Capítulo 18

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— Nem Chico desencarnou e diversas especulações começaram, não é, Odilon? — indagou Zeca, interessado em ouvir a palavra do Benfeitor. — Quem será o seu sucessor; como há de ficar o trabalho espírita sem ele; quando o Chico irá se comunicar...

— De modo geral — opinei —, a comunidade espírita estuda pouco e, portanto, ainda não alcançou a maturidade desejada; com facilidade, deixa-se influenciar pelas notícias da imprensa sensacionalista, ávida por vender revistas e jornais...

— Mas a tarefa não há de ser interrompida?... — questionou Paulino.

— É claro que não — respondeu Odilon —; a obra, na qual nos encontramos engajados, pertence ao Cristo... Por muita falta que Chico nos irá fazer e com todo o respeito que nos merece e sempre nos merecerá, ele não é insubstituível — aliás, nenhum trabalhador da Seara é insubstituível. É certo que não teremos outro Chico Xavier, mas, doravante, cada médium será chamado a maiores responsabilidades...

— Ele costumava nos dizer que foi preciso que saísse de Pedro Leopoldo, para que novos médiuns aparecessem — aparteou Zeca.

- É porque — considerou Odilon —, com uma ou outra exceção, os médiuns abdicavam de ser o que eram, com o propósito de ser o Chico... Ora, isto é um contra-senso. Ele deve ser imitado por nós outros em seus exemplos de renúncia, de solidariedade, de disciplina, mas não no seu modo de ser na condição de médium; cada espírito com as suas características e com o estilo que lhe é próprio... Por exemplo, Chico, atuando mediunicamente, se consagrou como psicógrafo; outro poderá se projetar no exercício da faculdade psicofônica ou no campo da cura. As possibilidades de servir e de cooperar com Jesus na construção do Mundo Melhor são infinitas.

Muitos medianeiros, porque passam a ser cópias daqueles que lhes provocam admiração, acabam se anulando... Chico não é insubstituível, mas não terá sucessor!... Deste Outro Lado, diversos companheiros de ideal estão a especular: quem dará seqüência a obra de Emmanuel?

Quem fará o trabalho de André Luiz? Que cronista tomará o lugar de Humberto de Campos?...

— Compreendo, Odilon, o que você está querendo dizer — falei de experiência própria.

— Infelizmente, porque acreditava que fosse eterno no cargo, não preparei ninguém para me substituir na direção do Sanatório; este é o erro que, hoje, eu mais lamento... Tornei-me um velho excessivamente ciumento das minhas coisas; reconheço que me faltou a grandeza do desapego...

Eu olhava os médicos novos que apareciam para trabalhar no hospital e, de certa maneira, procurava cerceálos; em meu íntimo pensava: "Está querendo sentar-se na minha cadeira, não é?

Aqui quem manda sou eu... Só passando por cima do meu cadáver..." E passaram!...

Os amigos sorriram e eu continuei:

- Creio que todo aquele que tenha sido, temporariamente, chamado a dirigir uma instituição espírita deve pensar na transitoriedade do cargo que ocupa; por culpa minha também, o Sanatório Espírita de Uberaba vem enfrentando crises sucessivas; eu não dei espaço e não preparei os jovens valores... Neste sentido, inclusive, já estive, diversas vezes, com o Adroaldo Modesto Gil, pedindo-lhe desculpas; ele me perdoou, mas eu ainda não estou bem com a consciência... O Adroaldo era um médico idealista e espírita convicto.

— Inácio, o problema é que você via nele uma espécie de anjo anunciador de sua morte, ou melhor, de sua desencarnação — acertou Odilon em cheio, numa das raras vezes em que eu o percebi indo direto ao âmago da questão.

— Exatamente, sou obrigado a concordar com você — redargüi sem a intenção de fugir à verdade —; infelizmente, ainda não conseguimos deixar de ser o que somos... Se eu o tivesse apoiado em suas iniciativas de reformar estruturalmente o Sanatório, o hospital não se encontraria na situação precária em que se encontra: um navio à deriva com muitos náufragos e poucos interessados em salvá-lo do naufrágio...

- Inácio, os seus méritos foram e são inegáveis — confortou-me o Benfeitor —; em parte, você também tinha medo de que alguém viesse a desvirtuar a obra...

— E eu mesmo abri as portas para que tal acontecesse; eu deveria ter saído de cena um pouco mais cedo e, agora, aos meus ouvidos, ecoaria tão-somente o ruido das palmas de aprovação... É loucura a idéia de que somos imprescindíveis — necessários sim, imprescindíveis não.

— Voltemos, no entanto, ao assunto que presentemente nos preocupa. O que você acha, Inácio: o nosso Chico se comunicará logo com os nossos irmãos encarnados?

— De minha parte, não acredito; choverão comunicações atribuidas a ele, mas, com certeza, não serão de sua autoria... Médiuns e espíritos insensatos enxameiam em todos os lugares.

Talvez, mais tarde, ele possa dar o ar de sua graça, através de um comunicado mediúnico, mas, por enquanto... Da forma com que foi conduzido às Alturas, tenho a impressão de que o Chico não descerá tão facilmente. Porém sei que já existem médiuns intencionados em se promover às suas custas... E o pior é que muita gente irá engolir...

— O tema, evidentemente, demanda outras abordagens — ponderou Odilon. De fato, eu também não creio que o nosso Chico entre diretamente em contato com os médiuns, pelo menos não tão cedo, mas o seu pensamento, que continua a se irradiar, será captado diferentemente por diversos medianeiros...

— Como assim? — indagou Paulino.

— Quando o espírito não vai ao médium, o medium vai ao espírito...

— Por favor, Odilon, explique-se melhor — solicitei.

— O problema é delicado, mas existe. Na ânsia de obter contato com determinada entidade, o médium provoca a sintonia, apropriando-se do seu pensamento, à semelhança do homem que, utilizando determinada combinação de espelhos, se apropria da energia solar...

— Mas aí não é o espírito...

— Não é e não deixa de ser.

— A identificação torna-se impossível...

— Sem dúvida, é dificultada. Em mediunidade, Inácio, também precisamos levar em consideração o problema da sintonia direta e indireta. Na sintonia direta, temos o fenômeno genuíno; na indireta, a participação do médium sobrepôe-se à do espírito que está sendo trazido à baila...

— Quer dizer que o espírito não vem; ele é trazido?...

- Sim e não — respondeu o Instrutor.

— Eu não estou entendendo; clareie um pouco mais...

— Tentarei, O espírito que deixa o corpo, como o nosso Chico por exemplo, por mais que, do ponto de vista dimensional, se afaste da comunidade terrestre, continua se sentindo responsável por ela, pois, afinal de contas, ele fez por onde ser permanentemente evocado... A morte não interrompe o compromisso. Assim, mesmo quando não possa comparecer ele mesmo — não possa ou não convenha — junto a determinado medianeiro, o seu pensamento se irradia e é interpretado pelo sensitivo que, na maioria das vezes, julga estar em contato direto com a fonte...

Tomemos um exemplo: o fruto que se apanha e que se come no pomar tem um sabor diferente daquele que é colhido e transportado a longas distâncias, até que se tenha à mesa: a sua espécie não se altera, mas a qualidade é outra...

— Mas — insisti — por que não simplificar? Por que o próprio Chico não vem e... pronto?...

- Geraria, como há de gerar, uma polêmica infindável, sem nos referirmos, é claro, à ciumeira, induzindo os espíritas a quase se atracarem uns com os outros...

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