Capítulo 6

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O diálogo prosseguia interessante e me despertava a curiosidade, ante as abordagens efetuadas por Odilon, o companheiro que, por assim dizer, se especializara no serviço do intercâmbio com os homens, trabalhando exaustivamente pela fé espírita. Nosso irmão não poupava esforços no sentido de divulgar a crença na imortalidade e entendia que os médiuns eram chamados a cumprir relevante papel, no combate ao materialismo.

— Dr. Inácio — indagou-me Paulino —, além de médico na Terra, o senhor exercia a mediunidade?

— Na acepção da palavra, não — respondi —, mas em seu significado profundo, sim. Hoje percebo que convivia com os espíritos freqüentemente e, de maneira inconsciente, conversava com eles o tempo todo. Além do contato que me era possível manter, ostensivamente, com o Mundo Espiritual, através da faculdade mediúnica de Maria Modesto Cravo, a nossa Modesta, os doentes com os quais lidava no Sanatório eram intérpretes em potencial dos desencarnados — para mim, às vezes era difícil saber com quem estava verdadeiramente conversando, se com o obsidiado ou se com o obsessor. Em minha casa, quando me encontrava à sós, entregue às minhas reflexões, procurando inspiração para os meus escritos, embora não pudesse identificá-las, devido, digamos, ao meu couro grosso, eu registrava a benéfica presença de diversas entidades que me rodeavam...

Os espíritos sempre andaram comigo e, se assim não tivesse sido, é possível que eu não tivesse levado até ao fim a árdua tarefa que fui chamado a desempenhar; os ataques, as perseguições e as tramas urdidas contra as nossas atividades eram muito grandes. Por mais de uma vez, segundo pude constatar posteriormente, a minha morte chegou a ser cogitada pelos adversários da Doutrina... De modo que, médium, ao meu ver, não é só aquele que se encontra no exercício mais ou menos ostensivo de suas faculdades. Concorda, Odilon?

— Claro, Inácio — respondeu sem evasivas o Orientador—, aliás, em matéria de mediunidade, a sintonia natural é aquela que se deseja, sem que o médium tenha, necessariamente, de "perder" a lucidez; o transe mediúnico pode ocorrer de maneira quase imperceptível, sem necessidade de que o médium sofra alterações físicas de vulto, evidenciando o fenômeno...

Músicos, escritores, atores no ato de representar, pintores, enfim, todos aqueles que, principalmente, procuram o cultivo de sensibilidade, são médiuns em potencial, porqüanto, estejam no corpo ou fora dele, os que têm aspirações em comum se atraem; em mediunidade, também é válido o aforisma de que "semelhante atrai semelhante"...

Aparteando, Paulino questionou-me:

— Diante do exposto, o senhor não acha, Dr. Odilon, muito dificil que as inteligências que se opõem à emancipação espiritual encarnada colimem os seus objetivos, no que tange ao bloqueio das comunicações?

- Sem dúvida, Paulino — esclareceu o interpelado —, no entanto há de se fazer uma ressalva. Presentemente, a mediunidade que constrói os valores do espírito e enfatiza as lições do Evangelho é a de que o Espiritismo nos ensina o cultivo. Na Doutrina, temos um movimento organizado e inteligente das Falanges Superiores que, em nome do Cristo, objetivam o despertar da criatura encarnada; a mediunidade não vale só por si, pois, neste sentido, desde épocas imemoriais, os homens têm se colocado em contato com os habitantes do Invisível... Através dos canais espíritas, estabelecidos por Allan Kardec, sob as diretrizes do Espírito Verdade, éque a mediunidade passou a servir à edificação espiritual da Humanidade como um todo; antes que o Espiritismo estabelecesse determinados parâmetros para o intercâmbio dos vivos com os mortos, a mediunidade não passava de mero instrumento de curiosidade que se vulgariza... E isto, Paulino, que incomoda os espíritos que não desejam se expor às Leis que regem os princípios da evolução para o mundo íntimo; na verdade, os espíritos que pelejam contra a Doutrina estão defendendo a própria posição, de vez que não querem se submeter à Reencarnação e ao Carma, como se lhes fosse possível escapar, indefinidamente, das Leis que o Criador instituiu para todas as criaturas..

- Eu ainda não havia pensado nisto... — comentou, reticente, o jovem amigo.

- O Espiritismo — continuou Odilon — representa, na atualidade, o Cristianismo puro; à medida em que um maior número adere a ele, os espíritos recalcitrantes vão se sentindo forçados a se afastar da psicosfera do Planeta e, através desse distanciamento, caem nas malhas gravitacionais de outros orbes ou de outras dimensões extra-físicas, tornando-se então realidade para eles o chamado "expurgo planetário"; sem receptividade mental, os espíritos afeitos às sombras não sustentarão a sua necessidade de escuridão, ou seja: iluminando a mente humana, o Espiritismo desfaz a sintonia que as trevas mantêm com o seu hospedeiro, que é o médium não-consciente de suas responsabilidades e deveres.

— Então — questionou Manoel Roberto, tão impressionado quanto eu com o que ouvíamos —, deveremos esperar ataques sempre mais acirrados contra as trincheiras do Movimento?...

É evidente, Manoel — esclareceu o devotado amigo —; os espíritos indiferentes aos propósitos do Senhor farão de tudo para desestabilizar o Movimento e comprometer a Doutrina...

E qual o seu alvo de eleição? Preferencialmente os médiuns, que são os espíritas de uma vida mais pública e estão sob a mira das lentes da opinião pública; além de tentar envolvê-los moralmente em delicadas situações, ocasionando escândalos para o enfraquecimento da fé, haverão de tentar manipular-lhes a vaidade e o personalismo, sabedores de que os médiuns nada mais são do que seres humanos que, por vezes, parecem se esquecer dessa sua condição.

— E por que, Dr. Odilon — tornou Paulíno a interrogar —, o Plano Espiritual não desce à Terra de vez?...

— Compreendo, Paulino, o alcance de sua colocação, mas não podemos nos esquecer de que, pelo menos duas vezes, no sentido coletivo semelhante medida já foi tomada — a primeira, quando da festa de Pentecostes, em que, de acordo com as narrativas, "todos ficaram cheios do Espírito Santo e passaram a falar em certas línguas, segundo o Espírito lhes concedia que falassem" e cerca de três mil pessoas se converteram de uma só vez; a segunda, quando do chamado fenômeno das "mesas girantes", que antecederam a Codificação... Se a terra não está preparada, é inútil lançar-se-lhe a semente. Reparemos na cura efetuada por Jesus em dez leprosos, de uma só vez: apenas um deles, após ter se mostrado ao sacerdote, voltou para agradecer — agradeceu, mas o Evangelho não diz que ele tenha se tornado adepto...

— O mesmo acontecia no Sanatório — acrescentei com conhecimento de causa.

Raríssimos daqueles que se tratavam conosco e alcançavam a graça da cura de suas obsessões, admitiam, depois, o beneficio que o Espiritismo lhes havia prestado; no caso dos dez leprosos, o reconhecimento foi de um décimo, mas dos internos do Sanatório a percentagem era quase inexpressiva: a maioria, inclusive, chegava a esconder que estivera sob tratamento num hospital espírita; as famílias mais abastadas e, conseqüentemente, mais preconceituosas, quando iam levar um doente para ser internado chegavam a nos fornecer dele uma identidade falsa... A Humanidade sempre foi hipócrita! — sentenciei com um muxoxo.

Sorrindo do meu jeito de ser, Odilon observou:

— Inácio, meu bom amigo, a Humanidade somos nós!...

— Infelizmente — concluí, convidando Odilon e Paulino para que nos acompanhassem, a mim e a Manoel Roberto, na visita inadiável que necessitávamos de fazer a um dos nossos pacientes que estava em crise.

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