Treinta

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Tinha passado uma semana desde a última vez em que tinha estado ou visto o Enzo. Ainda era muito difícil, ainda por cima porque ele fazia de tudo para falar comigo e explicar-se ou pedir desculpa, nunca saberia qual delas seria porque tinha passado a semana a fugir de qualquer contacto ou proximidade com ele.
Custava imenso fazer isto e estar longe dele; tanto tempo a ignorar os meus sentimentos pelo Enzo e a fingir que não se tratava de nada de especial para depois, quando finalmente tinha ganho coragem para admitir o que sentia por ele, as coisas acabarem demasiado depressa. Sabia que a explicação que lhe tinha dado não era suficiente e que já o tinha visto a ser agressivo pelo menos em duas outras ocasiões, quando o tinha acompanhado às lutas mas nunca o tinha visto daquela maneira, literalmente pronto para matar o Martin. As recordações do meu passado tinham-me preenchido o cérebro e a única coisa em que conseguia pensar é que não queria voltar a passar por tudo novamente, mesmo que o Enzo não fosse o Theo nada me garantia que também ele não se revelasse mais tarde.
- Tens a certeza que não queres vir? – levantei o olhar do livro que estava a fingir ler enquanto a Meg se acabava de arranjar para ir ter com o Santiago – O Enzo está sempre a perguntar por ti...
Voltei a afastar o olhar, suspirando à menção daquele nome – Sim, absoluta. – respondi tentando concentrar-me nas palavras e frases que estavam mesmo em frente aos meus olhos mas que naquele momento não me fazia qualquer sentido – Vou dar uma volta e tenho de ir à embaixada. – levantei uma vez mais o olhar para a minha prima quando senti o seu olhar fixo em mim – O que foi?
- Eu sei porque é que acabaste com ele mas... o Enzo estava a defender-te e eu sei que ele se passou a sério com o Martin mas um erro não faz dele o Theo.
- Tu mais do que toda a gente devias perceber. – atirei o livro para cima da colcha da minha cama e levantei-me da mesma – Não quero falar do Enzo. – também não queria pensar nele mas isso era absolutamente impossível – Vemo-nos logo, está bem?
Despedi-me dela e deixei-me estar alguns minutos apenas sentada na ponta da cama, novamente com o Enzo no meu pensamento. Depois do ataque de fúria do Enzo, o Martin tinha sido levado para o hospital e apesar de ter passado algum tempo a avaliar todos os prós e contras e se devia ou não fazê-lo, tinha-o ido visitar para saber como é que estava. Não tinha parecido nada bem com a cara cheia de negras e inchada mas tinha ficado a saber que não tinha nenhum dano permanente e que não era nada que o tempo não curasse. Confesso que estava um pouco desconfiada e insegura com a minha visita e a nossa conversa depois de saber o que se tinha passado com a Julia, da nossa conversa e do facto de ter sido o meu namorado a fazer-lhe aquilo mas tínhamos acabado por falar, resolver as coisas e decidido a darmo-nos bem. Claro que não pensava em aproximar-me romanticamente dele, acho que mesmo que tentasse não conseguia afastar o Enzo da cabeça, e que mesmo a nossa amizade estava um pouco tremida depois do que se tinha passado mas estávamos lentamente a resolver as coisas.
E era exatamente isso que tornava toda a situação pior; tinha conseguido resolver as coisas com o Martin mas nem sequer deixava o Enzo tentar resolver a situação.
Saí finalmente do pequeno quarto e fui afastando-me da universidade sem qualquer plano, limitando-me a caminhar pelas ruas atulhadas de espanhóis e turistas. Estava tão distraída nos meus pensamentos que fui caminhando sem prestar atenção ao que se passava à minha volta.
Juntei as sobrancelhas e olhei por cima do meu ombro quando tive a sensação que havia alguém atrás de mim mas a rua onde me encontrava estava com tanta gente que só podiam ser os meus pensamentos a pregar-me partidas. Tinha de parar de pensar no passado e deixar de ter medo, os meus objetivos ao mudar-me para Espanha.
Continuei a caminhar, agora ligeiramente mais atenta ao que me rodeava apesar de tentar afastar aquela mania da perseguição que me estava a assolar mas quando o meu olhar parou numa pessoa a alguns metros do sítio onde me encontrava, senti que o chão se abria mesmo por baixo dos meus pés. A cara estava tapada graças ao capuz do casaco que estava bastante puxado para a frente mas a constituição física fazia adivinhar que se tratava de alguém do sexo masculino. Mais uma vez podia estar apenas a ser assolada pela minha mania mas a estatura demasiado alta fez com que o meu coração saltasse imediatamente uma batida.
Forcei os meus pés a mexer e o meu cérebro a trabalhar enquanto avançava rapidamente em direção à embaixada que já não ficava muito longe do sítio onde me encontrava, mantendo-me sempre em ruas cheias de movimento e perto de estabelecimentos públicos para o caso de precisar mesmo de ajuda. Estava prestes a chegar ao meu destino quando me pareceu que o homem do capuz tinha desaparecido e que podia finalmente acalmar a minha imaginação demasiado fértil quando o meu olhar parou no vidro de uma loja de roupa que reflectiu, mais uma vez a poucos metros de mim, aquele homem.
Só parei para respirar fundo quando cheguei finalmente à embaixada e só aí é que me consegui sentir segura. Claro que podia tratar-se apenas de uma coincidência bastante grande mas no meu cérebro já passavam todas as opções possíveis: podia ser um segurança do meu pai, podia ser alguém que me queria usar para fazer mal ou meu pai ou podia ser o Theo. Que parvoíce, como é que o Theo saberia que eu estava ali?
- Olá menina Skylar! – esforcei-me ao máximo por afastar todos aquele pensamentos antes que a Jacinta conseguisse ler o que se passava na minha cabeça e forcei-me por sorrir – Já não a via há tanto tempo. O seu pai está em reunião e a sua irmã está com a mãe na aula de ballet. Precisa que lhe traga alguma coisa?
Abanei a cabeça e dei um beijo na bochecha da governanta – Não preciso de nada. Depois podes dizer ao meu pai que estou no escritório dele?
Despedi-me alto da senhora com uma certa idade assim que ela se afastou de mim com a sua enorme rapidez para ir tratar de tudo o que era necessário naquele enorme edifício e caminhei até ao escritório do meu pai. Era um espaço bastante agradável e apesar das suas diferenças bastante visíveis, fazia-me lembrar o escritório do meu pai nos EUA, onde eu me refugiava sempre que não queria estar sozinha e sentir como se estivesse com os meus pais perto de mim.
Sentei-me na cadeira de pele e recostei-me na mesma enquanto ligava o portátil que se encontrava em cima da mesa. O meu objetivo era distrair-me com um jogo ou algo do género, de forma a afastar todos os meus pensamentos e a luta interna que estava a ter neste momento, sem saber se deveria ou não contar ao meu pai o episódio que tinha acontecido no meu caminho até ali mas fiquei de olhar fixo no ecrã do aparelho quando sem saber muito bem como encontrei uma pasta com o nome da minha mãe.
Mexi o rato a medo e cliquei na pasta enquanto ouvia o meu coração a bater-me nos ouvidos; senti as lágrimas picarem-me os olhos mal o meu olhar parou em várias fotografias antigas, umas apenas da minha mãe, umas dos meus pais juntos e algumas onde eu também aparecia. Fui passando as fotografias, sentindo-me cada vez mais nostálgica à medida que ia vendo tudo aquilo, a maioria das quais eu nunca tinha visto na minha vida, mas foi quando parei na digitalização de um documento que o meu coração me pareceu ter sido arrancado do peito.
- Sky! A Jacinta disse que estavas aqui. – levantei o olhar do ecrã para a porta depois da mesma ser aberta e o meu pai entrar no escritório. O seu sorriso entusiasmado desapareceu assim que viu a minha expressão – O que é que aconteceu?
- Disseste-me que tinhas vendido a vossa casa. Disseste que a tinhas vendido para pagar os meus estudos mas afinal passaste-a para o meu nome? Porque é que mentiste? Porque é que nunca me disseste? E as fotografias todas! Durante estes anos tenho feito um esforço enorme para me recordar da minha própria mãe e tens vivido como se ela não tivesse existido.
- Sky-
- Não! – levantei-me da cadeira e dei a volta à secretária, aproximando-me finalmente dele. Sentia as lágrimas a escorrer-me pelas bochechas mas nem me dei ao trabalho de as limpar, sabendo que haveriam logo outras a substituir aquelas – É a minha mãe! Não tinhas o direito!
- Fiz isto para te proteger. A casa está em teu nome caso algum dia precises dela ou precises do dinheiro dela mas menti-te para te proteger. A tua mãe morreu e temos de seguir em frente.
- Para seguir em frente é preciso deixar o passado para trás. E tu podes ter-te despachado a seguir em frente e arranjado logo uma mulher e uma filha nova mas eu não consigo esquecer a minha mãe de um dia para o outro.
- Estás a ser injusta. Eu nunca esqueci a tua mãe e sabes perfeitamente que a minha relação com a Kendra não foi de um dia para o outro. A Taylor é minha filha mas tu também és e eu amo-vos às duas por igual.
Abanei a cabeça, decidindo-me finalmente a limpar as lágrimas quando percebi que mais do que magoada estava verdadeiramente zangada – Quero as chaves da minha casa. – estiquei a mão na sua direção – Não podes tratar-me para sempre como uma boneca de porcelana e não podes controlar-me até ao resto da minha vida.
Durante uns poucos segundos o silêncio reinou durante aquele divisão enquanto eu e o meu pai nos olhávamos fixamente sem que nenhum dos dois desistisse. Quando ele se mexeu finalmente e caminhou em direção ao cofre que ali continha, soltei o ar que nem sabia ter estado a reter até àquele momento.
- Sky-
Tirei-lhe as chaves da mão e guardei-as automaticamente no bolso das calças – Não te preocupes, não vou sozinha. – atirei secamente antes de passar por ele e sair daquele espaço e da embaixada.
Apesar de ter os pensamentos completamente do avesso com aquilo que tinha descoberto, não deixei de me lembrar que possivelmente tinha estado a ser seguida e por isso mesmo saí novamente para as ruas de Madrid mas desta vez de carro. Conduzi sem destino mas assim que percebi onde tinha parado, encostei a cabeça ao volante e suspirei.
Estiquei a mão para o telemóvel que tinha atirado para cima do banco do pendura, e marquei o número que conhecia de cor desde os dez anos.
- Sky? Está tudo bem?
Mordi o meu lábio inferior com força enquanto pensava como é que deveria responder àquela pergunta. Se estava tudo bem? Não, não estava nada bem.
- Ele mentiu-me. Mentiu-me este tempo todo. – murmurei passando os meus dedos trémulos pelos olhos – O meu pai não vendeu a casa onde ele viveu com a minha mãe aqui em Espanha. E o pior de tudo foi ouvi-lo dizer que o fez pelo meu bem. Tenho estado todo este tempo a tentar lembrar-me dela e ele esteve a esconder tudo de mim.
- Sky...
- E... acho que ele está aqui... - engoli em seco ao proferir aquelas palavras em voz alta – Meg, acho que o Theo está aqui... - agora que tinha revelado o meu medo em voz alta era como se a situação se tivesse tornado muito mais real – Acho que alguém me andou a seguir durante a tarde e não consegui ver a cara mas parecia o Theo. E passei este tempo todo a dizer que era impossível ele saber que eu estava aqui mas não é assim tão difícil. Ele só precisava de saber que o meu pai veio para Espanha por causa do cargo dele para descobrir que eu também cá estou. Meg... acho mesmo que ele está aqui...
- Tiago, pára! Sky, tem calma. Onde estás? Eu vou ter contigo, diz-me onde estás.
- Estás a falar com a Sky?
Meti-me direita assim que ouvi aquela voz ser proferida do outro lado da linha. Por meros segundos o meu corpo pareceu ser atacado por uma vaga de segurança e de familiaridade ao ouvir a voz do Enzo depois de ter passado tanto tempo.
- Não lhe passes-
- Sky? O que é que aconteceu? Onde é que estás?
- Eu não- - murmurei sem saber o que dizer, sem saber o que dizer-lhe quando a minha vontade era simplesmente estar junto a ele – Estou à porta da tua casa.
- Sky? – quando ouvi novamente a voz da Megan ao telemóvel o meu olhar levantou-se imediatamente para a porta de casa dos Suarez que foi aberta com enorme rapidez e de onde surgiu o Enzo – O que é- onde é que ele foi?
Carreguei no vermelho e segui com o olhar enquanto o Enzo descia os degraus e caminhava em passos apressados até ao carro onde eu me encontrava trancada. Destranquei-o assim que o Enzo se aproximou do veículo e mal a porta foi aberta, atirei-me contra o peito dele, colocando os braços à volta do seu pescoço.
- Desculpa. Nunca te quis magoar. Tive tantas saudades tuas.
Encostei a cara ao pescoço do Enzo e deixei que as lágrimas escorressem livremente pelas minhas bochechas. Naquele momento havia tanto que lhe queria dizer que acabei por não conseguir dizer nada e limitei-me a seguir junto a ele assim que nos afastámos do carro e caminhámos em direção à casa dos Suarez.
- Sky. – abracei a Meg com força assim que o corpo dela foi ao encontro do meu e senti-me acalmar aos poucos apesar de todos os meus pensamentos estarem em completo desalinho ali e com eles sentia-me segura – Disseste ao teu pai? Sky, ele tem de saber. O teu pai tem de tentar perceber se é mesmo ele.
- Do que é que vocês estão a falar? - olhei por cima do meu ombro ao ouvir a voz do Enzo atrás de mim e olhei novamente para a minha prima, abanando a cabeça para tentar cala-la mas não consegui fazê-lo.
- A Sky acha que está a ser seguida.
- Meg. – murmurei tentando cala-la mas ela já tinha dito o suficiente para a expressão do Enzo se alterar e tornar-se mais carregada do que antes.
- Tens de lhe contar. E ao teu pai também. Ele vai saber o que fazer.
Voltei a abanar a cabeça – Não quero falar com o meu pai, eu vou ter cuidado mas por favor não fales com ele. – implorei antes de voltar a olhar para o Enzo que parecia novamente possuído por uma fúria assassina – Não te preocupes, está bem? Não é nada. – não sabia se estava a tentar acalma-lo a ele ou a mim mas fosse qual fosse a opção, sabia que nenhuma estava a ter o efeito suposto – É o meu ex, acho que ele está cá mas isso não quer dizer nada.
- Vamos ter tempo para falar disso. – suspirei e fechei os olhos assim que voltei a ter o meu corpo contra o do Enzo, toda aquela proximidade e familiaridade a acalmar-me com grande rapidez – Agora precisas de te acalmar e eu preciso de estar contigo. Tive tantas saudades tuas. – murmurou ele contra o alto da minha cabeça.
- Eu continuo a achar que devíamos falar com o teu pai...
- Depois tratamos disso. – foi a última coisa que o Enzo disse à Meg antes de abandonarmos aquela divisão e subirmos as escadas para o andar superior onde ficavam os quartos.

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