MURILO

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"Tenho sido um estranho desde que nos separamos. E sinto-me tão desamparado aqui. Veja, os meus olhos estão cheios de medo. Diga-me, você sente a mesma coisa? Ponha-me nos seus braços de novo".


Murilo ficou deitado à noite toda sem conseguir dormir. Não apagou a luz do quarto e ficou olhando o teto. Viu luas, estrelas, e até um cometa. Aquelas coisas estavam ali coladas no teto desde a infância do garoto. O seu pai que tinha colado àqueles adesivos fosforescentes para que Murilo não ficasse assustado à noite, para que não se sentisse sozinho nunca.

O garoto rolou pela cama e sorriu falando sozinho. Ele tinha essa mania sempre que estava nervoso, ansioso, apreensivo ou feliz. Ou seja, ele falava o tempo todo sozinho.

— Eu nem acredito nisso. Parece um sonho, em algumas horas estarei com ele. Somente eu e ele. Fazendo tudo que sempre prometemos.

O garoto sorriu sozinho, e não parou de pensar em Daniel. Ficou mais algum tempo ali sorrindo feito bobo e falando sozinho, e assim adormeceu.

Murilo acordou no primeiro toque do despertador, ainda estava escuro no quarto e lá fora, já que era só quatro da manhã. Ele se espreguiçou totalmente desperto e pulou da cama, sorriu se olhando no espelho da porta do guarda roupa e piscou devagar antes de bocejar. Ele sabia tinha que se arrumar logo.

O seu pai era pontual em tudo e as quatro e trinta sairiam para a rodoviária onde Murilo iria tomar o ônibus rumo a São Paulo. Ele correu para o banheiro do quarto e tomou um banho quente e rápido. Saiu somente de toalha e pingando água pelo chão do banheiro e do quarto, não demorou se arrumando e logo estava pronto. Murilo olhou para si mesmo no espelho. Estava bonito. Ou pelo menos o máximo de beleza que ele conseguia.

O menino não se achava bonito, mas era. A pele cor de caramelo, um lindo mulato, os cabelos crespos e cacheados bem arrumados num estilo afro. Ele sorriu para si mesmo exibindo uma bela dentição branca. Murilo nunca foi forte, era magrinho, muito magrinho e um pouco alto para sua idade, mas tinha uma bunda um pouco avantajada para o corpo magro. Ele jogou a jaqueta jeans sobre o corpo e puxou sua grande mochila colocando-a nas costas. Pesada demais. Pensou ele. Afinal era apenas um mês. Ficaria fora só um mês, talvez estivesse levando coisas demais.

Murilo deu de cara com o pai que estava sentado tomando um café, assim que saiu do quarto. O homem levantou o olhar e encarou o filho. Ele apontou para a mesa e disse.

— Não vai comer nada antes de sair?

— Não vou não, pai, estou sem fome, eu acho que ansioso, mas estou levando lanche na mochila e como no ônibus se sentir alguma fome, não se preocupe. — Ele disse sorrindo para tentar disfarçar seu nervosismo. — Eu vou levar minha mochila para o carro. Onde está a chave?

O homem sentado à mesa e com uma cara inchada de sono indicou a mesa de centro com a cabeça, e o garoto caminhou até lá em passos rápidos, ele pegou a chave e saiu pra fora de casa.

O sol já dava sinal de vida ao longe e o vento era meio úmido naquela manhã. Murilo olhou para as plantas no quintal ainda molhadas pelo orvalho da noite. Ele não via algo assim há muito tempo, desde a infância quando acordava cedo para brincar pelo quintal. O menino abriu a porta traseira da caminhonete e jogou a mochila lá dentro. Sorriu para si mesmo. Era o momento.


Em pouco tempo os dois estavam na estrada em direção à rodoviária de Araraquara. A viagem foi silenciosa, e nenhum dos dois falou muito. Murilo passou o percurso inteiro olhando a paisagem que ficava pra trás por onde o carro passava e seu pai ficou focado na estrada. Os dois respondiam apenas perguntas necessárias que um fazia para o outro.

MURILO BEIJA GAROTOSOnde histórias criam vida. Descubra agora