12. Águas que lavam almas

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"Estou ouvindo o som da chuva, óh mãe! E ela está purificando. Sim, ela está."

Emudecidos eram os homens. Pálidas, as mulheres. Nem um ou outro ousava escutar o som do trovão com tanto temor ou mesmo sentir o arfar da ventania na pele com ternura. Dom se projetava ao lado da árvore maior, ainda se apegando ao fio de lembranças que há poucas horas compartilhou com Mobby. Esta, por sua vez, estava nos braços da mãe. Aquilo parecia nunca cansar-lhe, não queria se distanciar de Alesh nem mais por um segundo. 

         Apolo e Stephen tinham conseguido duas lonas (Dom se perguntara onde raios fizeram isso) e alguns tocos de madeira mais abaixo do gramado, ao lado de rochas para lá da cerca. O céu tinha se fechado meia hora antes e o vento gélido soprava com força. A torrente que viria em poucos minutos atingiria a todos se não estivessem protegidos. A árvore gigante, com seus galhos retorcidos em forma de teia, ligados por folhas grandiosas, não seria suficiente para proporcionar um bom teto, entretanto ajudaria no processo de proteção. 

- Estenda a vermelha, Steph. Isso... agora prenda essa ponta àquela estaca! Ali estão os pregos! Não, não... essa forma está errada! É isso daqui que você tem que fazer! Certo, certo, não, mais para a direita! Ótimo, agora prenda a estaca na grama. O buraco está fundo o suficiente? Sim, sim... tudo bem! Agora enfie... pise! Isso! Muito bem, Steph. - enquanto Apolo dava as coordenadas, Stephen as seguia com rigor. Conseguiram os materiais em um casebre a poucos metros da cerca do outro lado do campo, com um senhor de barba e cabelos grisalhos que mascava algum tipo de fumo quando falou com eles. O depósito atrás da casa tinha as lonas que o homem velho usava para cobrir os barcos antigos que tinha. Como acompanhamento indicou que levassem os pregos. - Agora tome a outra ponta! Temos que nos apressar, a tempestade não vai ser gentil com relação a nossa lerdeza!

E com isso Apolo e Stephen continuaram a enterrar as estacas no chão junto com as pontas das lonas, de modo que se erguesse uma boa barraca que coubesse pessoas o suficiente; a essa altura todos ajudavam. Joanne entregava os pregos a Stephen, que os enfiava nas estacas; Matusa erguia os tocos maiores com a ajuda de Kaeme, que serviriam de pilastras no interior do abrigo. Geromy e Patrus se divertiam cavando os buracos, enquanto Morga arrumava pedras no entorno do local. 

Mais um trovão ressoou acima de suas cabeças, o que tornou tudo duas vezes mais rápido. 

- Ainda não acredito - a voz feminina lhe soou brusca demais, então Dom virou-se ligeiro, disfarçando para que Érika não ficasse tímida diante da situação. - que ontem mesmo estávamos comemorando o jantar delicioso de Wendy na Caverna, e agora... tudo se reduziu a nada. 

- Não acho que tudo tenha se reduzido a nada, Érika. Apenas prefiro aceitar o fato de que a vida é injusta! - disse Dom, armando-se de um meio defensivo contra um rancor. - Corremos de lá como ratos. Deixamos membros de nossa família para trás, sem tentar, sem ao menos retornar com ajuda. 

- Eles estavam armados, Dom. Nada do que fizéssemos faria com que a bala dentro dos nossos irmãos retornasse ao cano da arma. O que está feito, está feito. Mas juro... nunca esquecerei o rosto daquela mulher. - Érika arrumou os cabelos black power e Dom não se cansava de admirar a beleza estonteante que ela tinha. A pele morena e os olhos sugados de uma fórmula angelical de mel. 

Por um minuto o silêncio insistiu entre os dois, apesar de poucos metros adiante o grupo de caverneiros continuarem a erguer o abrigo. 

- Deveríamos ajudar. - propôs Érika, pondo uma mão no ombro dele.

Ele balançou a cabeça.

- Eles estão indo muito bem. Para a maioria deles eu sou o culpado do que aconteceu. Não quero atrapalhar... talvez você devesse... - Dom se retirou, deixando Érika sozinha ao lado da árvore, de modo que tomasse como alternativa se juntar aos outros e trabalhar. 

Olhos TrágicosOnde histórias criam vida. Descubra agora