Por dois dias a rotina se manteve igual . Gisele aproveitou o tempo livre para ajudar nas tarefas da casa. Irma havia lhe ensinado muitas coisas e as duas passavam bastante tempo juntas. Os enjôos não davam trégua e estavam tornando suas noites muito difíceis. Passava longas horas acordada e nunca conseguia acordar cedo pela manhã. Foi no início do terceiro dia que ela teve uma surpresa...
- Levanta, porca!
Gisele sentiu um forte puxão de cabelo, ainda deitada na cama
- Tens trabalho a fazer! Não ache que vai ficar aqui como a senhora da casa, apenas usufruindo do que não lhe pertence!
A voz firme de Violet e também suas maneiras terríveis eram inconfundíveis. Gisele abriu um dos olhos e encarou a mulher, que ainda usava o conjunto de chambre e camisola. Os cabelos grossos e lisos estavam presos em uma trança que caía por cima do ombro.
- Leve água até meu quarto, quero tomar banho! Se não aparecer lá em menos de dez minutos virei te arrastar pelos cabelos! - Saiu pisando duro, sem dar oportunidade a Gisele de falar coisa alguma.
De natureza pacífica e coração bondoso Gisele fazia de tudo para evitar brigas, ainda mais com a verdadeira dona da casa. Levantou-se sem nem ao menos se trocar e desceu até a cozinha. Lá deu de cara com Irma, que mexia um caldeirão de mingau de aveia.
- Bom dia, menina! - Irma observou enquanto a outra enxia um balde com água fervente. - Se deseja tomar banho por que não pede que lhe subam água?
- Não é para mim, Irma. Violet pede. - Gisele carregou o balde com certa facilidade. Estava acostumada ao trabalho braçal.
- Oras, minha querida! Não precisa fazer isto! Lorde Lucian deixou bem claro que aqui a senhorita não era uma empregada! - A mulher disse, irritada.
- Lorde Lucian não está aqui, velha abelhuda. - Violet apareceu na porta da cozinha, com o gato nos braços. - Se reclamar demais ou se meter onde não deve terei o prazer de lhe mostrar o caminho da rua! - Dirigiu-se agora para Gisele. - Ande, meretriz! Não quero ter que vir buscá-la novamente!
Gisele subiu arrastando o balde, sendo precedida por Violet. Entraram as duas no suntuoso quarto com decoração clara e de extremo bom gosto. Era o único cômodo da casa onde Gisele ainda não havia tido acesso. Ficou maravilhada com a beleza das pinturas nas paredes e as jóias vistosas sobre a penteadeira.
- Gosta? - Violet apanhou uma bonita pulseira de pérolas e chegou mais perto, para que Gisele pudesse examinar.
- É muito bonita! - Lucian já havia lhe oferecido mimos algumas vezes, mas Gisele não se acostumara a usar aquelas coisas, apesar de achá-las lindas.
Violet propositalmente deixou cair o adorno dentro da tina de água fria.
- Ops. Pode pegar, por favor? Não ando bem das costas...
Gisele pousou o balde no chão e se abaixou na frente da tina, esticando o braço para pegar a pulseira, que afundara na água cristalina.
Ao fazer isto foi surpreendida por Violet que a segurou pelos cabelos, afundando sua cabeça na água fria e mantendo-a submersa por um bom tempo. Gisele lutava e se debatia para erguer o rosto, mas a outra a tinha em posição de desvantagem. Quando pensou que fosse desfalecer ali mesmo Violet finalmente a soltou, rindo.
- Morta de fome, você é engraçada... - Ficou séria. - Pérolas não são para os porcos, e nem o quarto principal da casa. Você se muda hoje mesmo para o sótão, e se tiver alguma objeção vai lá para fora, na cabana dos criados! Termina de encher a banheira e suma daqui, mas fique por perto. Te chamarei quando precisar que me vista.
Gisele apenas assentiu e saiu para o corredor. Só quando teve certeza de que saiu das vistas da maligna permitiu-se chorar.Não tinha certeza se aguentaria toda a pressão moral exercida pela outra, e clamava para que Deus lhe desse sabedoria, para enfrentar os abusos que ainda estavam por vir.
Por toda a semana Gisele foi perseguida e humilhada das mais diversas formas possíveis. Violet a obrigava a sair diversas vezes ao mercado, ordenando a cada minuto que trouxesse uma coisa diferente e sem nenhum uso para ela. Escondia coisas na lama do chiqueiro e no chão do galinheiro, obrigando-a a procurar. Fazia com que Gisele limpasse repetidas vezes seus acessórios de prata, jogava líquidos propositalmente no chão de seu quarto para que a outra limpasse, até quinze vezes por dia, o mesmo lugar. Nenhum empregado ousava questioná-la, temiam perder o emprego e, sem recomendações, não conseguirem achar outro.
Em um dia qualquer Gisele foi tirada de suas tarefas por mais um grito autoritário de Violet.
- Prostituta, vamos hoje a um chá na casa de uma amiga da família. Não precisa se arrumar, seu lugar não será a mesa, com os seres humanos. - Disse fazendo um gesto displicente com a mão. - Por agora quero apenas que passe meu vestido azul.
- Como desejar. - Baixou a cabeça.
Com a posição submissa não pôde reagir a chibatada que lhe acertara o rosto com violência. Violet acabara de lhe bater na face com um pequeno chicote de montaria.
- De todas as coisas que me irritam em você este maldito sotaque é o pior! Se fechar meus olhos enquanto fala posso imaginar que é um marreco a gasnar atrás de miolo de pão! Isto aliado ao cheiro horrível de urina de cavalo que emana dos teus cabelos. Aliás...
Violet agarrou Gisele, fazendo-a sentar na cadeira de frente a penteadeira. Foi até a gaveta da cômoda, apanhou uma tesoura e pôs-se a cortar as belas ondulações dos cabelos da outra, na altura do queixo. As longas mexas caíam no chão enquanto a menina chorava silenciosamente. Não tinha escrúpulos para reagir e nem vontade. Continuava rezando para que Deus lhe desse a paciência necessária, pois Violet apenas sentia-se intimidada e provocá-la só pioraria tudo. Assim que a sessão de humilhação acabou, Gisele pegou o vestido e desceu até a área reservada para os serviços domésticos. Lá Irma se surpreendeu ao ver a amiga com os cabelos bem curtos.
- Meu Deus...o que houve? - estalou a língua. - Ah, isto já foi longe demais! Falarei agora com Lady Violet e exigirei que lhe trate com mais respeito!
- NÃO! - Gisele se interpôs na frente. - Não faça isso! Enfurecê-la só pioraria as coisas, e eu não quero que você também sofra com a ira dela. - Gisele piscou os olhos, afastando o choro. - Cabelos crescem, não há nada de errado nisso.
- Oh, minha flor! Pelo menos permita que eu acerte as pontas para você!
Gisele assentiu. Irma apanhou uma tesoura e lhe ajeitou o corte, fazendo uma espécie de chanel.
- Não ficou tão ruim. - Sorriu.- Lorde Lucian ficará surpreso, e furioso! Violet não perde por esperar!
- Já eu clamo para que ele não seja muito rude com ela. Violet quer atenção e dar esta atenção a ela só a fará mais forte. - Gisele respondeu. - Ignore-a e ela logo perderá o interesse, como quem despreza um brinquedo velho.
- Você é muito sábia, Gisele. Apesar de tão nova já é tão experimentada e íntegra. Meu senhor fez bem em te escolher para viver ao lado dele. Somente a peste de sua irmã estraga tudo! Mas se apresse, antes que a víbora venha lhe buscar!
Gisele correu a atender o pedido de Violet, já prevendo que esta armaria alguma situação vexatória para ela na casa de estranhos. Mas em sua cabeça isto era apenas uma provação, bem menos pior do que tudo o que passara até o momento em que conhecera Galahad.
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O Toque da Maldade (FINALIZADA)
Romanzi rosa / ChickLitCapa por ANNARODRIGUESS O que você faria se fosse obrigada a virar para o lado inimigo? Gisele morava com os pais numa humilde fazenda nos limites do condado de Ashmore. Um dia, cavaleiros das terras vizinhas atacaram sua vila, dizimando todos os s...