Um domingo nada qualquer

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                 E não é que deu certo mesmo! Olha o que foi que eu fiz: acordei cedíssimo, fui lá para a parada do curso e peguei o ônibus que ele pegava, aí fiquei rezando para que naquele caminho só tivesse um consultório de dentista. Tinha três, puta merda! Desci no primeiro, toquei a campainha das duas casas ao lado, e o Eduardo não atendeu a nenhuma delas... Que mico! Em uma delas, ainda foi pior porque um velho atendeu e disse: "Eduardo não tem, não, mas se servir um João de Deus, estou às ordens...". Todo saliente o velho, vê se pode! E é porque é de Deus, avalie se não fosse... Misericórdia!
                Tendo me recuperado do atentado do João do Diabo, peguei o ônibus de novo. No próximo consultório, nem precisou eu descer, porque de longe avistei que não tinha residência ao lado, só comércio. Quando desci no terceiro, já estava atrasada quase uma hora e meia, ainda bem que o consultório era numa esquina, então já toquei a campainha da única casa ao lado, apreensiva com o que ele ia falar pelo atraso.

                – Se perdeu? – perguntou assim que abriu a porta.

                – Não, não... Desculpa o atraso. Acordei tarde.

                – Foi, né? Hurrum... Entra.

                – O que foi? – fui logo perguntando, porque, se fosse para ele passar o dia com aquela cara de cu que ele estava, eu iria embora naquela mesma hora.

                – Eu estava morto de preocupado, né, Fernanda?

                – Não está vivinho aí? – ele fez uma cara que rapidamente mudei de tom – Preocupado comigo? Obrigada, não precisava... – apesar de ter falado ironizando, no fundo me senti até bem em saber que ele se preocupava comigo...

                – Eu percebi que não precisava... Vamos logo começar o trabalho.

                Boa parte do dia se passou bem diferente do sábado lá em casa, porque ele foi frio comigo. De instante em instante, vinha um ódio dentro de mim, uma vontade de jogar tudo para o alto e ir embora... Só não fui, porque, embora tenha bancado a esperta no dia anterior, enfim, eu não sabia mesmo fazer a porcaria daquele trabalho sozinha. Lá pelas duas horas, ele me perguntou se eu estava com fome e, apesar da raiva, eu tive que dizer que sim.

                – Almoço, almoço não tem, não. Mas, vamos pra a cozinha que eu preparo um lanche pra gente.

                A mãe dele devia ser muito organizada, porque a cozinha da mulher era impecável, tudo no seu devido lugar e combinando ainda mais. Tudo roxo com branco.

                – Nossa, sua mãe se garante! – elogiei enquanto ele começava a preparar os sanduíches.

                – Não é ela, não. É a Maria, nossa empregada. Ela é que se garante. Minha mãe mesmo não sabe fazer nem um ovo – disse ele olhando para os lados, observando a cozinha impecável.

                – Não adianta julgar, é muito difícil trabalhar e ser dona de casa ao mesmo tempo. Minha mãe sofre para conseguir essa proeza. Eu tenho certeza que eu mesma não daria conta de jeito nenhum.

                – E quem disse que minha mãe trabalha? Ela não aprende porque não quer mesmo... A Maria cuida dela desde criança e cuidou da gente também, porque ela mesma só se preocupa com o meu pai, com o que ele faz ou deixa de fazer. Triste...

                – Ahhh... Ela não é tão relapsa quanto você está dizendo... Se fosse, não estaria no psicólogo com seu pai e seu irmão.

                – Mas, isso é porque o Rodrigo enlouquece esses dois. E a escola disse que ele tinha que ter um acompanhamento, porque senão ia expulsá-lo.

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