Capítulo 28

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Terminando de percorrer o pavilhão, em que os nossos futuros medianeiros na carne puderam constatar o devotamento com que uma legião de irmãos dedicados aos serviços de enfermagem tratavam os doentes —coisa rara de se ver, diga-se de passagem, nos nosocômios da Terra —, fomos ao pavimento superior, imediato àquele que diz respeito à administração.

O assunto dominante, entre outros, era o do desenlace de Chico Xavier. Um dos tutelados de Odilon Fernandes, de nome Daniel, sentindo-se mais à vontade, comentou, enquanto subíamos:

— Eu conheci Chico; fui um dos muitos que escreveram por ele... Desencantei num acidente automobilístico. Os meus pais, apesar de serem espíritas, embora não militantes, estavam desesperados... O meu avô providenciou o contato e a experiência foi tão marcante para mim, que decidi ser médium...

- Decidiu ser médium? — perguntei, procurando deixá-lo mais à vontade.

— É, passei a me interessar... Desde criança, eu sentia a presença dos espíritos à minha volta, mas a minha cabeça estava voltada para outros interesses — o senhor sabe, namorada, essas coisas...

— Tempos bons, meu filho... Eu também os tive —endossei, sorridente. — Só que, no meu tempo e no de Odilon, era muito diferente, não é, Professor?...

— No seu, Inácio, mais do que no meu ainda —retrucou o Instrutor, que se fazia admirado e querido de toda a turma.

— Cheguei a freqüentar a mocidade espírita e, quando via Chico Xavier em ação, psicografando na televisão, por exemplo, eu entrava em êxtase; mal podia imaginar que, um dia, eu estaria fazendo o mesmo por intermédio dele... Certa noite, quando eu e dois colegas voltávamos de uma festa, perdemos o controle do veículo e...

— Chico fez escola dos Dois Lados da Vida—acrescentei. — O trabalho da Espiritualidade Superior através dele está muito longe de ser avaliado, em todas as suas conseqüências positivas... Como você, Daniel, garanto que dezenas e dezenas de espíritos se sentiram motivados a cultivar os seus dons...

— O nosso Dr. Inácio Ferreira têm razão — acentuou Odilon. — Com o advento de Chico Xavier, as matrículas no Liceu aumentaram significativamente... Antes, era dificil que alguém, principalmente sendo jovem, se interessasse por mediunidade. As nossas expectativas, para o futuro, são as melhores. Estamos abrindo novas turmas e estamos otimistas. A repercussão do trabalho dele cria, nos nossos irmãos encarnados, condições propícias, tanto do ponto de vista espiritual quanto genético, para que a mediunidade amplie o seu campo...

- Como assim? — indagou Daniel, ansioso por maiores esclarecimentos.

— A vida missionária do médium de Emmanuel foi tão irrepreensível, que quase todos experimentamos um desejo inconsciente de imitá-lo...

— É mesmo — quase todos repetiram, em uníssono.

— É natural que seja assim, pois, afinal de contas, quem é que não anseia por triunfar sobre si, alcançando independência sobre a Lei do Carma? Que pais não gostariam hoje — e vamos frisar este hoje — de ter um filho como Chico Xavier?...

- Principalmente, copiando-lhe a bondade, não é, Odilon? — questionei em tom afirmativo.

- Temos enfatizado este aspecto, Inácio, pois a faculdade mediúnica, por mais portentosa, que não aprimora o médium e nem coopera no aprimoramento dos circunstantes não passa de árvore sem frutos...

— De figueira seca — emendei.

- O objetivo da Vida é o amor; tudo que se aprende a fazer, se aprende com a finalidade de saber amar; tudo que se pode conhecer, se conhece para colocar o amor em prática... Como nos diz Paulo, em sua carta aos Coríntios, ao fim de tudo, só o amor permanece. A mediunidade que não melhora o médium como ser humano é obsoleta...

— Quer dizer, então — fiz questão de indagar —, que é preferível ser bom a ser médium?

- Sem nenhuma sombra de dúvida — respondeu-me o Mentor, consciente de que reafirmava importantes lições aos aprendizes, os quais não lhe perdiam uma única palavra. Se Chico Xavier não fosse um medium bom, ele não seria um bom médium...

Quase sem ver, atingimos o primeiro pavimento do Hospital, onde quase mil medianeiros se encontravam, e ainda se encontram, em franca recuperação. Confesso-lhes que, na condição de médico, o mais difícil para mim continua sendo convencer essa gente a ocupar-se de alguma coisa... A ociosidade é também um mal na Vida além da morte! Poucos os que se convencem da necessidade de se reconstruírem interiormente, utilizando as mãos!... Sem plasmar o que pensa de positivo, o homem não se educa. A idéia que, de algum modo, não se materializa, não fixa valores no espírito.

Aproximando-me de um dos nossos internos, exatamente um daqueles que, de braços cruzados, permanecia na expectativa de que a graça divina o alcançasse, falei sem meias palavras:

— Como é, Adelino, quando é que você vai se resolver? Eu já lhe disse que a sua mais rápida recuperação depende de seu esforço... Faça alguma coisa, homem! ... A rigor, você poderia estar de alta, mas... Saia desse quarto, visite a biblioteca, tome a iniciativa de ler um livro...

— Ah! Doutor — respondeu-me —, eu ando muito deprimido; de fato, tenho me sentido melhor, no entanto sei que sou frágil e voltarei a cair... Não adianta. Creio que Deus nos fez de têmperas diferentes. Noto que, com extrema facilidade, albergo pensamentos negativos... Enquanto estou aqui, estou bem, mas, se eu colocar os pés para fora do Hospital...

Adelino era um grande doutrinador ou, por outra, havia sido na Terra um orador de qualidade, dotado de excelente memória e primorosa técnica expositiva; infelizmente, como tantos outros, falara tão-somente com os lábios, não se esmerando em vivenciar aquilo que pregava...

— Meu irmão — repetia, tentando encorajá-lo —, todos somos assim... Não exija santidade de você, porém, por outro lado, não se renda, de vez, às inclinações negativas. Ao vício que detecta na sua personalidade, contraponha a virtude capaz de anulá-lo; é assim que devemos proceder... Não continue tão-somente no âmbito das palavras; se você aplicar a si mesmo parte do que já sabe, as coisas começarão a mudar... Em cima dessa cama, a cismar sobre o passado, o futuro não chega. Aproveite os seus conhecimentos e converse com os companheiros; colabore conosco... É procurando dar aos outros o que, muitas vezes, não temos sequer para consumo próprio, que a Vida providencia o que nos esteja faltando.

— Quem são estes jovens, Doutor? — questionou-me, apontando os discípulos de Odilon.

— Candidatos ao serviço mediúnico na Terra —expliquei —; estagiários do Liceu que, dentro em breve, estarão se engajando na causa do Espiritismo...

— Tomara que tenham um destino diferente do meu; no começo, eu era idealista como vocês — disse-lhes —, mas, aos poucos a vaidade foi me dominando... Nada pior para arrasar com um médium do que o elogio e o aplauso; e, infelizmente, é o que queremos o tempo todo...

— Desculpe-me, Sr. Adelino — aparteou Timóteo, um dos componentes do grupo —, eu não posso concordar com o que diz; pretendo ser médium da palavra e...

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