30. O lar

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"A morte é uma porta para descobrir quem realmente você é."


O mundo era diferente de tudo que ela já havia visto, sentido ou presenciado. Havia uma espécie de calor preenchendo o seu corpo em ondas rotativas, indo e vindo como se a cada passo tivesse que retornar, e vice-versa. De repente seus olhos não eram mais olhos, suas mãos não eram mais mãos, ou os braços e pernas... tudo eram ondas rotativas. Hora azul celestial, hora vermelho vivo. Ela tentou gritar, mas sua língua nunca existiu. Tentou protestar contra a angústia que sentia, mas foi impossível. Até mesmo entender o que estava acontecendo. De nada lembrava. Nada mesmo. 

O mundo de calmaria ficava entre o céu e a terra, numa espécie de casulo feito de ar e torpor. Duas luzes densas surgiram cada uma de um local. A branca era brilhante, talvez cegasse um humano, nascia por cima, como uma auréola imperial. A outra era incômoda e vinha por baixo num laranja avermelhado, borbulhava e nada de vivo ou bom saía daquilo. 

- Jud...

A voz saiu da luz celestial e do buraco vermelho, hora alaranjado hora enegrecido. 

- Ela pertence a mim, você sabe disso! - a voz arrepiante surgiu do buraco vermelho e borbulhante. - Suas inglórias na terra provaram isso!

Da auréola celestial nada saía, a não ser leves movimentos de luz. 

- Dessa vez me dará razão, então? - perguntou a voz vinda do buraco vermelho. - Não me contestará para levar essa pobre alma para você, grande Cristo?

Mais uma vez nenhum som vindo da auréola celestial brilhante.

- Bom saber que concordamos em uma questão... - uma risada milhões de vezes mais poderosa que a de Jud Primoth, que pela primeira vez se deu conta do que acontecia, irradiou pelo buraco vermelho que a puxava.

Eu morri... eu... morri...

O espírito se forçou a gritar, conseguindo um leve arranhar de som:

- Deus!

A voz do buraco avermelhado então disse:

- Deus? - então o espírito de Jud ficou negro, ouvindo vozes gritando sem parar enquanto descia pelo mundo obscuro. - Eu sou o seu deus agora e para sempre... 

Então ela se juntou ao coro de gritos e choro que habitavam o inferno.


* * *

Os demais sentaram-se diante do homem enorme, vestindo uma espécie de casacão verde juntamente aos companheiros. Ele conseguia ser mais alto do que Ulisses. Mobby estava agora junto de Dom e Leda, o teto da Caverna sobre suas cabeças. Ainda anestesiada pelo que tinha acontecido. Todos os visionários olhavam atentamente para os cinco que pareciam um tanto quanto estranhos demais. 

- O que está havendo? - perguntou baixinho Leda a Dom.

- Não faço ideia. - respondeu, ainda com as mãos alisando a orelha esquerda de Mobby. 

Então um momento extenso de silêncio deu lugar a uma voz rústica e ao mesmo tempo calma. Vinha do homenzarrão:

- Fico contente por uma parte de vocês ter resistido. Acredito que a maioria não me conhece, então estou aqui para lhes creditar sobre o que vim fazer aqui. - o homem mal mexia o pescoço, porém seu olhar observava cada um dos presentes, sem exceção. - Eu me chamo Arghair, e fui o idealizador de mandá-los para cá. 

- Do que está falando? - num impulso a voz de Matusa ganhou o ambiente. 

Zalete, a líder da Caverna, deu um passo a frente, se aproximando de Arghair e dos quatro que o seguiam. 

Olhos TrágicosOnde histórias criam vida. Descubra agora