MURILO

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"Ninguém pode ser escravo de sua identidade: quando surge uma possibilidade de mudança é preciso mudar."



— Como assim um quiz? — Perguntou Murilo com a voz cansada e baixa, o que indicava que o menino estava com o pé atrás sobre a ideia de fazer um quiz.

Murilo sempre foi meio atrasado para tudo desse mundo atual de jovens. Nunca foi de ter amigos e isso sempre dificultou sua maneira de socializar com as outras pessoas. Ás vezes ele até chegava a achar que ele era um velho de oitenta anos, aprisionado em um corpo de dezessete. O que era totalmente bizarro.

— Você já brincou de verdade ou desafio? — Perguntou Tomaz encarando Murilo e sem retirar as mãos das coxas do rapaz.

Murilo balançou a cabeça afirmativamente mentindo. Ele nunca havia brincado, mas sabia do que se tratava o jogo. Ou pelo menos achava que sabia do que se tratava. Ele suspirou fundo e deu um sorriso amarelo.

— Então é basicamente isso, só que sem os desafios, vai ser mais um: verdade e verdade, nós vamos comentar sobre nossas vidas, vamos nos conhecer, fazer essas coisas que amigos fazem. Nós precisamos saber um do outro para que nossos laços fiquem mais fortes, precisamos ser amigos para que isso dê certo, e não ficar parecendo que somos dois estranhos. Você entende?

Murilo balançou a cabeça em afirmativa. Ele entendia, só não tinha certeza se gostava do fato de contar sobre sua vida, suas verdades para um desconhecido. Já bastava ter contado sobre sua maior desilusão. Caramba. Ele pensou. Foi só nesse momento que a ficha do que sua avó sempre lhe disse caiu. Será que... Nós somos mesmo bruxos? Não podia ser. Ele achou que estava beirando a loucura, e resolveu enterrar o assunto. Provavelmente era o estresse daquele dia.

— Esta sendo muito fácil enganar os meus pais, mas enganar os meus amigos vai ser bem mais difícil. Eles são mais espertos e sabem muito mais sobre o Rafael. Então nós precisamos estar unidos para driblar tudo isso. Você vai precisar confiar em mim, e eu vou ter que confiar em você, só assim isso vai dar certo. — Falou o garoto ajoelhado e apertou a coxa de Murilo sem força.

Murilo por sua vez encolheu o corpo e tentou se levantar.

— Você poderia parar de apertar minha coxa? É que isso é muito intimo e estamos sozinhos. — Murilo falou sério e encarou o garoto ajoelhado em sua frente.

Tomaz riu.

— E qual o problema? Estamos falando sobre confiar um no outro.

— Mas confiança não tem nada a ver com contatos físicos em áreas... — Que me excitam, pensou o garoto. Eu sou um virgem e qualquer toque me deixa excitado, então, por favor, não me toque. Ele continuou encarando Tomaz.

Tomaz pareceu ler os pensamentos de Murilo, pois riu com uma cara de sacana.

Murilo ficou ainda mais incomodado.

— Está bem, vamos jogar o seu quiz, mas antes eu preciso tomar um banho, me sentir mais limpo. Eu estava sentado naquele chão sujo da rodoviária. Queria poder tomar um banho, trocar de roupa e então conversamos, essa é a minha condição, agora tira a mão da minha coxa. — Murilo falou baixo tentando convencer o colega em sua frente a se levantar.

— Mas é claro estou totalmente de acordo. Acho válido, enquanto você toma banho eu vou lá à sala sondar minha família. Espero que eles não tenham ouvido que você não me deixa te tocar. — Tomaz gargalhou e se levantou do chão. Arrumou a calça que estava caindo e mostrando o cós de sua cueca.

Murilo desviou o olhar e fitou o quarto. Era bonito, num tom azul claro com poucas informações, mas muito bem elaboradas. Então algo chamou sua atenção. "Uma cama de casal." Pensou o garoto. "Isso quer dizer que...".

— Onde é que eu vou dormir? — Ele perguntou sério e aflito. Não tinha certeza, talvez o outro tivesse um colchão embaixo da cama, ou quem sabe um quarto de hóspedes.

Tomaz sorriu debochado e apontou para a própria cama. O garoto pareceu estar se divertindo com a carranca conturbada e confusa que Murilo fez.

— Antes eu tinha uma cama de solteiro, mas meus pais insistiram para que colocar uma de casal aqui no quarto. Eles acham que o Rafael ficaria mais confortável dormindo comigo, do que em um dos quartos de hóspedes. Eles são tão liberais, né? Às vezes isso me irrita. Eles são liberais demais quando o assunto acontece aqui dentro de casa. — Tomaz falou sério, mas depois riu e passou as mãos nos cabelos.

Murilo ficou ainda mais incomodado.

— Então quer dizer que nós vamos dormir juntos? — Ele perguntou baixo, então teria que dormir na mesma cama que uma pessoa que ele havia acabado de conhecer. Era o preço que pagaria por ter aceitado aquela maluquice toda. — Entendi, fui eu que aceitei isso, então tudo bem.

Murilo ficou murchinho e com as bochechas coradas, enquanto Tomaz gargalhou.

— O banheiro fica atrás daquela porta! — Tomaz indicou uma porta marrom escura no canto do quarto e olhou de volta para Murilo. — Lá na gaveta esquerda embaixo da pia, tem tudo que você vai precisar, mas se quiser usar suas próprias coisas fique a vontade. Eu vou deixa-lo um pouco sozinho, você está ficando verde e parece querer desmaiar.

O garoto riu e saiu do quarto.

Murilo sentou-se na cama e inclinou o corpo para frente colocando a cabeça entre as pernas. Ele parecia mesmo querer vomitar. O garoto passou a respirar profundamente e lentamente. Estava sentindo-se sobrecarregado eram informações demais para um dia só, ele não estava conseguindo lidar com tudo aquilo. Primeiro tomou um fora do namorado, o cara que ele mais amou em sua vida. O único para ser mais exato. O cara que ele esperou para estar nos braços por cada maldito dia horrível que teve no último ano, e então o imbecil apenas foi embora.

Ele não aguentou e deitou-se de costas sobre a cama, olhou o teto e passou a chorar. Murilo virou-se de lado e se encolheu em posição fetal abraçando as próprias pernas. Ele precisava aliviar. Naquele momento sentiu-se como o fracassado que todos na escola diziam que ele era. O que ele estava pensando? Acreditou mesmo que um cara bonito como Daniel fosse dar bola para ele na realidade? O mundo virtual é totalmente diferente do mundo real, era uma das coisas que ele tinha que anotar em sua listinha mental.

Como você é idiota! Ele gritou para si mesmo em pensamento.

Abraçou um dos travesseiros que estavam sobre a cama, mas logo o colocou em seu rosto, tentando abafar seus soluços. Ou quem saber morrer asfixiado depende do ponto de vista.

E agora? O que você está fazendo? Está se passando por outra pessoa só para não voltar para casa e encarar seus problemas? Você é só um derrotado, Murilo. A porra de um derrotado.

A frustração é um dos piores sentimentos.

MURILO BEIJA GAROTOSOnde histórias criam vida. Descubra agora