Não, não, não. Mil vezes não! Ou ao menos foi o que passou pela minha mente incontáveis vezes, tantas que poderiam ser rapidamente colocadas como o trânsito caótico de uma metrópole se fosse possível ver dentro da minha cabeça.
Mas o fato irrefutável disso tudo é que minha boca traiu cada e qualquer movimento do que se passou dentro do meu impotente e ridículo cérebro.
— Claro, pode ser.
— Ótimo. Vai ser um prazer ter companhia na cidade de qualquer forma. Acredito que conheça um pequeno café próximo do seu endereço. Hallow's Barn.
— Sim.
— Ótimo. Te vejo daqui a pouco.
Caso o acontecido tenha ficado ligeiramente confuso, não perca sua calma. Vou explicar tudo aos poucos, pois assim quem sabe eu mesma me convença da idiotice que tinha acabado de cometer.
Bruce Campbell, herdeiro da família Campbell pelo meu conhecimento, me ligou no fim do domingo mais tenebroso do meu ano: meu aniversário. E caso tenha notado, não sou uma amante de parabenizações, confraternizações ou qualquer coisa que envolva bolos confeitados, chapéus ridículos ou músicas tradicionalistas. E isso inclui festas com quadrilha, casamentos e bailes.
O problema é que além de fazer uma ligação tarde da noite, ele ainda teve a clara e maravilhosa ideia de me convidar para um café. O convite tinha vários pontos negativos e o primeiro deles é que eu tinha um copo grande de Mochaccino que fazia parte do meu kit de aniversariante, trazido diretamente de algum dos milhares de cafés que existiam no caminho de qualquer lugar até a minha casa no porão da Sra. Fighbright. O segundo ponto é que eu não deveria, de forma alguma, confraternizar com o inimigo.
Bruce Campbell era definitivamente o inimigo.
A primeira coisa que fiz assim que desliguei o celular, foi enviar uma mensagem de texto para minha mãe. Algo agradável e que continha as palavras "doida", "insana", "endereço" e "telefone" na mesma frase. Depois voltei ao meu ritual de tomar um bom banho quente e me permiti esquecer tudo debaixo da ducha. Quem sabe no momento em que meu pé saísse do box uma mágica poderia acontecer e nada daquilo seria verdade?
Mas sejamos razoáveis. Eu havia aceitado aquele convite bobo para um café com o Sr. Campbell porque me sentia tremenda e terrivelmente sozinha. Mesmo com todos os meus problemas quanto a aniversários e parentescos e mesmo com a curta aparição de Lex e Sam; ainda desejava que miraculosamente alguém aparecesse com um bolo e meu nome escrito em glacê colorido e cafona, talvez até com algum erro de ortografia gritante ou aquelas flores de açúcar que ninguém quer comer.
Eu queria ser celebrada. Queria que em algum lugar embaixo daquela chuva torrencial de Nova Iorque, alguém notasse que o domingo estava terminando e que aquele era meu dia. E o dia da Kate era especial demais para ser esquecido.
Porém da mesma forma que meu sonho de ter peitos era um tremendo fiasco, imaginar alguém tendo uma súbita epifania sobre mim, era pedir que a fada madrinha descesse dos céus para encantar alguma abóbora pelo caminho. Não ia acontecer.
Me resignei a vestir um jeans e um moletom com capuz dos Yankees com meu par de galochas amarelas, pentear os cabelos e apanhar meu guarda-chuva transparente. Não estava linda, nem radiante, mais parecia que tinha acabado de sobreviver a qualquer desastre natural. Mas se Bruce Campbell queria me conhecer, aquilo era o melhor que eu tinha para oferecer.
Não, eu não ia me oferecer. Longe disso. Estava apenas sendo uma adulta razoável e aceitando um convite educado para conhecer um homem que ao que parece, tem a minha mão em casamento. Parecia romântico? Ele ia mudar de ideia assim que me visse.

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Orleans
General FictionKaterina Dalton nasceu com algumas maldições: os genes azarados de sua família, um casamento arranjado e aniversários fracassados. Decidida a resolver pelo menos um de seus problemas, ela foge da ultrapassada tradição familiar para reiniciar na gran...