Capítulo 04

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No dia seguinte, quando despertei, olhei para o lado na esperança de encontrar Simon deitado comigo, mas ele não estava. Na verdade, quando me encontrava em minha casa, esse era um privilégio que eu não tinha, pois ele nunca estava. E nem poderia, a não ser que os vidros das janelas do meu quarto fossem do tipo adequado, como os que ele possui em sua casa. Infelizmente, isso era algo que, por enquanto, eu não tinha condições de providenciar, então, teria que me conformar em seguir acordando sozinha. O lado bom era que, mesmo que eu não o tivesse visto, e agora não o encontrasse, eu sabia que ele tinha estado ali. Ele fora embora, mas era como se sua presença continuasse preenchendo cada parte do quarto. E havia seu perfume. O aroma, masculino e inebriante, estava impregnado nos lençóis, edredom e travesseiro. Isso gerava algum conforto, concluí.

Após um banho e café deliciosos, saí de casa e retirei o carro da garagem. Coloquei "Stand By Me", de Ben E. King, para tocar no mp3 e peguei a avenida em direção ao meu trabalho, no centro de Boston. Ainda é cedo e tem pouca movimentação ao longo do trajeto, o que resulta em pouco trânsito, algo realmente bom. Ninguém gosta de começar o dia, principalmente um belo dia de sol como o que está fazendo hoje, enfrentando um trânsito terrível e tendo que se estressar por isso. Dirigi tranquilamente, cantarolando junto com a música. Aproveitei a vista, a tranquilidade das ruas, e observei o céu limpo, sentindo a agradável brisa da manhã. Ao parar com o carro em um sinal vermelho, aproveitei para fechar os olhos e cantarolar com mais entusiasmo, usando as mãos para batucar no volante. Quando os abri, olhei distraída para o lado e me deparei com um carro prata, estacionado próximo ao meu. Dentro havia um senhor de meia-idade, negro e com ar de executivo, me observando com as sobrancelhas levantadas. Parei de cantar imediatamente, morta de vergonha, tendo certeza de que fiquei mais vermelha do que um tomate. Mas então, surpreendentemente, o senhor abriu um largo e amistoso sorriso. Lhe fiz um sinal de positivo bem a tempo de o sinal abrir. O dia prometia ser lindo, agradável, e cheio de coisas boas a oferecer.

Ao chegar à escola para iniciar meu expediente de trabalho, percebi os mesmos olhares receosos que se iniciaram no dia anterior. Podia ser impressão minha, mas me pareceu que agora a situação estava um pouco pior. O ambiente parecia mais carregado. Com exceção de Vincent e Rebeca, que continuaram me tratando normalmente após eu ter revelado sobre Simon, o restante dos funcionários praticamente me evitava e ignorava, assim como a meus sorrisos e cumprimentos, que recebiam no máximo um sorriso amarelo e sem entusiasmo.

Eu soube que a coisa não estava boa quando vi o diretor da escola surgir através do vão da porta da sala dos professores, no horário de intervalo das aulas. Ele deu uma rápida olhada ao redor do ambiente, parecendo procurar por algo. Ele procurava por mim. Tive certeza disso quando seus olhos pousaram sobre mim, sua expressão desconcertada. Eu estava em pé, junto à cafeteira, evidentemente, um copo de café quente na mão, quando o vi se aproximar a passos lentos e a sombra de um sorriso aparecer em seus lábios. Respirei fundo.

- Ana, bom dia! – ele saudou, me estendendo uma mão para um cumprimento. Ele tentou soar o menos afetado possível. Não funcionou. A cautela por trás de sua voz e gestos era visível, quase palpável. O homem alto parado a minha frente, e segurando com ambas as mãos o cinto que sustenta as calças, está na casa dos quarenta anos. Traz no rosto um modelo de óculos grande e antiquado, os cabelos encaracolados levemente desarrumados e um conjunto de terno cinza impecavelmente passado e engomado. Na escola todos sabem que ele é divorciado e possui duas filhas adolescentes.

- Bom dia, Sr. Harris. Como vai? – lhe sorri, e quando minha mão tocou a sua lhe dei um aperto de mão firme. Não forte. Apenas firme, procurando demonstrar segurança.

- Muito bem, obrigado! – ele fez um aceno de cabeça. Assim que nossas mãos se soltaram, ele deslizou as suas para dentro dos bolsos da calça. – Ana, eu gostaria de saber se você pode me ceder alguns minutinhos de seu horário de almoço? Há algo que eu gostaria de conversar com você – disse, tão calmo e pausadamente quanto possível.

Meia-noite SombriaWhere stories live. Discover now