Capítulo II

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O caminho de volta fora silencioso. Daryl sabia que Beth e Carol tinham muito a contar, mas estranhamente elas preferiram guardar segredo.

Ele sabia, também, que coisas ruins aconteciam naquele lugar, do contrário Beth não teria aquelas cicatrizes no rosto. O arqueiro tinha certeza que a garota havia apanhado, ele conhecia melhor do que ninguém aqueles ferimentos.

Durante o curto trajeto até a igreja, Daryl percebeu que Beth estava inquieta. Vez ou outra a loira o fitava sobre seus ombros magrelos, e tudo o que ele conseguia fazer era desviar o rosto para a estrada irregular. Ele sentia-se estranho por poder ler as expressões de Beth com tanta facilidade, nunca tivera tanta intimidade com ninguém do grupo, e por muito tempo sequer fazia questão.

Maggie mexia distraidamente em sua faca, traçando padrões irregulares no chão de madeira em frente a escadaria da igreja. Quando o pequeno grupo aproximou-se, prontamente a morena ergueu-se em prantos, correndo em direção a Greene menor.

— Beth! Meu Deus! — Maggie soluçou ao apertar a irmã mais nova, como se quisesse se certificar que Beth não desapareceria de repente.

— É, sou eu — Beth respondeu em um risinho anasalado, contrastando com as lágrimas grossas que escorriam por suas bochechas.

Daryl praguejou por não conseguir tirar os olhos daquela cena. Desde quando havia se tornando um caipira fodido e sentimental? Ele sabia a resposta, mas simplesmente não gostaria de admitir para si mesmo.

Por um momento Daryl desejou que fosse fácil demonstrar o que sentia assim como ela estava fazendo. Crescer sendo espancado e tendo como companhia um alcoólatra e um marginal não era o maior exemplo de afeto que Daryl poderia levar para a vida.

Aquela enxurrada sufocante de abraços e exclamações que cercavam Beth o deixou desconfortável o suficiente para retirar-se dali. Precisava tirar sua atenção daquela garota, caso contrário, acabaria enlouquecendo.

Por que quando Beth havia sido sequestrada Daryl havia sentido que tudo ao seu redor acabaria desmoronando, e agora que ela estava de volta as coisas continuavam a ser como antes, como se nada tivesse acontecido entre eles? Ele amaldiçoou-se internamente por ser um maldito frouxo, antes de agarrar sua besta com força e marchar para a floresta.

Beth desviou sua atenção do grupo quando Daryl rumou em direção a floresta. Por que ele estava evitando-a? Ela não conseguia entender como eles puderam estar tão próximos enquanto sozinhos e agora haviam voltado a ter galáxias de distância entre eles.

Quando Judith puxou uma mecha loira de seus cabelos, exigindo atenção, a Greene tentou deixar aqueles pensamentos de lado, voltando os olhos para a criaturinha gorducha que se remexia em seus braços.

— Eu também senti a sua falta — Beth sussurrou para a pequena, apertando-a em um abraço que fez a menina protestar com um gritinho agudo.

— Seja bem-vinda a minha igreja — uma figura negra surgiu no campo de visão de Beth. A vestimenta de padre não a convenceu nem por um momento.

O olhar do homem a lembrava de Dawn; a falsa hospitalidade cravada nos olhos escuros. Ela estaria o julgando mal? Talvez, mas Beth não estava preparada para confiar nas pessoas novamente, não depois do inferno que havia vivido. Ela não queria deixar que a esperança, a única coisa que ainda a mantinha de pé, escorregasse por entre seus dedos, mas aquele hospital havia levado muito de si.

Reconheceu nele também o olhar de medo, novamente de Dawn. Aquele medo cru de ser dominado por um grupo maior. Aquele olhar de quem obedecia as regras temendo ser chutado para fora de uma local seguro.

— Beth — ela estendeu a mão em direção ao suposto padre.

— Padre Gabriel — o homem sorriu novamente, aquele sorriso distorcido, chacoalhando a mão da loira.

Aos poucos o pequeno grupo havia se dispersado, deixando Beth sozinha com Judith, Maggie e Noah. Havia tanto a ser dito, mas ninguém parecia disposto a conversar. Aquela não era como uma reunião familiar como as que a Greene havia participado antes do fim do mundo, com seu pai, sua mãe e seus irmãos.

Todos tinham seus próprios afazeres, e passado o alívio do reencontro, a vida seguia da melhor forma que eles conseguiam administrar.

Maggie sorriu para a irmã como se estivesse se desculpando.

— Tudo bem — Beth sorriu, percebendo que Maggie pedia licença para seguir Glenn até o trailer.

Sozinha com Noah, Beth ajeitou uma Judith sonolenta em seus braços e sentou-se na pequena entrada da igreja, aliviada por estar em casa. Sim, em casa. Em todo esse tempo na estrada, Beth havia percebido que casa para ela, era estar com sua família, onde quer que estivesse.

— Então, você conseguiu — Noah sentou-se ao seu lado, chacoalhando levemente o ombro da menor.

— Eu disse que fugiria — ela argumentou seriamente, encarando a floresta escura a sua frente.

— Eu sinto muito por ter sido covarde, Beth. Eu te deixei pra trás. Eles te pegaram. Mas eu quis voltar. Eu juro que tentei... — Noah desatou a falar em um único fôlego, fazendo com que Beth o encarasse de volta.

— Estou aqui, não estou? Carol me contou que você disse a eles onde eu estava — a loira sussurrou de forma a acalmar o amigo.

— A Dawn... ela te bateu muito?

— O suficiente — um sorriso amargo cruzou os lábios da jovem. Ela havia deixado de se importar com a dor física. Era claro para ela que Dawn precisava daquilo para sentir que tinha o controle da situação.

— Eu sinto muito — o garoto repetiu, tocando o rosto de Beth.

— Agora estamos quites — ela riu sem jeito, afastando-se do toque dele. —Nós vamos encontrar sua família, Noah. Esse grupo, eles são minha família. A minha família vai te ajudar a voltar para a sua — Beth sentiu a pequena fagulha de esperança que sempre carregava consigo acender-se novamente, iluminando a escuridão que sua vida havia se tornado desde que havia conhecido o Grady.

Daryl simplesmente não pode evitar. Era como se seus pés o prendessem no lugar. Ver aquele moleque idiota tocando no rosto de Beth, vê-la responder a ele daquela forma doce e esperançosa fez com que ele percebesse que a loira nunca havia o tratado de forma diferente ou especial. Aquela garota era assim com todas as pessoas e perceber esse fato fez com que uma raiva crua e poderosa surgisse dentro de si.

Tudo o que Daryl sabia era que estava furioso. Se com Beth ou por dar-se conta de que voltava a ser um caipira de merda sem valor algum para ninguém, ele não saberia dizer.

Pisando duro pelos galhos secos, o arqueiro não se importou quando Beth ou Noah sobressaltaram-se ao perceberem sua presença. A loira sorriu sem jeito para ele, mas Daryl só queria que ela fosse para o inferno com aquela doçura toda.

Cruzando por entre o casal de adolescentes, ele apenas empurrou a porta de madeira da igreja, assustando o restante do grupo onde cada um estava absorto em seus pensamentos, em silêncio.

Frustrado e raivoso, jogou o resultado da caça sobre o altar e enfiou-se em uma das salas. Sentia-se um maldito idiota por ter deixado que aquela menina se aproximasse tanto. Sentia-se um babaca completo por sentir tanta raiva.

Sentir, sentir, sentir. Era tudo culpa de Beth. Ele jamais deveria ter permitido que ela o fizesse sentir tanto.

— Seu irmão? — Noah perguntou após um tempo, referindo-se ao Dixon que passara como um furacão entre eles.

— Não, ele é... — Beth pensou por um segundo, sem conseguir enquadrar Daryl em nenhum adjetivo. — Alguém. — Concluiu mordendo o lábio inferior nervosamente. Daryl era, definitivamente, alguém para ela.

Soft Heart [Bethyl] REESCREVENDO!Onde histórias criam vida. Descubra agora