Tremula, ofegante, suando frio e notavelmente abalada eu cheguei ao escritório de advocacia para um dia de trabalho. Eu não sabia muito bem como lidar com aquela situação, a ideia inicial foi não voltar mais ali, esquecer de uma vez por todas qualquer vingança, mas como sempre acontecia sai da conversa com Alfonso extremamente irada, com uma nova onda de rancor dominando-me completamente. Era tudo tão injusto, eu repetia para mim mesma o tempo todo, como se lamentar da minha situação fosse muda-la. Por mais que o tempo passasse e as conversas com Poncho serem cada vez mais desgastantes e sofridas eu não conseguia entender o motivo dele ter causado tanta dor, tanto sofrimento. Eu nunca fora perfeita, é verdade, mas tinha certeza que não merecia tamanha punhalada pelas costas. E o pouco que conhecia de Elizabeth, ela tampouco parecia merecer. Sem dúvidas Alfonso tinha sido nossa maldição, nada mais poderia justificar tamanha falta de caráter.
No final da tarde eu já estava muito melhor, pelo menos fisicamente. Havia almoçado com Elizabeth e contado a ela da certidão de casamento perdida, o que era verdade. Não falei mais nada do assunto divórcio. Nesse dia em especial eu não tinha estrutura para lidar com tamanho assunto delicado. O que ela pareceu entender perfeitamente, talvez como advogada, ou como amiga. Coisa que eu não poderia duvidar, afinal eu me aproximara dela com um caminhão de falsidades e mentiras nas costas, mas isso não significava que ela fizera o mesmo. Se bem que eu pouco me importava com isso a essa altura. O que me fazia pensar se eu não estava usando e manipulando pessoas assim como meu agressor.
Para minha surpresa, logo no início da tarde Elizabeth apareceu ali na recepção. Com a bolsa pendurada no ombro e o batom retocado.
– Vai sair? – perguntei incerta, desviando brevemente o olhar do computador, para depois voltar a encara-lo.
– Vou sim, doce. Irei mais cedo para casa, tenho assuntos a tratar. – ela deu um sorrisinho cumplice.
– Será que posso perguntar que assuntos são esses? – girei-me na cadeira, ficando de frente para ela e abandonando de vez o trabalho.
Ela tinha deixado claro em sua entoação que gostaria que eu perguntasse. Se não, eu nem mesmo me atreveria. Tinha medo da resposta.
– Então – começou em tom de confidencia, sentando-se a vontade na cadeira logo na frente da minha. Como eu esperava, ela estava doida para despejar qualquer que fosse esses assuntos – preciso fazer algo antes do meu marido chegar em casa.
Só eu poderia saber a dor que o simples mencionar de Alfonso deixou em minha ferida aberta. O dia já estava sendo bastante penoso sem isso, eu não precisava e nem queria ouvir mais nada. Por isso apenas sorri forçada para Elizabeth, em uma tentativa impetuosa de acabar de uma vez por todas com aquele assunto.
– E depois fiquei de pegar os nossos filhos no colégio, também. – continuou ignorando totalmente o meu mudo e desesperado pedido de silêncio – Eles ficam tão felizes quando eu faço isso. Mesmo gostando do o pai, mãe é sempre mãe. – gabou-se – Que pena que não chegou a te filhos, doce.
"Que tamanha graça que não os tive" emendei em pensamento. Pois nos últimos quatro meses Alfonso e eu estávamos decididos a tê-los. Foi uma benção que a genética não contribuiu para que eu estivesse agora, além de destroçada com um bebê nos braços ou no ventre para passar uma vida toda amargurado por não ter pai, ou por ter Alfonso como pai. O que definitivamente, era quase o mesmo.
Mesmo machucada, ainda sobrou em mim espaço para detestar Elizabeth um pouco mais, ela agia como se eu fosse uma pobre coitada, como se tivesse acabado com o meu casamento as chances de ter filhos. Nessas horas eu sentia vontade de jogar toda a verdade amarga em cima dela, para ver desmanchar o sorriso pretensioso que sempre via em suas feições quando falava da família. Eu faria questão de repetir diversas vezes que eu tinha sido enganada, mas ela tinha sido trocada. O que parecia muito mais doloroso em minha concepção. Afinal, depois de mim não houvera outra, enquanto depois dela...
– Ainda bem que não os tive. – Não consegui disfarçar com precisão a quantidade de rancor que a pequena e elaborada frase continha.
– Claro, claro. – Concordou somente para acabar com o assunto. – O que eu preciso fazer ele não pode saber, por enquanto. – o riso pretensioso brilhou ali.
Soltei uma imensa baforada, buscando forças quase inexistentes para manter a compostura e prosseguir com aquela conversa desnecessária.
– O que precisa fazer, Elizabeth? – perguntei desgostosa, desviando o olhar de Elizabeth, voltando a encarar o computador e com uma mão firme no mouse, mais para ter o que fazer com ela, já que estava tão tremula.
O sorriso ampliou-se ainda mais. Havíamos chegado exatamente onde ela gostaria. Ela abriu a bolsa lentamente, curtindo aquele momento, depois colocou uma embalagem em cima da minha mesa, para que eu olhasse. Mas antes que tivesse tempo de reconhecer a caixa ela disparou:
– Acho que estou grávida de novo, doce. – Uma das mãos ela levou a boca abafando uma alta gargalhada e a outra ela pegou com argucia o teste de gravidez da mesa, colocando na bolsa novamente.
– Grávida? – balbuciei incoerente – Tem certeza?
– Claro que não, doce. Por isso o teste! – ela riu
– Do seu marido?
– Claro, Anahí! De quem mais seria? Obvio que é dele! – ela começou levemente irritada.
– Desculpe-me. Não falei por mal.
Minhas pernas bambearam tão violentamente que foi uma sorte que eu estivesse sentada. O aperto em meu peito intensificou-se ainda mais. Tive que usar todo o meu controle para não arrancar com as próprias mãos, aquela hostilidade desmedida de Elizabeth. Mesquinha e egoísta. Era isso que ela era, merecia Alfonso, merecia sofrer tudo o que ela ainda iria proporcionar a ela. Amaldiçoei em pensamentos a família deles, dos dois pestinhas e o terceiro e talvez inexistente que era todo o motivo da minha nova onda de dor e raiva. Mas nada, absolutamente nada era comparado ao rancor que eu sentia por Alfonso nesse momento. Eu seria capaz de acabar com ele com minhas próprias mãos, se isso muito provavelmente não acabasse comigo junto. E senti, com certa argucia que talvez todo o amor que eu sentia por ele pudesse converter-se em ódio. E eu ansiava por isso, o medo de sentir-me vazia acabara. Eu ou o amaria ou o odiaria, não havia mais saída. E eu apostava todas as minhas fichas na segunda opção.
x.x.x
Por essa alguém esperava?
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Acasos II
FanfictionContinuação estendida da mini Acasos. Nas mãos de um vigarista ficou esperança, Coração e sonhos destruídos. Deixados para trás por um indivíduo, Que não fez valer meus sacrifícios. Me deixando sozinha e levando consigo Minha maior virtude: Crer na...