XIX

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FANTASMA DO PASSADO

ISABELLA ACORDOU ESPANTADA COM O frio que fazia dentro do quarto, mesmo a lareira ainda estando acesa. Tinha voltado para casa há alguns dias e nada anormal acontecera, até então. Como Rafael não estava por ali todos os dias, John e ela tiveram muitas oportunidades de demonstrar o quanto estavam apaixonados um pelo outro.

Aproveitando a ausência do anjo, o casal tinha passado algumas horas acordados naquela cama e, no momento, John dormia em sono profundo. Inquieta, ela piscou os olhos e viu uma sombra se mover na parede em frente à cama. Projetando a cabeça para frente, ela viu do que se tratava. Sentiu cada pelo do seu corpo se arrepiar. Ficou paralisada.

O garotinho devia ter apenas três anos de idade. Olheiras roxas marcavam seus olhos, que eram exatamente da cor dos de John — aquele azul raro. Seu cabelo era cor de trigo, a franja caía sobre suas sobrancelhas bem desenhadas. Vestia uma camisa branca de botões e um macacão preto. Estava todo encharcado, como se acabasse de sair da água. Sua pele era cinzenta e tinha a textura estranha, como se ele tivesse...

Tivesse... Isabella arfou, sentindo o ar contaminado com o cheiro apodrecido.

Morrido afogado!

Ela já tinha visto um cadáver de alguém que morreu dessa forma, portanto, sabia que estava diante de um.

Apavorada com a súbita paralisia, ouvia os pingos de água caírem da roupa do garoto para o assoalho. Ele cutucava a pele de John inúmeras vezes, como se tentasse acordá-lo, mas John não se movia. Seus dedos pareciam ultrapassar os limites de espaço. Apenas um espectro, um fantasma.

O barulho dos cavalos agitados no estábulo foi aumentando até tornar-se infernal. Pareciam apavorados, trotando de um lado para o outro. Até o garoto fantasma se assustou e deu as costas para John. Isabella o observou correr pelo quarto e desaparecer atravessando a parede leste. Apenas nesse momento, a jovem conseguiu falar.

— John! John! John! — ela chamava sacudindo os ombros do marido.

O ruído de passos rápidos e pesados em volta da casa, misturado a correntes sendo arrastadas, quase se sobressaía ao alarde dos cavalos.

— O que foi? — perguntou ele ao despertar.

— Tem... — Isabella respondeu sem fôlego. — Alguém... alguma coisa... lá fora!

Assustado, John tapou a boca da esposa e, colocando-a nos braços, a puxou para fora da cama. Sentaram-se no chão e ele olhou pela janela.

— O que está acontecendo? — Isabella perguntou. De certo modo, ela já sabia.

Shiii! — John sussurrou pressionando o polegar nos seus lábios. — Não faça barulho.

Batidas ocas eram dadas em todas as janelas e portas da casa. Isabella nunca havia sentido tanto medo assim, nem mesmo quando John a largou na floresta ou quando a noiva fantasma apareceu. Dessa vez, era muito pior. Ela conseguia ver o pavor nos olhos de John. E só uma coisa o deixava tão aterrorizado — o demônio do pacto.

Rafael não estava por perto para ajudá-los. Ela nunca desejou tanto que ele aparecesse. As batidas continuavam. Era como se uma multidão corresse em volta da casa, puxando correntes presas a latões de cobre.

— Estou com medo — Isabella confessou, sentindo as lágrimas descerem. John a apertou entre seus braços com tanta força que a impediu de respirar.

— Estou aqui com você, não estou? — ele disse com a voz aveludada.

— Mas está com tanto medo quanto eu.

Azul... TRILOGIA IRRESISTÍVEISOnde histórias criam vida. Descubra agora