MURILO

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"Você não sabe como é ruim, desejo pra ninguém, viver nesse calor infernal. E todo mundo te usar, como garoto propagando para todo mal que existe nesse mundo. Será que alguém me entende? Mesmo eu sendo um camundongo em meio de serpentes, ninguém me convidou. Eu quero subir e já chegar chegando à festa dos que já acham que vão subir pro céu, só pra ver geral caindo de tobogã. Você não sabe como é legal viver com sete bilhões de dedos apontados na sua cara. E todo mundo te odiar, em nome do amor. E todo bem que existe nesse mundo. Será que alguém me ouve? Mesmo eu sendo um espantalho dentro dessa creche, ninguém me convidou... Eu quero subir e já chegar chegando à festa dos que já acham que vão subir pro céu, só pra ver geral caindo de tobogã. Eu quero um pouco de atenção, já sofri demais, amassando o pão, nada justifica o ódio. Eu quero subir e arrombar a porta da festa dos que já acham que vão subir pra subir pro céu só pra ver geral caindo... à festa dos que já acham que vão subir pro céu, só pra ver geral caindo...".

— Eu não entendo qual o problema desses garotos. Eu nunca fiz nada para ninguém, eu ser diferente influência em algo na vida deles? — Perguntou Murilo para mulher a sua frente. O garoto estava na sala da diretora. Era um lugar grande espaço. Ele se sentia sozinho ali dentro. Odiava aquele lugar no início, mas nos últimos meses tinha passado maior parte ali dentro.

— Não, Murilo. Nada justifica essas brincadeiras que seus amigos andam fazendo com você! — A loira disse séria e tocou os cabelos lisos e soltos com as mãos como se não ligasse muito para aquilo.

— Brincadeira? Você acha mesmo que esse ódio gratuito que meus amigos vêm cometendo comigo é uma brincadeira? — Ele perguntou bravo. — Você acha mesmo que ser apontado o tempo todo, que ser xingado de nomes horríveis simplesmente por não gostar das mesmas coisas que ele é uma brincadeira?

— Sim, claro que são brincadeiras. É coisa de adolescente. Nós todos já passamos por isso um dia, qualquer pessoa já passou por isso. — Ela disse ainda mais entediada com aquele assunto.

— Acredita mesmo que estou apenas sendo zoado pelos meus amigos? Ou você não quer fazer o seu trabalho direito por que sabe que vai sobrar pra você? Eu juro Dona Carmem. Eu vou denunciar você e sua escola por negligência. Você vai ter que explicar para a polícia e para o conselho tutelar que meus amigos apenas estavam brincando quando me trancaram no banheiro e tentaram me fazer água da privada só por eu ser uma bichinha. Acho melhor você arrumar seu cabelo de novo para estar bonita quando os policias chegaram. — Ele levantou e começou a caminhar para fora da sala.

— Ei, espere aí mocinho. Não pode me ameaçar e me virar às costas! — A mulher gritou e bateu na mesa.

Ele parou e congelou. Não sabia por que tinha enfrentado a diretora, não sabia por que tinha dito aquelas coisas. Será que poderia voltar atrás? Ele queria voltar atrás? Eram as maiores dúvidas dele no momento. Engoliu em seco e tentou ficar calmo.

"E nesse silêncio profundo, se esconde a minha vontade de gritar."

Murilo não conseguia parar de pensar. Faltavam apenas duas semanas para ele ir embora. Apenas duas semanas para as férias acabarem, para ele voltar para o interior e aguardar notícias de Tomaz. Era tudo tão incerto em sua cabeça. Ele não fazia ideia do que iria acontecer depois que saísse pela porta da frente e deixasse de ser Rafael. Eram tantas coisas para ele se preocupar. Já fazia dois dias que Tomaz estava estranho, isso havia acontecido logo depois do garoto ter conversado com o amigo. Ele, Murilo, sabia que tinha algo errado, que tinha algo que Tomaz estava escondendo. "Será que ele preferiu acreditar em alguma versão que o melhor amigo contou?" Não podia ser possível.

MURILO BEIJA GAROTOSOnde histórias criam vida. Descubra agora