27. Quem com ferro fere...

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"Com ferro será ferido."

O que faz o homem ter esperança?

Pense bem!

E o que faz o homem lutar por ela?

Pense nisso também.

Dom tinha a fé em mãos. A segurava entre os dedos como uma carta do Grande Poderoso, o dando total alforria dos elos de seu próprio pensamento. Em seus sonhos surgiu a caveira de Jud Primoth.

"Ela está com Mobby." pensou, intensificado pelo sentimento de raiva. "Eu vou matá-la. Ela levou Mobby. Levou meu Delírio. Eu a matarei. Talvez eu morra, mas assim o farei."

A moto chegou a uma distância considerada da casa do xerife, onde Dom imaginou que estivessem em pleno sono.

- Eu estava certa. Eu avisei. - disse Leda, o coração saltando no peito. - Avisei que ele iria até a Caverna procurar por Mobby.

Ela e o tio espiavam pela varanda. A marca dos pneus da moto prateada de Dom ainda riscavam o terraço.

- Vamos... - Eric Marbow desceu os poucos degraus, indo aos fundos, onde havia uma pequena garagem lotada de ferramentas. - Nessa vida perdi a mão para muitas coisas, mas acho que ainda consigo pilotar essa joça!

Leda não pensou duas vezes quando o tio embarcou em um Ford Mustang 69 na cor vermelha. O motor roncou e a belezinha de quatro rodas voou pelo asfalto.

* * *

Poucas vezes um coração ousou palpitar sob a luz da lua de forma fidedigna. Poucas vezes um homem conseguiu enxergar verdadeiramente o brilho nos olhos de uma mulher. Encontrar o propósito de uma canção, ou sentir o exato gosto da felicidade dos braços de uma paixão. Poucas vezes um homem deu a própria vida para salvar quem ama, e embelezar-se com o reflexo de sua valentia no pranto da própria alma além das nuvens. São poucos os homens que enfrentam sombras, são muitos os que abraçam a luz, temendo a escuridão do peito dolorido e doentio. Mal sabem eles que a luz pode cegar. É nesse momento que as sombras aparecem, cheias de risos e sarcasmos. O homem que foge das sombras é um tolo, mas o que as devora tem a sapiência dos deuses. Principalmente quando na escuridão se vê o brilho sagaz das pupilas de uma mulher.

Ulisses caminhou com leveza pela calçada. A hospedaria era velha, o que diria a fachada feita de madeira reaproveitada do letreiro. Morga arrastava uma perna após outra, levando o sentimento de incapacidade consigo, farejando a umidade do concreto da calçada. Uma dor surgiu-lhe na panturrilha, uma pontada forte e descontrolada.

- Está tudo bem? - perguntou Ulisses. - Estamos quase chegando. É aqui!

- Sim, tudo bem. Vamos entrar. - Morga entrou na hospedaria simples logo após Ulisses empurrar a porta.

O homem que os atendeu vestia uma espécie de bata, sobreposto um avental, com tiras e um grande machado desenhado. Os quartos estavam vazios. Um tipo de cheiro azedo de manteiga vinha da cozinha, mas nada que afugentasse os clientes.

- Uma bela viúva, com seus três filhos. - o homem abriu a porta, que rangeu. - Saíram hoje de manhã. Hospedaram-se aqui por dois dias. Pelo que sei encontraram uma prima distante que os deu abrigo. Pobres criaturas...

O quarto era agradável, até. Cortinas limpas, cama bem arrumada, alguns quadros bem colocados na parede e um espelho redondo com borda esculpida em mármore eram as melhores coisas que havia no interior.

Quando o homem velho se retirou, arrastando os solados desgastados pelo andar de cima até as escadas, Ulisses encontrou-se numa espécie de casulo. Morga sentava à beira da cama, os olhos tensos em direção ao teto.

Olhos TrágicosOnde histórias criam vida. Descubra agora