Vinte e três: Corra, Aaron, corra.

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O parque Hyde cantava uma canção pavorosa e apreensiva. Seu coro era feito pelos ventos uivantes, que participavam de uma maratona enquanto cantavam com seus pulmões preenchidos pelas folhas avermelhadas, que manchavam também a grama verde. A grama aplaudia a performance, as árvores dançavam uma coreografia em perfeita sintonia. Como se houvessem ensaiado esse momento por anos à fio.

Minhas botas batiam contra o cascalho úmido pela chuva recente, traziam comigo tudo que desejava deixar para trás. Todos os monstros malignos seguiam-me, desde meus primeiros anos de vida sofrida, até os dias de hoje, onde encontrava-me o ápice do desespero.

A visão da árvore levemente inclinada e de galhos grossos trazia-me um sorriso sincero ao rosto.

Seus galhos formavam um guarda-chuva, tão útil nesta cidade chuvosa quanto qualquer outra coisa, suas raízes abraçavam-me como os braços de uma mãe carinhosa, o que fazia-me lembrar-me da minha.

Sentei-me no abraço materno e sábio daquela árvore que trazia-me tantas lembranças.

Uma garota ruiva deitada na grama, rosto preso entre as palavras de um livro antigo e grosso.

Agarrei-me ao conforto de minhas próprias lágrimas, deixando os tremores tomarem conta de meus nervos e sentindo meu coração implorando por um fim.

Esse sentimento, ou melhor, a ausência de todos os outros, tomava conta de mim há muito tempo agora. A ausência de si mesmo é tão dolorosa quanto a dor, tão dolorosa que massacra-me de dentro para fora e, em seguida, de fora para dentro novamente. Ao final de mais uma semana não há absolutamente nada além de um imenso buraco negro que suja-me a alma bastarda.


UM GALHO estreito atingiu-me o rosto, manchando-me a pele alva com resíduos de plantas e poeira.

- Merda! – Vociferei enxugando uma gota grossa de suor que descia-me pela testa vasta em demasiado e limpando o local atingido.

Sentia o peso excessivo em minhas pernas que, a cada minuto pediam por um descanso prolongado.

- Você deveria perder alguns quilos antes de meter-se em problemas. – Comentara para o homem um tanto rechonchudo na região abdominal. – Todos sabem que, o que limpam as sujeiras, são os magricelas. – Adicionei com humor sádico.

Largara o corpo na lama e afastara-me dele por alguns segundos. Esticara as costas, ouvindo um curto estalo de alívio.

- Já deixarei-o em paz. – Anunciara para o corpo inerte que estendia-se no espaço apertado de duas árvores situadas alguns minutos para dentro da mata.

Agachara-me com certa dificuldade, sentindo uma pressão na região lombar, limpara algumas outras gotas quentes de suor com as costas de uma das mãos e fitara o rosto, que há tanto tempo fora esguio e sem pelo algum, hoje repleto por uma barba mal feita e um bigode antiquado.

Nunca imaginara que, algum dia, mancharia suas mãos com o sangue deste homem tão fiel à George Moore. Este homem que fora colega de quarto, companheiro, financiador e, hoje, sócio de George Moore.

Nunca imaginou que o amor poderia ser um cruel assassino.

Mas, às vezes, certos crimes devem ser cometidos para que alguns aproveitem a paz e a ganância, e outros, o sofrimento e miséria.

- Merda! – Dissera alguém perto dali. – Merda! – Repetira com voz assustada.

Alfred Snyder sentira a espinha esticar-se com pressa em demasiado, sentira seu estômago revirar e encolher, sentira o dever bater-lhe a porta.

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