Décimo Terceiro

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– Não posso atender agora, deixe seu recado. Anahí. Não Poncho... Shiu...

Encerrei a ligação sem deixar recado, não fazia sentido, eu havia deixado tantos e ela não retornara nenhum. E o simples fato dela não ter alterado a mensagem da caixa postal, já era um mau agouro que ela havia trocado de número. Ela não deixaria a mensagem que outrora, em tempos bons havia gravado comigo. Disso eu tinha certeza.

Também não fui a nossa casa, a casa dela. Certamente ela não me receberia, como das outras tantas vezes. Já fazia uma semana do nosso último encontro e desde então eu a procurara todos os dias, religiosamente. O único contato que tive com Anahí foi na portaria do condomínio onde morávamos. Depois que ela recusou me atender eu parei com o carro na frente da portaria e buzinei centenas de vezes, até que ela apareceu, dissimulada e apenas ameaçou chamar a polícia, ao me ver ali.

Ao entrar no meu carro – do ano, que agora valia menos da metade, depois da batida – joguei o paletó no banco passageiro. Agarrei as chaves dentro do bolso, junto com elas encontrei um desenho feito por Igor. O único capaz de me tolerar esses últimos dias. No desenho via-se três pessoas e uma árvore – algo que ele precisou traduzir – a primeira pessoa feita de palitinhos era eu. Sem cabelos e sem vestido. A segunda pessoa era Elizabeth também feita de palitinhos e com vestido e dois fios de cabelo, um de cada lado, o outro era mais um careca e sem vestido, porém menor. Eu achei que fosse o próprio Igor, porém ele me explicou, como se fosse óbvio que aquele era o irmão Manuel. Ele era a árvore. Afinal, na peça da escola ele tinha ganhado um papel de destaque. Árvore.

Ri com a lembrança, em momentos de tanta tormenta somente meus filhos eram capazes de me trazer um tipo de conforto. Eu não poderia renunciar a isso. Acomodei-me no banco, enfim ligando o carro e indo para casa, depois de um dia longo sem Anahí.

Assim que entrei na sala ampla encontrei toda a minha família ali, reunida. Os meninos no chão, entre folhas e canetinhas confeccionando as próximas obras de arte. Elizabeth estava no sofá, descalça à vontade. Porém o que teve o poder de me fazer sentir vertigens foi à companhia dela. Algo com poder dissolutivo de me desestabilizar.

– Anahí? – a pergunta morreu em meus lábios com um engasgar fatídico.

– Olá meu amor! – Elizabeth exclamou, cheia de sorrisos. Ela tinha o poder de forjar um casamento perfeito mesmo quando vivíamos a nossa pior crise.

Eu estava brevemente consciente da presença de Elizabeth que levantou do sofá e me beijou nos lábios, levemente.

– Exatamente. – ela murmurou confusa. – Não me lembrava de já ter falado nela. – ela franziu o cenho, em dúvida – Annie é uma funcionária e cliente que acabou se tornando amiga. – sorriu saudosa para Anahí, que retribuiu meiga. Como se fosse possível em tal situação.

Em seguida aproximou-se de mim e falou em tom de confidência, para que somente eu escutasse.

– A pobrezinha está passando por maus bocados. Estou cuidando do divórcio dela. Marido bígamo. – falou melancólica.

– Não se preocupe Beth. Estou bem. E vamos tirar cada centavo desse desgraçado lembra?

Elizabeth sobressaltou-se com a súbita proximidade de Anahí, ali tão perto, ouvindo cada palavra que ela dizia. Nem mesmo eu notei, estava aterrorizado o suficiente.

– Não pode! Ele é casado legalmente com apenas uma. – defendi-me prontamente, não conseguindo assimilar bem as minhas próprias palavras.

– Não me lembrava de ter dado tantos detalhes assim do caso da Annie a você, Poncho. – Elizabeth me fitava desconfiada.

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