Foi assim que tudo começou

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              Muitas coisas já foram esclarecidas, agora só me resta te contar como viemos parar aqui, não adianta mais enrolar. Bom... O que eu vou contar agora vai te deixar chocada, porque eu tenho certeza de que você não tem noção das coisas que acontecem naquela escola e ainda mais que essa situação envolve pessoas tão próximas a você. Tudo começou quando o Alessandro foi falar comigo na escola, no dia seguinte àquela nossa discussão em frente a sua casa.

              - Ei, tu irritou o professor!

              - Eu o quê?

             - Macho... Tu se lascou!

             - Do que é que tu tá falando?

             -  É o seguinte: tu fez alguma merda aí que irritou o professor e agora tu vai sofrer as consequências, foi só o que ele mandou eu te dizer.

            Depois que ele disse isso, simplesmente foi se sentar, porque o Gildo tinha acabado de entrar em sala. Fiquei remoendo essa história de eu ter irritado o professor até a hora do intervalo, me perguntando quem era esse tal professor e o que diabos eu fiz para irritá-lo. O sinal tocou, e todos foram lanchar, mas o Gildo fez sinal para que eu ficasse em sala. Será que ele era o professor que estava irritado comigo? Grande novidade... Quando ele não esteve irritado comigo? Ou com qualquer outro aluno? Logo agora que a gente tinha entregue o trabalho, bem bonitinho, todo certo... Como é que ele poderia estar zangado comigo? Isso não é justo!

            - Eduardo, eu recebi uma denúncia anônima de que eu preciso revistar sua mochila - disse ele.

            - Como assim: denúncia anônima? - perguntei, sem entender.

            - Quando fui abrir meu diário para fazer a chamada, tinha um papel digitado, dizendo para eu fazer a coisa certa e revistar a sua mochila.

            - Revistar minha mochila? Mas, para quê?         

            - Me disseram que tem algo ilícito dentro dela.

            - Ilícito? Tipo o quê? Droga???

           - Você é que está dizendo... Passe a mochila para cá!

           Rapidamente, eu lhe passei a mochila, porque eu nunca tinha me envolvido com esse tipo de coisa na minha vida, não fazia a menor ideia sequer de onde saiu essa tal denúncia, então minha consciência estava super tranquila. Ele a pegou e a remexeu de um lado para o outro, sem encontrar nada que justificasse a tal denúncia. Não satisfeito com a minha inocência, ainda tirou tudo de dentro da bolsa e a virou de cabeça para baixo, deixando cair alguns papéis dobrados, provavelmente provas antigas que escapuliram do meu caderno. Enquanto eu o observava impaciente, ele se abaixou e apanhou os papéis, desdobrando-os um a um e colocando-os, abertos, sobre a mesa. Qual não foi minha surpresa quando vi que, sobre alguns dos papéis, havia maconha, e, sobre os outros, cocaína?

           Fiquei simplesmente petrificado! Todo o sangue do meu corpo deve ter começado a pegar fogo, porque eu me sentia muito quente. Sem falar na respiração, que de repente começou a ser uma tarefa muito difícil; eu não conseguia respirar direito. O intervalo entre o momento em que eu vi o que estava sobre a mesa e o em que eu ouvi a pergunta que o Gildo me fez em seguida, não deve ter sido de dez segundos, mas foram os mais longos da minha vida.

          - O que significa isso? - perguntou ele, parecendo que estava saboreando cada palavra.

          - Eu, eu, eu não sei... Nunca vi isso antes.

          - Você quer que eu acredite que você carrega tudo isso na sua mochila sem fazer a menor ideia?

          - Eu quero que você acredite que eu NÃO carrego tudo isso na mochila! - disse eu, recobrando a sensibilidade nas pernas.

          - Eduardo, é o seguinte... Eu não tenho que acreditar ou desacreditar em você... Essa missão é da diretoria da escola, que é para onde vou levar você agora.

          De repente, o que o Alessandro falou começou a fazer sentido na minha cabeça. Eu irritei o Gildo, sei lá como, mas irritei, e agora ele está se vingando de mim, fazendo com que eu seja expulso. Mas, pelo amor de Deus, desse jeito eu ia acabar era preso! O que eu poderia ter feito para irritar tanto esse homem?

          - VOCÊ É O PROFESSOR!

          - Claro que eu sou professor! Há 14 anos, para ser mais preciso! E o meu dever aqui é levar você para a direção, que, com certeza, vai te entregar à polícia, porque é ela quem cuida de delinquentes como você.

          - Não, não! Você é o professor que está irritado comigo! E você disse que ia se vingar, que eu ia sofrer as consequências... Essas são as consequências! Você plantou isso na minha mochila!

          - Como? Se você estava olhando para mim o tempo todo? - perguntou ele, com um sorriso sarcástico.

          - Eu não sei! Eu não sei! - disse eu me desesperando por completo.

          - Essa sala tem câmera, rapaz, peça para a coordenação ver se eu pus alguma coisa na sua mochila! - disse o Gildo, zangado.

          Nisso, o João chegou na sala, me viu, chorando, com as mãos na cabeça, e perguntou:

          - O que é que está acontecendo?

          - Eu recebi uma denúncia anônima, fui checar e encontrei esse monte de droga na mochila desse delinquente aqui!

          - EU NÃO SOU DELINQUENTE! ISSO NÃO É MEU!!! - gritei com todas as minhas forças, tentando provar minha inocência.

          - Professor, com todo o respeito, mas eu acho que ele está falando a verdade... - falou o João, para a minha surpresa, porque, como eu disse, eu já odiava esse cara desde o primeiro dia de aula.

          - Por quê, João? - perguntou o Gildo.

          - Antes da aula começar, ele deixou a mochila lá na arquibancada da quadra e foi ao banheiro. Eu vi alguém se aproximar com esses papéis dobrados na mão e pôr na mochila dele. Não falei nada, porque pensei que fosse lixo, né? Que o cara estivesse querendo só zoar com ele.

         - Você tem certeza, João? - perguntou, olhando de mim para ele.

         - Sim, professor. Nem amigo dele eu sou... Por que mentiria sobre uma coisa tão séria?

         - É verdade... Quem foi, então? 

         - Eu não o conheço. Acho que nem é daqui, não estava de farda.

         O sinal tocou e todos os alunos começaram a entrar na sala, e o Gildo teve que ir para outra turma, não sem antes me ameaçar:

         - Vou passar o caso para a direção, viu? Não pense que você se safou por completo... Sorte sua o João ter visto isso, senão uma hora dessas você já estaria a caminho da Febem.

         - Eu não tenho nada a ver com isso! - disse, enxugando o rosto e, olhando para o João - Obrigado, cara... 

         - Não foi favor, o que eu vi está visto... - falou ele, indo se sentar.

         Na saída da aula, surpreendi o Alessandro em uma esquina.

         - Quem é esse professor, hein? É o Gildo?

         - Levou uma prensa, né? - respondeu ele, displicente.

         - Se não fosse o João, eu estaria fudido uma hora dessas.

         O Alessandro deu uma gargalhada alta, quando eu disse isso, e me respondeu, sem mais nem menos:

         - Tu fudido, meu chapa. Agora já era... Agora, é só esperar...

         E pegou o ônibus, me deixando completamente confuso. Esperar pelo quê?


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