Capítulo 1

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Lisboa, 2 março 1998

Caro Hans,
Apercebi-me hoje de que faz tempo que não trocamos correspondência.
Perdi a conta dos dias em que corri para casa na ânsia de saber se me aguardava mais um pedaço de papel vindo do frio nórdico; desse papel rijo, mergulhado em tinta escura, com a mais bela das caligrafias. Oh que saudades!

Passou muito tempo, demasiado aliás. Cansei-me de esperar pelas tuas cartas amorosas e decidi eu voltar a escrever-te! Como eu sinto a tua falta Hans. Como eu sinto falta do cheiro intenso a perfume que as tuas mensagens inalavam. Oh como eu nunca mais me esquecerei do cheiro doce e forte daquele perfume!

Sinto falta dos postais turísticos, sempre diferentes que me enviavas em conjunto com as cartas, enquanto eu, enviava apenas um ou outro, raramente, e sempre da torre de Belém.
Sinto falta da tua simpatia em dizer que nunca te cansavas de ver aquela torre e que o teu sonho era provar um "desses pasteis doces" que todos os portugueses falavam.

Como eu sinto a falta dos sonhos! Das coisas que os dois sonhávamos iludidos pela efemeridade da vida. Antes de descobrirmos como o tempo passa depressa e como não há tempo para os sonhos! Eu sempre sonhei em ir ter contigo, a visitar Gotemburgo, em viajar e conhecer o mundo inteiro. Como eu sonhava em ser hospedeira, lembraste Hans? Era um sonho ambicioso, sedento, curioso mas desesperado, amado pela criatividade e um dia desfeito pela dura realidade.

Ainda te lembras do que sonhavas Hans? Passou muito tempo...

8 anos deve ter chegado para te esqueceres de tudo. Eu espero que não. Tu eras já tão pouco sonhador naquela altura e eu adorava a maneira fria com que lidavas com a minha mente. Como me trazias à Terra.

Como eu sinto falta da maneira intensa como me conseguias prender a ti. Ainda consegues... oh como consegues! Não fosse essa a razão para que eu, 8 anos depois do último papel trocado, estivesse aqui sentada, na mesa redonda de sempre, a escrever a saudade que me consome a cada dia e que me fez perceber que de facto o tempo passa depressa, sem a gente se aperceber, mas no entanto, que custa a passar na ausência de quem nos faz bem. Não há tempo para ter saudade Hans e eu preferi tentar matar o tempo e escreverte do que arriscar ficar sem ti para sempre.

Sinto muito a nossa perda. A perda que ambos tivemos quando deixámos as circunstâncias ganharem força para nos separar.

Espero que a tua vida tenha tomado o rumo que sempre quiseste, que tenha todo o esforço valido a pena. Espero que ao contrário de mim, hoje olhes para trás e te sintas orgulhoso do teus feitos, que suspires de prazer ao imaginar tudo o que viveste, ao relembrar o quanto aproveitaste a vida.

Espero que tu possas fazer isso e não à minha semelhança te sintas um esquecido da vida, um escravo das consequências.

Eu sou, toda eu um completo fracasso. Oh como eu sou Hans...

Anseio que tu, o decidido, realista, ambicioso e audaz Hans de 18 anos que eu conheci (lembraste dessa altura?), tenha conseguido realizar, não os seus sonhos porque isso ele sempre deixou bem claro que eram somente sonhos, mas os seus objetivos.

Da tua eterna sonhadora,

Júlia Severo

TransversusOnde histórias criam vida. Descubra agora