Capítulo 12 - FAMÍLIA.

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🎶 Aurora - Maria Gadú.

                                                                 〰

     24-12

      Susie, Stella, Kelly e eu deixamos Universitária logo cedo e encaramos a viagem de quatro horas até Ibiapaba, nossa cidade de serra. Quando chegamos e cada um de nós foi para sua casa, nos desejamos feliz natal, naquele dia já não nos veríamos mais. Foi só o moto-táxi parar em frente a casa branca de fachada simples e calçada alta - a minha - para despontar, no abrir da porta verde, minha mãe, com todo aquele sentimento e o abraço que me fazia ter certeza de que havia chegado em meu lar. 

    A conversa foi longa durante e depois do almoço, meu padrasto estava lá, alguém por quem eu nunca soube dizer o que sinto, nós nunca tivemos uma conversa de verdade, nunca. Simplesmente nossa relação se baseava em cumprimentos ou nos míseros "Sim" ou "Não". Ali estava eu passando a mão pelas lombadas dos meus livros, todos guardados de forma organizada na estante que antes tinha sido da sala:

- Eu pensei em limpar todos, para tirar a poeira. - Minha mãe falava enquanto desfazia minha mala em busca de alguma roupa suja. - Porque sei aquela tua mania de "livro não sei de quem aqui, livro não sei de que ali..."

Eu ri.

- Não é mania, mãe. Eu já falei que se você também fosse viciada em leitura, tirando as suas revistas de fofocas das celebridades, novelas e receitas, também iria entender.

  Minha mãe, sem sombra de dúvida, era a pessoa que eu mais amava nesse mundo, nossas vidas foram marcadas por fases de separação...

 Assim que minha avó morreu, quando eu tinha cinco anos, fui mandado para a casa de minha tia, até hoje não sei o motivo, apenas fui, minha mãe sofria enquanto me preparava para ir embora, ela não queria, mas era preciso... Porque? Ela ficou sozinha com meu vô. Eu fui. 

  
   Era Copa do mundo, cheguei na casa de meus familiares durante um jogo do Brasil, o clima de vitória fez com que eu fosse recebido em festa, mas as semanas passaram e a saudade bateu, saudades de casa e principalmente de minha mãe;  acredito que tenham sido os anos mais difíceis para mim, me senti solitário, foi então que descobri o quanto o ser humano pode ser cruel, até então só havia conhecido o amor, mas aqueles anos me mostraram um lado duro: Minha tia era uma mulher severa, me olhava de cara feia, ria de mim, me deixava sozinho nas tardes de domingo e quando escurecia eu tinha medo de ficar  só dentro de casa, os vizinhos também eram familiares, mas para ser sincero, eu tinha medo deles, já tinha ouvido eles comentarem que eu ia ser uma "bichinha", "viadinho"; e riam; eu não podia chorar que já era julgado: "Não é homem? Só sabe chorar! Seu fraco!"; Mas eu não aguentava, tinha que chorar, às vezes aguentava por dias, mas quando desabava, chorava tudo. Meu primos variavam entre amigos e opressores, minha tia e seu marido me agrediam com suas palavras e piadinhas; mas quando minha mãe ia me visitar a coisa mudava, todos mantinham um sorriso terno no rosto e demonstravam para comigo um amor que era nojento por ser falso:

- Eu conheci alguém, Arthur.- Ela me dizia passando as mãos em meus cabelos, que até então eram encaracolados.
- Alguém? Quem?
- Você vai conhecer.
  Eu queria contar pra ela tudo pelo qual eu passava, como eu era tratado, mas tinha medo. Sofri sozinho.

- Mãe. Me leva embora daqui.
- Eu levar, Arthur. Mas tenho que esperar tudo ficar certo. Tudo bem?

  Geralmente minha mãe chegava na Sexta e ia embora nas duras manhãs de domingo... de repente eu caía no sono sentindo seu cheiro e calor com minha cabeça recostada no peito dela e acordava com o vazio do meu lado, talvez, antes de sair, ela tivesse passado a mão em meu rosto e me dado um beijo; será que chorou no caminho de casa tanto quanto eu chorava por não tê-la ali? Olhei embaixo da cama a mochila onde guardei todas as minhas roupas, sempre tinha aquela esperança de ir com minha mãe e me livrar daquele inferno. Bastava ela ir embora e tudo voltava ao normal. Quantas vezes saí no meio da noite por não aguentar tantas críticas e humilhações?  Leão, o cachorro que tinha lá, era quem estava do meu lado quando, de longe, na velha cerca de arame farpado, eu via os fogos de artifício anunciando que era Ano-Novo... Uma vez tive que correr o máximo que pude porque acenderam um fósforo e jogaram sobre meu cabelo... Corri... As lágrimas nem saíram no primeiro momento... Corri... Talvez agora estivesse longe o bastante para chorar. Ajoelhei no chão, lágrimas sobre a areia; peguei um punhado de terra e jurei que me vingaria de cada um que me fazia sofrer daquele jeito, acho que tinha visto aquilo em alguma novela. Comecei a alimentar sentimentos de vingança, queria vê-los sofrer também, e eu era apenas uma criança que gostaria de ser feliz, de brincar e não ser julgado... Por que as pessoas preferiam ser cruéis ao invés de amorosas? É tão difícil assim?
 
  Um dia lembrei dos livros que deixei em casa, todos presentes de minha tia- Que morava em outro estado e era a melhor tia do mundo.- Lembrei do quanto ler era maravilhoso e passei a sempre pegar livros na biblioteca, servia como uma fuga da realidade, e eu conseguia: Sentava encostado no tronco de um cajueiro, sua sombra era propícia, o Leão deitava ali do meu lado como se quisesse ouvir aquela história e eu lia pra ele, de vez em quando ele balançava as orelhas para afugentar algumas moscas que insistiam em pertubá-lo, juntos fomos ao Sítio do Pica-pau amarelo, fizemos uma viagem ao centro da terra, duas mil léguas submarinas, conhecemos o País das Maravilhas... À partir daquele momento eu não quis somente ler livros, quis também escrevê-los!

Se aceita, vaiOnde histórias criam vida. Descubra agora