Sétimo

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Eu estava decidida enquanto marchava com pressa pela calçada maltratada, afim de chegar ao escritório onde eu trabalhava. Como uma boa secretária sem estudos eu era a primeiríssima a chegar. Abri a porta de vidro com minha própria chave, mudei a placa ridícula de "fechado" para "aberto". E liguei o ar condicionado para trazer algum conforto ao ambiente, já que as temperaturas estavam cada vez mais baixas com a proximidade do inverno. Abri também a sala dos três advogados que ali trabalhavam e liguei o sistema no computador da recepção, onde eu ficava maior parte do dia.

Fui cumprimentada com o habitual "bom dia" dos três advogados assim que cada um deles chegou. E pude pensar bastante durante boa parte da manhã considerando que o movimento foi bastante fraco. Não oscilei uma vez sequer em minha decisão.

A tarde todos os três advogados estiveram bastante ocupados, por isso senti que os ponteiros do relógio barulhento da recepção estavam mais rápidos que o habitual. Tive a nítida impressão que eles aproveitavam o meu momento de distração para acelerar, ou eu estava nervosa o bastante para o que viria a seguir, que as horas correram.

Só estávamos eu e uma das advogadas no escritório, isso no final do expediente. Ela veio até a recepção com uma expressão deveras cansada, coçando da maneira que podia para não borrar a maquiagem, um dos olhos. Ou talvez, ela estivesse sonolenta, apenas porque não havia dormido o suficiente. Apertei a caneta que jazia infeliz na palma da minha mão.

– Anahí, está dispensada. – Murmurou sorrindo. – Obrigada pela ajuda, até amanhã. – Eu acenei com a cabeça e retribui seu sorriso, de longe a minha chefe era a pessoa que eu melhor me relacionava dentro daquele escritório.

– Doutora? – Pigarreei tomando um último rompante de coragem. – Será que posso pedir um favor? – Soltei todo o ar de uma vez só quando acabei de falar. E soltei a caneta, para evitar quebra-la.

– Claro que sim, doce. – Ela me olhou compreensiva. Algo que encontrou em minha expressão provavelmente a assustou, porque ela largou os olhos inchados e sentou-se na cadeira para clientes, que ficava bem de frente para minha mesa. Analisou-me demoradamente antes de continuar. – Algum problema?

– Na verdade sim. – Confessei. – Preciso da sua ajuda profissional. Estou me separando e meu ex-marido não está facilitando as coisas.

– Oh, eu sinto muito. – Proferiu completamente sincera. – Mas, acredito não poder ajuda-la com isso, mas se quiser falo com o doutor Roger, ele está com a agenda bem mais vazia que a minha e pode atende-la amanhã mesmo, se quiser.

– Vou esperar sua agenda liberar. – Disse convicta, enchendo os pulmões em seguida. – Faço questão que seja com a senhora, doutora Elizabeth.

– Me chame de você, por favor. Já temos intimidade o suficiente. – Ela sorriu, mostrando os dentes alinhados, um sorriso tão infantil. Lembrei-me da primeira vez que eu o vi. Na tela de um computador, como anexo de um lindo e-mail. – Mas já que faz tanta questão que seja comigo, amanhã arrumo um tempo para conversarmos melhor, certo?

– Muito obrigada, Elizabeth.

Ela apenas meneou a cabeça e levantou-se para ir para a própria sala.

– Apenas feche a porta para mim, sim? – Pediu antes de abrir a porta da sala dela. Virando o corpo para poder me encarar. – Assenti com um aceno de cabeça, apática. – Anahí? – Chamou-me. – Você quer conversar? Acho que posso deixar o caso da dona Blanca para amanhã.

– Não irei atrapalha-la?

– De maneira alguma. Bom, precisarei dos seus documentos e também da certidão de casamento para amanhã, mas se quiser tomar um café, para conversar. – Disparou. – Como amigas, quero dizer. – E sorriu novamente, deixando-me completamente sem fala.

Fomos a um café, ali perto mesmo do escritório. Elizabeth contou-me que apreciava demais o cappuccino com chantilly de lá. Ao apossarmos de uma mesa logo na entrada, fizemos nossos pedidos, eu também optei pelo cappuccino com chantilly, seguindo a indicação singela dela.

– Conte me como foi que tomaram a decisão do divórcio? Partiu de quem? Quero dizer. – Disparou ela. – Desculpe-me, doce! Se isso está soando profissional demais, é que não sei bem como abordar isso de forma impessoal. Não estou muito habituada a amizades, sabe? Com tanto trabalho, dois filhos e um marido para cuidar não me sobra muito tempo para ter amigas. – Lamentou-se

– Não tem problema. – Eu ri – Não estou acostumada em ter amigas também, passei tempo demais vivendo a vida de Al... de meu ex-marido. E depois, acredito não existir maneira impessoal de tratar desse assunto.

– Tem razão, mas se estiver soando rude demais. Avise-me sim? – Apenas balancei a cabeça em concordância. Elizabeth, aguardou paciente que eu continuasse.

– A decisão da separação partiu de mim. Fazem pouco mais de dois meses. E... – hesitei, o assunto era deveras delicado para trata-lo com leviandade. – foi porque eu descobri que meu marido tinha uma outra família.

– Oh! – ela esboçou um tanto forçada, já que situações delicadas faziam parte de seu dia a dia. – Como descobriu isso?

– Lendo... hãn... Uma mensagem de texto. – Menti para não ser obvia demais. – Que ela mandou pra ele.

– Oras, que sem vergonha! – Novamente soou forçada demais, Elizabeth era fina para indignar-se verdadeiramente pela rival da amiga. – Ela sabia de você? Quer dizer, começou sendo uma amante?

– Não, acredito que não pelo menos. E depois porque ela chegou antes de mim. Três anos para ser mais especifica. Os dois tem dois filhos. – Completei desestruturada, respirando com dificuldade.

– Oh, céus! – Agora sim ela parecia atônita – Então a história é mais complexa do que eu podia imaginar.

– Com certeza – concordei – porque ele só é casado legalmente comigo.

– Isso dificulta um pouco as coisas, doce. Porque legalmente ele não pode ser considerado bígamo e sim adultero. Mas, ao que parece tem uma relação estável com a outra. Talvez possamos classificar isso como bigamia. Farei o possível, assim que tiver posse de todos os documentos que consiga.

– Elizabeth? – Questionei, procurando o seu olhar. – Eu quero tirar, tudo dele. Tudo. Começando pela paz.

– Faremos isso, doce. – Ela sorriu meio assustada com a mudança súbita da conversa. – Mas precisamos considerar que os filhos dele tem certos direitos.

– Eu sei disso. – Concordei contrariada – Mas quero todos os meus direitos. Eu fui humilhada e traída. Quero tudo!

– Faremos o possível. Mas ao que parece teremos uma boa briga. Está disposta a isso?

– Se estou disposta? – Eu ri bem alto, jogando a cabeça para trás. – Com certeza! Eu estou no fundo do poço, tudo o que vier será lucro agora. Não vejo a hora de encarar meu ex-marido na mesa de um tribunal.


x.x.x

EU NÃO MORRI \Z

E  aí o que acharam do emprego e da nova amiguinha da Anahí?

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