Três

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Sarah passou a viagem inteira de carro do seu colégio até sua casa recapitulando o dia, estava muito feliz por Yvina ter voltado, ficaria muito melhor, mais fácil de conversar e acima de tudo o grupo teria outra mãe.

Eles já haviam decidido quem era quem naquela família louca. Sarah fora eleita como a mãe do grupo, a que dava rumo e unia-os como cola. Leo e Lucas eram os tios, Leo aquele das piadas sem graça de confraternizações natalinas e Lucas o tio legal, mas se você passasse muito tempo junto ele acabaria falando tudo o que sabia (o que nem sempre era bom). Gerson e Yvina eram os irmãos do meio ou mais novos, inseparáveis, muito íntimos (às vezes até demais) e com grandes segredos. Marcus já havia sido outro irmão, mas foi promovido para o cachorro da família, a pessoa que tinha boas palavras e que os faziam rir, sempre. Diana ficava como a filha mais velha: a famosa, popular, inteligente e cheia de talentos, como cantar, que era o seu forte.

Yvina, mesmo sendo a filha da "família", atuava como uma segunda mãe, e todos concordavam com isso. E mesmo passando pelos seus problemas ela nunca iria fazer o grupo desmoronar.

Sarah pensou nisso e sua alma se encheu de alegria e esperança, mas o que a fez passar o caminho pra casa desligada, com a cabeça encostada na janela do carro, sem escutar o que sua mãe ou irmã falavam, foi aquela cena, a conversa que tivera com aquele menino no recreio.

Ficava relembrando cada palavra falada em sua cabeça. Não deixava a imagem daquele menino saísse de sua mente, ainda o via, sonolento como o seu olhar para ela. E cada vez que pensava nas palavras, aquela conversa ficava cada vez mais ridícula do que já fora.

Queria voltar no tempo, queria ter dispensado os outros e ido pra aquele parque sozinha.

Ela iria ter chegado na frente da árvore e chamado a atenção do menino com o cabelo jogado para o lado. Teria sorrido, e poderia até fazer umas piada autodepreciativa para ele retribuir e quebrar o gelo. Sentaria do lado dele, falaria da música que ele estava ouvindo e se apresentaria um pouco antes do recreio acabar, cinco minutos para o sinal soar e ela deixaria o menino ficar com ela na cabeça.

"Mas isso não aconteceu" pensou. "E está tudo estragado, agora" se encolheu no banco de passageiro. "Queria ter uma máquina do tempo, assim seria mais fácil".

Desejou, fechou os olhos, mas apenas continuou dentro do carro na rua, voltando para sua casa. Ela sabia que lá no fundo não seria assim se tivesse uma segunda oportunidade. Sabia que sua personalidade antissocial iria agir e se sobressair, e com sorte ela conseguiria apenas passar na frente dele sem cair.

Revirou os olhos, tomou ar, e quando percebeu já estava dentro da garagem de seu prédio, aquela grande construção marrom e dourada de treze andares.

Tiveram que pegar os elevadores laterais pois o que levava na porta de seu apartamento estava em manutenção, outra vez. Quando chegaram no seu andar ela ajudou sua irmã a carregar sua mochila para fora do elevador. Olhava para o piso do grande de aço, fazendo esforço para levantar a mochila pesada, muito pesada para pertencer a uma garotinha do segundo ano do ensino fundamental, quando ouviu uma voz conhecida.

- Segura o elevador, por favor. - ela não pôde ver, e não lembrava onde já tivera escutado aquela voz grossa e nasalizada ao mesmo tempo.

Viu que sua mãe tinha deixado seu braço impedindo que a porta se fechasse, e quando Sarah finalmente conseguiu colocar a outra mochila nas costas com um último esforço, ela se virou para ver o vão deixado pela porta. Então ela pode o ver. Sua mãe e irmã a esperavam já no corredor, e ele também estava parado lá, vendo-a desocupar o elevador para que ele conseguisse enfim entrar e descer.

Luan, o menino que ela tinha mais afinidade. Ele era do seu tamanho, bem mais moreno, cabelo curto, e normalmente carregava uma expressão sorridente, mas agora fazia uma séria muito bem. Ela sabia que tinha estragado tudo entre os dois, sabia que tinha sido trouxa, sabia que tinha usado as palavras erradas. Agora os dois nem mais se falavam, fazendo os amigos em seu prédio voltarem a zero. Ela sabia que ter se apaixonado por ele tinha sido um erro.

Ele insistia em manter o olhar nela, mas ela fraquejou logo, voltou a olhar para o chão e andou ao encontro de sua mãe para chegar logo em casa.

Por um minuto lembranças dela com ele invadiram sua cabeça, não as ruins, mas as boas, como as vezes em que ele ficava com ela perto da piscina ou na grama conversando sobre tudo. Ele não morava no prédio, só perto mesmo, mas praticamente vivia lá. Ele ia todo dia pra lá, porque voltava da sua escola com um amigo e ficava um pouco no apartamento dele antes de ir para casa, isso explicava o fato dele estar com farda e carregar uma mochila, também. Nos finais de semana passava as tardes lá, rodando o condomínio com sua gangue, mas ela nunca mais o vira, ela nunca mais tinha saído, não tinha mais o motivo para isso.

Quando finalmente jogou sua mochila no canto do quarto e se jogou na cama foi que pode respirar e tirar todos os pensamentos da mente e focar apenas na fome, enquanto esperava o almoço.

O sol estava se pondo e Sarah tinha acabado suas tarefas, estava agora na sala, com sua irmã assistindo desenho, mas ela não prestava atenção na televisão pois mensagens de Gerson bombardeavam a tela de seu celular.

- G: Sarah? (14:32) - era a mensagem no topo da conversa, ele tinha mandando quando ela ainda não estava online. - G: Sarah! Tá aí? (15:04). G: Pode ler minhas mensagens? Nunca te pedi nada (16:52) - persistiu depois de não receber uma resposta.

- S: Oi. (17:01) S: O que é que tu quer? (17:01) - respondeu.

- G: Finalmente! (17:01) - pausa. - Então... (17:02).

- S: Então... o que? Foi tu que me chamou (17:03).

- G: Ah... Afs... grossa (17:04).

- S: kkk, fala logo menino! (17:04).

- G: Só queria saber mesmo... (17:05) - mandou a mensagem, mas continuou digitando. - Sobre aquele menino, tu sabe quem era? (17:06).

- S: Ah! Não ;-; (17:06).

- G: Choremos. - Sarah leu. - Ele é um gato! MDS!!! (17:07).

Sarah hesitou em responder. Gerson tinha se assumido bissexual no começo do ano, tinha passado por uma descoberta difícil, mas o grupo o acolheu da melhor forma possível. Mesmo antes de ter se assumido o grupo já mostrava uma mente aberta, e tinha uma mentalidade totalmente contra qualquer tipo de preconceito idiota que só piorava o mundo. Apesar dele ter se assumido apenas para os amigos, eles sabiam que era um grande passo.

Sarah demorou para responder, não por medo ou qualquer besteira, mas por receio do que poderia ser dito.

- S: Verdade - começou a escrever. - muito gato (17:09) - mandou.

- G: Pser... (17:09).

- S: Então... - respirou, mas decidiu mandar o resto. - tu tá gostando dele? (17:10).

- G: Ah... sla, acho que sim. - a resposta pegou Sarah de surpresa, mesmo ela já esperando por ela. - E tu? (17:10).

- Ah... sla (17:11) - respondeu por fim.

"Droga" pensou, desligou o celular e voltou a dar atenção para sua irmã. Dessa vez, com mais uma preocupação em sua cabeça.

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O Menino Da ÁrvoreOnde histórias criam vida. Descubra agora