Doze

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Era a última aula daquela segunda-feira. Então, pelo intervalo já ter acabado há uma hora, eram poucos os alunos que restavam realmente prestando atenção, ou ao menos, conseguindo entender o que a professora de química falava e anotava no quadro.

Analin Sibéria era a professora de química, e para todos sua voz era uma mistura de cantiga de ninar com uma anestesia altamente eficaz, o que fazia até os estudantes mais dedicados ser difícil manter os olhos abertos.

Sarah anotava o que era preciso, já Gerson, ao seu lado, tinha desistido de tentar aprender a matéria e continuar acordado ao mesmo tempo. O menino tentava chamar atenção de Marcus, mas o outro lia alguma coisa em seu caderno, entretido com suas próprias letras sobre o papel, talvez estava revisando alguma coisa que tinha escrito, um capítulo, provavelmente.

Não demorou muito para que o caderno de Marcus chegasse na mesa de Sarah, aberto em folhas manuscritas com um curto cabeçalho que Gerson pôde ler como “capítulo 1”, uma nova história.

O garoto ficou observando Sarah lê, e ela ria ou até corava nas vezes em que deixava de copiar algo que a professora falava e voltava-se às complicadas letras de Marcus. Quando acabou, olhou com um grande sorriso para o autor rapidamente, e logo observou Gerson, mas sem expressão voltou a olhar para lousa. Mesmo sem pedir, Gerson pegou o caderno de Marcus na mesa de Sarah, percebeu a rápida tensão no braço da garota, como se ela fosse tentar impedi-lo, mas não o fez, e Gerson conseguiu começar a ler o que seu amigo tinha escrito.

Leu tudo, desde as descrições dos próprios amigos de uma forma romantizada, até a descrição física um pouco exagerada do menino que sentava em baixo de uma árvore.

Marcus tinha descrito os acontecimentos da semana passada, de quando o grupo tinha visto pela primeira vez E, naquela quinta-feira.

Tudo era narrado de uma forma bem próxima a realidade, mas Gerson inevitavelmente percebeu que naquele capítulo seus sentimentos pelo menino foram completamente omitidos, que o romance claro da história iria dirigir-se apenas entre os personagens de Edmundo e Sarah. Uma decepção, Gerson tinha que admitir, já que Marcus nunca foi de se acanhar nas suas palavras, principalmente nas histórias que escrevia sobre o grupo de amigos, sempre despreocupado em amenizar palavras afiadas, com medo de machucar alguém, e mesmo que pareça estranho, todos concordavam que isso acabava sendo uma grande qualidade do garoto.

Mesmo que durante o processo da leitura o sorriso que Gerson tinha no rosto com o tempo muchara, ele quando finalmente fechou o caderno no último ponto final, adquiriu um sorriso amargo, mas com uma nobre tentativa de mostrar felicidade, quando finalmente devolveu o caderno para o autor do capítulo.

E assim seguiu-se os próximos minutos da aula de química, Marcus orgulhoso por suas palavras, Sarah feliz pelo capítulo, porém apreensiva sobre os possíveis pensamentos de Gerson, e o garoto mal citado na história, decepcionado, mas com uma perseverança em seu plano de não falar nenhuma palavra sobre aquilo. Mesmo assim, se alguém desse ao trabalho de observá-lo por poucos segundos perceberiam que algo incomodava o mesmo.

Nada acontecia e aquela preguiça continuava pairando sobre toda sala e alunos. Foi quando a professora parou de falar sem completar o que dizia, sem nem sequer dar continuidade a seu pensamento, e exatamente a ligeira ausência de sua voz sonífera que fez todos prestarem atenção nela, a mulher que tinha uma barriga crescida de perfil, claramente grávida, com uma criança de sexo ainda desconhecido, por escolha própria da mãe, crescendo dentro dela que naquele momento em que finalmente todos os olhos estavam voltados a ela, largou o pincel que a segundos pintava a lousa branca e com a tontura tomando-a por completo e seus olhos mais pesados que nunca, apenas deixou livre o seu corpo e caiu tentando, mas falhando, apoiar-se no quadro.

Assim que o corpo desacordado da professora caiu no chão, foi de imediato que todos os alunos presentes na sala se levantassem, alguns com uma urgência que fez algumas mesas caírem gerando um grande estrondo.

Em questão de segundos a selva estava instalada no lugar cheio de pessoas inexperientes, procurando saber o que fazer, mas sem a menor ideia de como prestar auxílio devidamente à professora. E logo a jovem mulher estava rodeada de alunos aterrorizados com o que viam.

- Alguém chama o Márison – gritaram no meio das vozes.

- E, com cuidado, peguem ela e levem-na para o corredor – outra pessoa sugeriu – Vamos, façam algo!

E assim a pequena multidão começou a se mexer, alguns indo socorrer a professora, primeiramente receosos, mas logo os mais corajosos e sensatos tomaram a frente e a carregaram, dois pelos braços, dois pelas pernas e uma pessoa segurando suas costas para sua coluna não ficar de alguma forma danificada com o percurso percorrido de dentro da sala até o banco que ficava próximo à lixeira, no corredor antes vazio.

Sarah saiu acompanhada de Gerson, Marcus, Leo e Lucas no corredor, primeiro que os outros alunos, mas ao olhar para perto às escadas, viram a mesa do fiscal, Márison, vazia.

- Fiquem aqui, vou na supervisão, tentem manter todos calmos, e sei lá, chamem os professores das outras salas – Sarah falou, deixando os três meninos para trás e que começou a andar em passos apressados para o fim do corredor, em direção da supervisão, no primeiro andar do prédio.

Quando a garota que corria olhando para o chão, tentando não tropeçar em nada, virou bruscamente seu corpo para a escada, quase não percebeu que se descesse dois degraus ela iria esbarrar com o garoto, ele, o Edmundo, que voltava do banheiro, subindo as escadas, o que parou de fazer já que viu Sarah em sua frente.

Um rápido silêncio se seguiu, com Sarah tentando gesticular as palavras para explicar da melhor formar o que tinha acabado de ocorrer, e Edmundo olhando a garota ligeiramente sem ar pela ocasião, e com seu cabelo, que vivia solto, agora preso em um coque, o que era inevitável não admitir que aquilo a tornava mais atraente.

Ele queria falar, um simples cumprimento talvez, mas não conseguia, sempre era impedido por esse turbilhão de pensamentos que sempre tinha, e aquilo que nem sabia nomear, aquele sentimento, quase uma timidez, que sempre era confundido por arrogância e orgulho.

- Analin, desmaiou, preciso... – Sarah acabou com o silêncio pouco duradouro.

- O que? – disse alertando-se, porém mais calmo do que Sarah imaginava.

- Temos que ir a supervisão, procurar ajuda – respondeu descendo os dois degraus que os separavam, e se colocando ao lado do garoto perceptivelmente mais alto, que agora sua quietude misteriosa e charmosa tinha o deixado, mas aos olhos de Sarah ainda tinha uma aparência apaixonante, o que a cada segundo sua presença a fazia ficar ainda mais apreensiva.  

Eles se olharam, um segundo compartilhando seus olhos de mesma cor, um com o outro. Então E concordou sem mais abrir a boca com o que Sarah tinha dito, e respirando fundo com um pequeno espasmo que fez seu corpo estremecer, o que Sarah não conseguiu concluir o motivo, eles desceram as escadas juntos sem mais falar.

Não demorou nada para que os dois chegassem com urgência estampada no rosto na supervisão. Sarah e Edmundo não falaram mais nada, a garota explicou para supervisora o que tinha acontecido, enquanto E conversava breves palavras com a assistente, a quem se mostrou um pouco próximo.

O silêncio entre os dois continuou, até a ajuda chegar para a professora de química. Eles surpreendentemente, continuaram próximos, apenas alguns passos os separando, mas isso acabou quando os alunos do nono ano foram liberados e Sarah e Edmundo se separaram.

O Menino Da ÁrvoreOnde histórias criam vida. Descubra agora