Lucian Galahad detestava aquele lugar, odiava estar ali e a fina chuva fria e insistente que caía só piorava tudo. Ashmore era miserável e decadente. A maioria do povo daquele lugar sofria e lutava para sobreviver. Toda a confusão tivera início pois o inexperiente rei Henrique decidira que o Duque Charles Harris não tinha capacidade de administrar aquela terra então ordenou que Lorde Antony Powell tomasse Ashmore para si. O tolo Charles resistiu, mesmo sabendo que seu militario não seria suficiente para se defender, causando a morte de tantos soldados em vão. Como última esperança o velho convocou mercenários oferecendo uma recompensa que certamente não tinha para dar. Foi esta a deixa que Lorde Powell precisava para acionar o grupamento de Lucian, a Ordem do Dragão Escarlate.
A Ordem era composta pelos melhores homens de Lorde Antony Powell. Despachados tão somente fosse necessário o uso de pressão intensa contra o inimigo. E foi o que aconteceu, permaneceram nas bordas da fronteira entre Ashmore e Westphalen, dando cabo dos mercenários que atacavam as pequenas comitivas de suprimentos que eram enviadas aos acampamentos dos soldados. Era inacreditável, mas estes malditos mercenários por diversas vezes haviam atacado seu próprio povo. Alguém tão asqueroso a ponto de convocar homens sem honra nenhuma para uma guerra não merecia governar nem mesmo as próprias calças!
Agora após um mês de incursão, exterminando qualquer bandido disfarçado de guerreiro que vissem pela frente a Ordem do Dragão Escarlate voltava para casa, afim de descansar e reagrupar-se. A armadura de Lucian aparentava estar bem mais pesada do que realmente era, mas não se daria ao luxo de remover o elmo sequer. Mesmo já na borda da fronteira ainda haviam riscos de serem atacados e preferia manter seu rosto como estava e sua cabeça no lugar. Pensava em toda a dor e miséria daquele lugar e acreditava estar fazendo um bem maior para todo o povo enquanto o Rei Henrique se ocupava se divertindo desavergonhadamente com concubinas. Sentiu uma pancada surda no ombro da armadura e percebeu que seu melhor amigo, Christopher Garrison havia se aproximado, com sua costumeira efusividade.
- Hei, irmão! Tem estado disperso... Já sei, certamente pensa em Violet! Ela deve estar uma pilha de nervos, esperando ansiosa para que chegue logo!
Lucian Bufou.
- Penso em como nosso amado rei parece ignorar totalmente a situação de seu povo, mesmo tendo o poder de acabar com esta maldita luta em um piscar de olhos! - Respondeu, taciturno.
- Oras, Lucian! Ele provavelmente está ocupado segurando ancas largas sobre seu colo real agora! - os homens riram, num uníssono. - Deixe o trabalho sujo para cães de caça como nós!
Christopher era filho bastardo de um membro da corte com uma empregada simplória. Fora criado pelo pai, mas não teria direito de brigar pela herança com os irmãos que eram filhos do casamento legítimo. O melhor que poderia conseguir era um cargo de destaque na cavalaria e suas habilidades com a lança haviam contribuído muito para isso. O sorriso cativante e sua conversa carismática faziam com que as moças caíssem em seus braços sem nem mesmo pensar duas vezes e sob seu comando ferrenho os homens jamais ousavam titubear.
- Lucian, você deve rir mais, beber mais, foder mais...aproveitar a vida, meu amigo! As vezes duvido que tenhas apenas vinte e seis anos. Age como um velhote!
- Tenho responsabilidades Christopher e coloco elas antes de tudo em minha vida.
Na verdade até que gostaria de aproveitar um pouco mais, mas a rotina constante de administração de sua propriedade, unida aos treinos incessantes e também ao temperamento tempestuoso de Violet o privavam de muita coisa. Na verdade agora sentia-se quase um padre diante a tanto tempo de celibato.
Seu cavalo se agitou e empinou, assustado com um vulto que rolou pela ribanceira ao lado da estrada e passou como um raio, adentrando a floresta. Instantes depois duas dúzias de homens pulavam das árvores. Uma emboscada? Deixaria a luta nas mãos de seus experientes companheiros, mas certamente o pivete usado como embuste não escaparia! Incitou o animal para dentro da floresta, deixando os soldados confusos para trás.
Os galhos de folhas densas e pesados pela água da chuva batiam sem causar dano algum na armadura negra de Lucian, mas diminuíam a agilidade do fedelho desgraçado. Cogitou em passar o corte da espada e eliminar a criatura de uma só vez, mas pensou melhor, torturaria-o apenas pela audácia de surpreende-los assim! Seguiu o moleque encapuzado até uma clareira que dava de encontro a um rio. O fedelho pularia ali e a correnteza se encarregaria de fazê-lo desaparecer. Num ato impensado Lucian se impulsionou para frente na cela, atirando-se pesadamente sobre o menino, prendendo-o de barriga para o chão.
Levantou-se, puxando o prisioneiro pelo capuz, arrancando-o no processo.
Uma nuvem de cabelos escuros e molhados derramou-se em cachos grandes e generosos. Uma mulher?
Lucian forçou-a a se virar, surpreso. Mesmo coberto de lama o rosto deixava transparecer a beleza da moça. Lábios carnudos vermelhos como morangos maduros, a pele muito alva era lisa como a de uma criança e os olhos arredondados eram rodeados por fartos cílios negros, suas íris tinham um azul tão claro e límpido que mais pareciam um riacho raso. As bochechas estavam coradas pelo esforço da corrida. Ela lembrava muito uma boneca de porcelana: uma beleza pura e inocente que nem toda a sujeira conseguia esconder. A mulher o encarava com a altivez de uma rainha, os lábios entreabertos, ofegantes e as sobrancelhas perfeitas erguidas em confusão. Ele imediatamente sentiu como se todo o mundo desaparecesse e o que restasse fosse apenas aquela menina extraordinária a encará-lo.
Depois de segundos que pareceram uma eternidade, Lucian finalmente a arrebatou, jogando-a por cima do ombro.
***
Gisele não podia acreditar! Havia escapado da panela diretamente para as labaredas incandescentes! Depois de ter saído de sua antiga vila andou ainda pela floresta. Entendia um pouco de caça e pôde se virar bem no início, mas logo o frio começou a apertar. Em pouco tempo encontrou um grupo de ciganos que se aproveitavam de sua aparência para ludibriar jovens soldados em estalagens, distraindo-os e também servindo de isca na estrada. Durante duas semanas viveu assim, até hoje. Estes homens certamente eram de Westphalen, e a cor vermelha nos estandartes e mantas dos cavalos denunciavam algo apavorante: Dragões! Havia sido poupada do estupro pelos ciganos, mas agora certamente seria usada pelos inimigos. O gigante de armadura negra frustara sua evasão e a chance de fugir pelo rio havia sido desperdiçada. Agora se via sendo carregada de volta para a estrada e nada poderia fazer.
A cena que encontrou foi chocante. Os homens que a usavam como isca estavam todos despedaçados pelo chão. Poças de água misturada a sangue e lama sobre o casco dos cavalos. Os Dragões haviam dado cabo da trupe de bandidos sem o menor esforço. O cavaleiro negro a colocou de pé no chão. Os outros homens riam divertidos enquanto montavam em seus animais.
- Lucian! - um deles Exclamou. - Vejo que conseguiu um prêmio! É realmente uma beleza... É um homem de sorte! Deveria ter sido eu a me embrenhar na mata!
Todos os outros riram do comentário indelicado deste que parecia ser superior a eles, mas não ao homem que a carregará, o de armadura escura, a qual era visivelmente mais trabalhada e feita num material mais nobre.
Essa era sua chance! Aproveitaria enquanto eles estavam distraídos se gabando e correria para dentro da floresta novamente. Estavam todos distraídos e não se acomodariam a tempo em suas montarias, também não teriam fôlego para segui-la a pé por causa das armaduras. Respirou fundo e forçou ao máximo os músculos doloridos das pernas, mas antes que pudesse empreender fuga foi agarrada pelo braço e atirada com força contra o chão enlameado. O cavaleiro negro que até então permanecera silencioso e alheio as brincadeiras finalmente se manifestou.
- Onde pensa que vai? Você agora é minha! - Disse com firmeza e convicção.
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O Toque da Maldade (FINALIZADA)
ChickLitCapa por ANNARODRIGUESS O que você faria se fosse obrigada a virar para o lado inimigo? Gisele morava com os pais numa humilde fazenda nos limites do condado de Ashmore. Um dia, cavaleiros das terras vizinhas atacaram sua vila, dizimando todos os s...