Ganhando a aposta... ou não

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            A semana seguinte foi tortuosamente longa, só não sei se tive essa impressão devido aos meus esforços sobre-humanos para ignorar o Eduardo. Fiz de tudo para parecer que não estava nem aí para ele, inclusive voltar minhas atenções para o João. Não sei por que eu fazia isso... Primeiro, porque nem de longe o Eduardo se sentiria ameaçado por ele, se fosse o caso. Se bem que o João não é feio, ele só é esquisito, acho que é porque ele é nerd demais... Coitado! Estuda muito, espirra muito... Como pode uma pessoa só produzir tanto catarro??? Eu gosto dele, mas como amigo. Quando eu estou em sã consciência, até evito dar muita corda para ele, para não ter perigo de ele confundir as coisas. Mas, confesso que tive esses momentos de fazer ceninhas de ciúmes para o Eduardo usando o João. Vergonhoso!
           Segunda-feira, no dia seguinte a nossa briga, foi um desses momentos. Na primeira aula, o professor de História faltou, como não tinha ninguém para substituí-lo, ficamos sem fazer nada na sala de aula. O Eduardo ficou lá sentado na cadeira dele, mas logo o Carlos, a Clarice e o Douglas o rodearam. Provavelmente, para saber se a gente tinha feito o trabalho. Eu, mais que depressa, me sentei em cima da mesa do João, assim não teria perigo de o Eduardo não me ver, e fiquei conversando com ele e a Sofia, que olhava para mim como se eu fosse de outro mundo. Com certeza estranhando meu tratamento com o João, não só pelo fato de eu estar sentada na mesa dele, mas também porque, de vez em quando, eu pegava no braço dele, nos cabelos. Sem falar que eu ria de qualquer besteira que ele dizia. 

          - Minha mãe ontem estava assistindo à missa no canal HD, sabe? - comecei a contar para eles - Aí meu pai estava trocando de canal o tempo todo para mostrar que, no canal normal, o padre era mais gordo do que no HD.

          - Sério? - perguntou a Sofia.

          - Seríssimo. A HDTV deixa mais magro e a TV analógica mais gordo.

          - Será que isso é só com padre, gente? Deve ser milagre... - admirou-se a Sofia.

          - Não, Sofia, é com qualquer pessoa - explicou o João - mas, Nanda, mudando de canal o tempo todo, teu pai deve ter dado estria no padre, né não? - brincou.

          Pense na gargalhada que eu dei.

          - Tá bem, amiga? - perguntou a Sofia.

          - Claro que eu tô, a piada do João é que quase me mata de rir.

          - Isso foi uma piada? Vala, eu nem ri...

          - Piada inteligente, né, Sofia? Outro nível... Diz pra ela, João.

          - Você achou mesmo engraçada, Nanda?

          - Claro, né? Piada inteligente é massa...

          - Você também é inteligente, afinal conseguiu entender...

          - Ah, obrigada, João... - concordei, pegando no cabelo dele, mas já me arrependendo... Pior que eu não posso nem olhar para o Eduardo para ver se ele está vendo minha ceninha.

          Durante o resto da semana, graças a Deus, nenhum professor inventou de passar trabalho em dupla ou em equipe, senão eu teria que fazer como eu disse que faria e ficar sem nota. No basquete, foi fácil porque o técnico fez um treinamento de força e, para isso, separou os meninos das meninas, então ele ficou lá do outro lado da quadra. O que mais me incomodava nessa história da aposta era que, até então, eu já o ignorava, mas ele parecia ficar muito chateado com isso, mas agora não. Muito pelo contrário! Ele parecia estar se divertindo com isso...

           Na sexta-feira, veio a confirmação de que ele realmente estava se divertindo às minhas custas. Imagine que estava eu na sala, na minha, copiando a matéria que o professor de Inglês tinha copiado na lousa, quando comecei a sentir aquela sensação de que tinha alguém me olhando. Na verdade, essa sensação não é novidade para mim porque o João passa o dia me olhando... Mas, acontece que naquele dia o João tinha faltado. Então, quem estava perdido em mim? Exato, o Eduardo! Olhei assim meio de banda, só para constatar, e lá estava ele me olhando, com cara de bobo.

           - Sofia - cochichei para a minha agente da CIA.

           - Diz, gata.

           - Presta atenção aí se o Eduardo está olhando para mim.

           - Na hora! Modo espiã: on!

           É doida a Sofia... Ela foi na mesa do professor, voltou olhando para o Eduardo e se sentou ao meu lado novamente. 

           - É fato, amiga! Ele está totalmente vidrado em você! 

           - Tem certeza?

          - Absoluta! Olha ali!

          - Eu mesma não!

          E assim se passou o resto da manhã, a Sofia direto checando e se certificando de que ele ainda estava me olhando. Quando terminou a aula, fui deixar a atividade na mesa do professor, e ele passou por mim, displicentemente. Eu não me aguentei.

           - Você perdeu a aposta.

           - Ãh?

           - Você... perdeu a aposta. Passou a aula toda olhando para mim. A Sofia me disse.

           - Não... Eu não estava olhando para você. 

           - Não adianta negar... Perdeu e pronto! Não conseguiu ficar nem uma semana... Passou a manhã toda olhando... 

           - Através de você. Não estava te vendo...

           - Nem vem que não tem! Não existe isso!

            - Claro que existe... Você nunca ficou tão distraída pensando que quando se deu conta estava olhando, sei lá, para a bunda de alguém? - como assim? Ele está achando que eu tenho cara de bunda ou o quê?

            - Isso é trapaça!!! - gritei, indignada.

            - O que eu vou ganhar por você ter perdido a aposta? Não combinamos o prêmio.

            - Não tem prêmio nenhum... Você trapaceou.

            - Claro que tem prêmio! Toda aposta que se preze tem um prêmio. O que vai ser, hein?

            - Acho que, como vocês não decidiram antes da aposta, agora que você ganhou, você escolhe - se meteu a Sofia, achando que estava resolvendo todos os problemas do mundo.

           - É verdade, Sofia! Mas, eu não vou decidir isso agora, não. Tenho que ir embora. Vamos fazer o seguinte: você fica me devendo uma.

           - Eu não estou te devendo nada...

           - Está! E fim de papo! - disse ele, saindo da sala.

           - Aaaah, amiga. Aposta é aposta! - aconselhou a anta da Sofia.

           - Ele trapaceou, Sofia. Será que você não entende? Agora estou devendo uma para ele... Sabe-se lá o que essa peste vai me pedir... Vamos embora! As férias de julho ainda nem passaram e eu já estou de saco cheio dessa escola.

           - Calma, amiga! O que ele pode te pedir de tão absurdo? No máximo, você vai ter que pagar o lanche dele ou fazer algum trabalho quilométrico da escola...

           - É, deve ser uma besteira dessas mesmo...

            Eu não podia estar mais enganada!

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