava e, então, eu lhe perguntei:

— Por que, Odilon, de hábito tão falante, você permanece em silêncio?

- Ora, Inácio — brincou o companheiro —, eu bem que tenho tentado dizer alguma coisa, mas você não me dá tempo!

Pela primeira vez, vi um espírito, considerado Mentor, dar uma gostosa gargalhada.

— Havia muito que eu não ria deste jeito — explicou-se André, descontraído. — Você precisa vir mais vezes por aqui, Doutor; o seu refinado senso de humor nos faz falta...

— Você quer dizer a minha turrice, não é?...

— O nosso Dr. Inácio — aparteou Odilon — é um dos espíritos mais autênticos que conheço...

— Agora, não me elogie, Odilon; depois da vergonha que você me passou, não me elogie...

Prosseguindo a sorrir de nossas brincadeiras, André Luiz nos falou:

— Vejam, a Plataforma de Lançamento; a nave espacial já está a postos...

- Eu imaginei que ela fosse maior — objetei.

— Doutor, em comparação com as nossas, as naves espaciais da NASA são foguetes arcaicos e obsoletos... Veja bem, não se trata de crítica, mas de simples constatação. A Astronáutica na Terra é uma ciência que tem avançado rapidamente, no entanto muito ainda lhe compete progredir; dentro de, aproximadamente, 20, 30 anos, se a Humanidade não mergulhar numa guerra de extermínio, as conquistas serão fantásticas...

O veículo que nos conduzia estacionou a certa distância e dirigimo-nos para um módulo que me parecia constituído de material semelhante ao vidro, tal a sua leveza e transparência. André, que tinha acesso a todos os setores da cidade, sem que se fizesse anunciar, menos no Palácio da Governadoria, foi nos guiando por um extenso corredor, que, automaticamente, ia lhe descerrando as portas, até nos levar à presença do Chefe da Estação.

- Olá — saudou-nos, assim que nos viu. — Espero que se sintam a vontade. André nos forneceu as suas credenciais e estamos muito felizes por recebê-los. Periodicamente, temos empreendido excursões de estudo e de reconhecimento à Dimensão Vizinha, que chamamos de DVI. Não se assustem com números e siglas; isto éapenas para facilitar. Vocês serão acompanhados por um estagiário que está se preparando para ser piloto e pelo comandante Nielsen. A nave em que embarcarão será aquela: "Capitão Nebo"...

Apertando um botão no colorido painel, uma ampla janela de duas folhas se abriu e pudemos ver a "Capitão Nebo" mais de perto, cujo comprimento não excede ao de um carro confortável; por ser semitransparente, podíamos vê-la por dentro, reparando no seu mecanismo simples...

— Os nossos cientistas — explicou-nos o Dr. Dawson — já conseguiram eliminar grande número de peças; as nossas naves são imantadas por um campo de força que não lhes permite fugir à rota traçada. É como se um ímã a mantivesse interligada à Plataforma de Lançamento e à Estação de destino... Isto facilita sobremodo, pois o risco de pane é menor.

— Pane?... — indaguei, perplexo.

- Sim, por que não? — respondeu o Dr. Dawson. No "Sistema", só Deus está isento de pane, o senhor concorda?

— Deus e Jesus Cristo — respondi.

— Os que comungam com a Mente Divina são divinos e, portanto, dá na mesma...

Percebi que o Dr. Dawson era extremamente prático no raciocinar e não tinha escrúpulo de caráter teológico ou doutrinário.

Nielsen e seu pupilo, o Aspirante Yuri! ... — apresentou-nos o Dr. Dawson aos nossos dois companheiros de vôo, que, trajados a caráter, terminavam de entrar.

— Dentro de 30 minutos zarparemos, a nau já está devidamente preparada e convém que os nossos dois tripulantes se vistam adequadamente — esclareceu o simpático Nielsen, ao nos dar as boas-vindas.

Entrando numa pequena cabine, eu e Odilon nos despimos e envergamos uma espécie de macacão todo dourado, equipado com câmeras, microfones e fones de ouvidos.

— Para que todo este aparato? — perguntei a Yuri, que nos acompanhara.

- Para melhor nos comunicarmos entre nós — respondeu. — Na DVI, em algumas áreas, poderemos ficar completamente sem retorno...

— Sem retorno do quê? — insisti.

— Do pensamento... Na DVI, à semelhança do som que não se propaga em determinado meio ou, então, se propaga com maior lentidão, carecemos de recorrer a...

— Microfones e fones de ouvidos?... Positivo! ... O pensamento, que é constituído de

ondas eletromagnéticas, se perde sem eco e a comunicação se faz impossível...

— Isto é demais para a minha cabeça de psiquiatra — comentei, enquanto ajustava os echos da roupa que nos colocara no corpo espiritual.

— Sem dúvida, que é — respondeu o Aspirante, laconicamente.

Na Proxima DimensãoOnde histórias criam vida. Descubra agora