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"É difícil perder-se. É tão difícil que provavelmente arrumarei depressa um modo de me achar, mesmo que achar-me seja de novo a mentira de que vivo."
- Clarisse Lispector

[ MERLIA ]

- Merlia Teixeira Summers, você está falando sério? - minha tia esbanja um sorriso de orelha a orelha. Tenho certeza que amou eu ter mudado de ideia, finalmente ela não ficaria mais sozinha.

- Sim, pensei no que disse. Ta na hora de mudar, e já que eu não vou ficar com o papai, vou ficar com você. - digo e seus olhos enchem de lágrimas. Ela vem em minha direção, e me dá um abraço. Na verdade eu achava que eu tinha mais medo do que certeza.

"Sua idiota, o que você ta fazendo?" - era basicamente isso o que meu subcontinente estava me dizendo.

- Vou amar ter você comigo, minha filha. - ela diz me apertando, e logo depois se desfaz do abraço me dando um beijo no rosto. - bom, vou começar a resolver tudo, pra nossa viajem ok? O mais rápido possível. - diz e eu apenas confirmo com a cabeça.

- Tudo bem. - digo.

- OK, vou indo, Vê se não foge! - ela diz e eu sorrio, minha tia pode ser bem maluca quando quer. No auge dos seus 36 anos, é uma mulher linda, rica, bem sucedida, famosa e principalmente maluca, muito maluca. Mais que tem um poder incrível de me fazer bem.

- Vou tentar! - grito enquanto ela se distancia da porta soltando gargalhadas. Assim que ela sai tento olhar meu estado.

Ando um pouco e me olho no pequeno espelho em formato de círculo na sala. Olheiras são visíveis no meu rosto. Aparência cansada, pálida, abatida. Cabelos parecem que não entram em uma briga com um pente a anos. Com todas certeza, poderia me descrever com um só adjetivo: deprimente.

Subo as escadas em um minuto, vou direto ao banheiro. Entro no banho, por mais ou menos umas meia hora. Enquanto a água lava a sujeira, lava também meu cansaço.

Visto uma roupa melhor do que uma calça moletom e uma camiseta larga, era um vestidinho solto, florido, maravilhoso. Escovei o cabelo, e já estava pronta, pra viver novamente. A sensação de poder dizer "voltei" era ótimo. Precisava relaxar um pouco, afinal foram dias de sofrimento pra minha alma.

Desço pra comer alguma coisa, e assistir um filme. Pego uma maçã na geladeira e me jogo no sofá. Algumas horas depois minha tia aparece com algumas sacolas na mão e um sorriso bem largo.

- Tomou banho, que milagre! - ela diz enquanto se senta ao meu lado.

- Tava precisando.

- Tava mesmo, só entre nós, eu tava com vergonha de dizer, mais você não tava muito cheirosa não. - ela diz e eu lhe jogo uma almofada, e sorrio.

- Iai, conseguiu resolver? - pergunto.

- Sim, viajaremos em dois dias. - o quê? Dois dias?

- Já? - fiquei assutada.

- Sim, tenho tanta coisa pra fazer na revista, então precisamos ir o mais rápido possível. - ela diz e eu tento relaxar. Mais só tento mesmo, porque conseguir, eu não consegui. - Bom vou subir, preciso tirar um cochilo.

Ela diz e logo sobe as escadas, me deixando sozinha novamente com meus pensamentos.

Depois de uns três filmes, e dois baldes de pipoca, começa escurecer (se bem que aqui em Forks é sempre escuro) e eu subo pro meu quarto. Não demorou muito pra me jogar na cama e dormir.

[...]

Acordei com o som do despertador no meu ouvido, nossa que barulho irritante. Nem me lembrava mais de como era acordar com o despertador, já que nunca conseguia dormir noites inteiras, sempre tinha pesadelos com minha mãe, então eu sempre acabava desligando.

Mais hoje foi diferente. O despertador me acordou, finalmente ele voltou a ter utilidade na minha vida. Continuei deitada na cama olhando meu teto, e vi que era uma das minhas últimas vezes que estaria deitada na minha cama.

Amanhã deixarei os Estados Unidos, em três dias posso dizer que terei uma vida nova, mais ainda de vez enquando, sinto aquele vazio, que eu sei que nunca será preenchido.

Escuto batidas na porta, provavelmente é tia Ana, querendo saber se ainda estou viva por sinal.

- Entra. - digo e logo a porta se abre me revelando minha amada e adorada tia.

- Conseguiu dormir? - ela pergunta, com certeza percebeu que eu não passei metade da noite andando pela casa, ou assistindo algum filme deprimente.

- Sim. Finalmente em semanas posso dizer que dormi como alguém normal. - ela sorri, mas foi um sorriso sem dente, ela anda em direção a minha cama e senta ao meu lado.

- Marleane, já está tudo pronto pra viajem, vôo, passaporte, enfim, tudo já está em seu devido lugar. Mas eu só quero saber se você quer ir, se você ta confortavel em sair de Forks agora. - por um lado eu entendi o que ela queira dizer, de tanto ela insisti eu possa tá indo por ela.

Mais não é assim! Não estou indo por ela, estou indo por mim. Porque preciso mudar, porque preciso sair daqui, dá um tempo de sofrimento.

- Tia, eu te entendo perfeitamente, mais eu estou indo por mim. Preciso sair daqui, pra ver se esse vazio que eu sinto no meu coração possa ser preenchido. - digo e ela me abraça, me abraça forte.

- Eu te amo, você é como uma filha pra mim sabia? - ela se desfaz do abraço sorrindo, algumas lágrimas escorrerem de seu rosto, mais seu sorriso é sincero e me passa tranquilidade.

- Eu te amo tia. - beijo sua testa. É incrível a capacidade dessa mulher de me fazer sentir segura, e amada.

- Agora eu vou ter que sair pra resolver algumas coisas, fica bem sozinha?

- Sim, pode ir tranquila. - sabia que precisava de companhia um pouco, mais ela tem seus compromissos inadiáveis com a empresa que não podem ser deixados de lado só porque uma garotinha mimada está deprimida.

- OK. Até mais tarde. - ela me beija na testa, se levanta e saí do quarto, e eu fico ainda parada na cama pensando.

Será que eu vou conseguir ficar bem lá? Outro país. Outra cultura. Outro clima. Outras pessoas. As chances de eu não me adaptar são grandes, mas só preciso parar de ser pessimista.

Eu vou conseguir me adaptar, vou conseguir arrumar um emprego. Eu vou gostar de morar lá. Pronto! Pensamentos positivos!

Mais isso é ser otimista, ou ser iludida?

Merlia; H.SOnde histórias criam vida. Descubra agora