Décimo Quinto

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Quando vi Anahí em minha sala a minha única vontade foi matá-la, arrancar a bofetadas o sorriso vaidoso e frio que ela trazia nos lábios, porém quando a vi saindo de minha casa ela estava tão debilitada, tão frágil que precisou ser carregada. Os olhos estavam tão tristes e todo o ódio que eu sentia por ela perdeu-se naquela imensidão azulada, senti vontade de arranca-la dos braços de Pablo. Rouba-la mais uma vez dele, porque ela me pertencia e não havia nada que pudesse fazer contra isso. Nem mesmo a dor dos meus filhos fez com que eu sentisse mais culpado do que ver aquele adorado rosto banhado em lágrimas. Nem mesmo as ameaças e agressões de Elizabeth machucaram mais do que o silêncio aterrador de uma magoa que jamais poderia ser explicada. Que ironia era perceber, tarde demais que ela, apenas ela era o único que eu não poderia viver sem.

Depois de ser colocado porta a fora por Elizabeth fui imediatamente para o condomínio de Annie, ao saber pelo porteiro que ela ainda não havia chegado resolvi esperar. A noite caiu gélida sobre mim e minhas esperanças, a madrugada chegou trazendo ainda mais desespero, mas só quando a manhã deu seus primeiros indícios de aparecer é que precisei admitir que Pablo não a levara para casa.

Vagueei pelas ruas conhecidas vários minutos antes de admitir para mim mesmo que se quisesse encontra-la deveria procurar por Pablo. Meus lábios estavam secos e minhas mãos suando quando com uma dificuldade inexistente antes estacionei meu carro na frente da republica onde Pablo morava. Caminhei vacilante entre o caminho de pedras e grama maltratada que dava acesso a entrada da república. Minhas pernas doíam, atribui a isso a noite em claro dentro do carro. Tossi sonoramente para desobstruir minha garganta antes de abrir a porta de madeira e sem pintura que como sempre estava aberta.

Na sala ampla encontrei alguns moradores, um deles apagado no sofá com um copo de uma bebida mal cheirosa nas mãos. A boca levemente aberta deixando escapar um enorme ronco a cada respiração. Uma mulher apoiava um espelho pequeno na janela aberta, maquiando-se na luz que havia ali, o cheiro de café vinha forte da cozinha. No corredor encontrei uma moça com não mais de dezoito anos saindo sonolenta de um dos quartos, coçando os olhos e vestindo apenas lingerie. Apenas ergueu os olhos ao me ver, não demonstrou nem uma pitada de constrangimento.
Cogitei a hipótese de bater na porta de Pablo quando parei na frente dessa, mas quando levei uma das mãos na maçaneta enferrujada percebi que estava apenas encostada. Abri.

O breu era quase total graças as cortinas pesadas, a pouca luz que vinha dali era a que passava por baixo da porta do banheiro e iluminava o quarto apenas o suficiente para eu distinguir as pessoas que dormiam em cima da cama. Duas pessoas. E uma delas era Anahí, na ponta. Os cabelos claros cobriam boa parte do rosto dela, o edredom cobria apenas parte do corpo esguio, pela metade descoberta notei que ela vestia apenas uma camisa vermelha e cinza. Grande o suficiente para servir-lhe de camisola. Pablo, ao lado dela dormia ressonando sereno, com a barriga para cima e vestindo apenas uma calça de tecido grosso e uma camiseta. A mão dele estava bem próxima a de Anahí, fiquei imaginando se os dois haviam adormecido de mãos dadas.

A cena era nauseante em minha opinião, todas as células do meu corpo reagiram aquilo. Minha pulsação acelerou de maneira exacerbada e todo meu corpo foi sacudido por tremores involuntários. A sensação que tive foi que havia levado um soco no estomago impedindo-me de falar e respirar. A primeira ideia foi acabar com os dois, ali mesmo antes que acordassem. Tive vontade também de quebrar definitivamente o nariz de Pablo com um novo murro. Até de Anahí senti raiva, amaldiçoei o dia em que ela havia entrado em minha vida, como havia me enfeitiçado com aqueles olhos pérfidos, roubando-me toda a minha sanidade. Culpei-a pelo fim do meu casamento com Elizabeth. E no fim apenas lamentei em segredo todo o mal que eu havia causado a ela e desejei ardentemente tê-la de volta. Porém a única reação que tive foi sair dali, fechando a porta atrás de mim. Sem acorda-los.

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