"Há um certo poder em seus olhos e há um certo olho em seu poder, que enxerga tudo e nos faz sofrer."
Primeiro, estancou. Parou. Os movimentos assolados por uma leve tremulação.
Em seguida a faca caiu de sua mão, escorregando pelos dedos e produzindo um som seco no gramado úmido de águas pluviais.
Leda estava caída entre Patrus e Mobby. Ele tinha se virado para encarar a mulher grande convulsionando ao chão, as pupilas cintilavam o frio ar noturno seguido de um brilho gutural de uma visão.
Por favor, agora não... pensou Mobby. Mas ela sabia que pessoas como eles não tinham controle sobre os poderes, tampouco sobre as circunstâncias.
- Ora, ora... acho que tudo está ao meu favor agora! - praguejou Patrus, exacerbado de contentamento. Ele se agachou ao lado do corpo trêmulo de Leda.
- Leda! Leda! - gritou Mobby, tentando se afastar a passos rápidos de Patrus. Porém Leda nada podia fazer agora. Os quase dois metros de altura e o dobro de músculos de uma mulher comum estavam caídos ao chão, vibrando, os olhos revirando como pérolas. - Afaste-se de mim! Afaste...
Mas Patrus não deu ouvidos. Caminhou em direção a Mobby, que agora tentava alcançar o pico do campo gramado. Se limitou a um grito de misericórdia quando Patrus jogou-se contra seu corpo.
- Oh, céus... não acredito que consegui! Merda... maravilha! - Patrus, ainda sorrindo, puxou Mobby pelos cabelos e tentou erguer o pequeno corpo, sem sucesso.
Os dedos do rapaz cravaram-se de forma agressiva dos dois lados da cabeça de Mobby, metade na nuca, metade na mandíbula. E num movimento que sugeria prática a fez apagar. Agora parecia fácil. Parecia bem menos complexo.
- Eu sei que você vai me agradecer no final, Leda! Diga a Morga e Geromy que logo voltarei!
Com isso se distanciou. Leda ouvia tudo, sentia tudo. Mas não houve nada que pudesse fazer a não ser assistir a morte que passava diante de seus olhos.
* * *
Uma espécie de trono tinha sido montado na sala principal da Caverna. Feito de couro macio em um ferro envolto em cetim, com algumas cruzes católicas bordadas a mão num amarelo-ouro. Não tinha um verdadeiro altar, mas um bloco sereno de concreto com velas em sua borda, embelezava a cadeira-trono.
O cheiro de sangue ainda impregnado nas paredes e piso era mascarado pouco a pouco com um aromatizador feito a base de fumaça de alecrim e salmoura. Percyval, o grandalhão um, levava o esfregão até as paredes e lavava com água e sabão. Ulisses, o grandalhão dois, carregava dois baldes cheios e pesados contendo a essência de salmoura, logo atrás, sendo seguido por Tanísia e outras duas mulheres de cabelos bem presos no alto da cabeça num coque feio. Samanda e Carrie. As três tinham esponjas e uma dúzia de panos secos. Elas tinham sido as maiores responsáveis em separar as covas dos que se foram. Samanda tinha crescido em um conjunto habitacional regado pelo cristianismo, onde três igrejas formavam um tipo de tripla aliança e abraçavam os moradores com a fé. Se envolveu firmemente com a religião militante ao conhecer Carl, um pastor local que pregava radicalmente a extinção de tudo que é diferente diante dos conhecimentos de Deus. E fazia isso com as próprias mãos. Por dezenas de vezes Samanda havia presenciado o pastor Carl praticar rituais que nomeava de "Os ritos de Cristo" com pessoas que se opunham ao conhecimento divino da igreja. Viu um jovem de quinze anos ser morto aos fundos da igreja com uma cruz em formato de estaca presa às costas, uma mulher de meia idade tomar forçada um remédio mortal, um fazendeiro levar uma paulada na nuca, um comerciante ser preso a fios elétricos e morto com uma descarga alta. Todas as mortes pelas mãos do pastor Carl. Samanda aprendera tudo aquilo. Jud Primoth só deu continuidade às práticas do pastor. Carrie, por outro lado, nada tinha de comum com a fé. Havia apenas cinco anos que se convertera por mera necessidade de se satisfazer. Teve uma infância dura e uma juventude problemática. Se juntar a Jud Primoth na ordem militante religiosa era um tipo de libertação do sofrimento passado.
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Olhos Trágicos
ParanormalEm uma pequena cidade de nome Little Joanesburg não é comum se ver comentar muito sobre catástrofes ou problemas sociais. Com uma bela igreja no centro da cidade, lojas de utensílios maquinais e diversidades sendo frequentadas todos os dias, uma pr...