Capítulo 6

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Gotemburgo, 20 abril 1998

Minha doce Júlia,
Olhei as folhas empoeiradas do calendário sobre a lareira para me aperceber do dia importante que hoje se trata.

Fico incrivelmente feliz por finalmente te ver a falar dessa maneira, a esqueceres o passado e focares-te na magia que te persegue o sangue.
A Júlia sabe que ninguém é tão poderoso quanto ela. E finalmente, depois de 8 anos de esquecimento foste capaz de voltar a ver esse reflexo ao espelho. Fico feliz.

A mensagem escrita a preto, com uma caligrafia cuidada, nas costas da carta, preencheu o meu coração e abriu os meus olhos para a saudade. Nostalgia foi sempre uma coisa que eu nunca soube bem como lidar. Ao mesmo tempo preenchia-me o vazio persistente mas por consequência, trazia-me a saudade, e o sentimento de falhanço.

Voltei a ler, mais uma vez, Drottningens juvelsmycke, quiçá pelas tuas majestosas palavras e pelo incentivo que tomas-te.

Aquele livro é um pedaço de mim, e lê-lo apenas me faz ter mais certezas do apaixonado que sou. A literatura clássica sueca é um poema em branco, rasgado e deveras apaixonado. Tudo porque palavras amam palavras e leitores amam as palavras dos leitores.

Eu amo leitores que amam palavras, que amam a vida, que se amam a si próprios e que amam o mundo. Eu amo-te a ti, minha Júlia.

Durante tantos anos vivemos o nosso amor de uma maneira tão pura. Vivemos quase 12 anos a tomar como certo o inesperado, coisa que eu fui aprendendo após conviver contigo. Nada mais alguma vez me satisfez tanto.

Fui capaz de amar uma mulher tantos anos sem saber sequer que rumo ela seguia. Contudo, cada dia que te amei soube sempre que a Júlia era alguém sem rumo, um vento quente que surge no inverno e trás o cheiro nostálgico da saudade. Essa és tu Júlia, e eu amei-te cada dia da minha vida por isso. Por seres sempre a surpresa e a instabilidade que sempre me faltara.

Sabe tão bem olhar-te, ou melhor, ler-te, e ver o quanto tu és tu. Tão verdadeira e fiel a ti própria. Agora apercebo-me que com o nosso distanciamento tu apagaste-te, fechas-te, como uma delicada flor de se protege às condições agrestes da vida. Tu, minha flor, viveste um período em que o teu brilho foi ofuscado e em que tu pensaste teres deixado de ser quem és, coisa impossível. Uma flor, por mais murcha, fechada e estragada que esteja nunca deixará de ser uma flor. Ela aproveitará o calor intenso para se reproduzir e levar até aos confins da terra as mais belas sementes, continuando a sua linhagem, espalhando a sua magia e a fazer do mundo um lugar cheio de vida. Ela proteger-se-à do frio, encobrindo a sua beleza angelical, escondendo as suas capacidades mais admiráveis, para que, no final da batalha, saia vitoriosa, magistrada, bela e com ainda mais admiração por todos aqueles que esperaram para voltar a ver a sua cor. E tu, no fim de toda esta jornada que te corroeu as pétalas, onde foste obrigada a esconder a magia da desgraça, onde foste capaz de pensar que nunca mais içarias a virtude, voltas-te a ser Tu, Júlia, uma encantadora flor.

Eu amei uma mulher, que a cada dia trouxe cor e luz à minha Vida e que eu hoje tenho o prazer de dizer que cresceu ao meu lado. Que me ensinou a olhar a vida dentro da sua cabeça, que me fez viver da maneira livre e insana que só a Júlia sabia viver. Eu fui capaz de amar uma mulher que me ensinou que tudo o que vibra e chama por mim, é livre e que nunca os deveremos deixar para trás. Eu amei uma mulher que me ensinou a viver e que foi capaz de trazer ao cima tudo o que eu achava merecedor do esquecimento.

Obrigada minha eterna sonhadora por teres feito de mim o homem mais feliz do mundo nestes últimos 11 anos, e que para além de termos vivido um amor incandescente e Longínquo, soubemos sempre como tirar partido disso, como aproveitar a magia um do outro mesmo a 3268,4 km de distância.
Hoje, eu te Felicito, por mais uma conquista. Hoje, quase 12 anos depois, é o teu aniversário. Hoje, dia 20 de abril, celebramos o teu 30° ano de vida.

Sou um Hans orgulhoso por te ver crescer, por ver que sempre foste fiel à tua energia.

Parabéns Júlia por cada dia e cada ano da tua existência. O mundo precisa de mais pessoas como tu e cada ser humano agradeceria por te ter na sua vida. Hoje sou eu que agradeço. Eu nunca seria quem sou sem ti.

Nunca te esqueças que te devo tudo a ti e que o meu coração sempre te pertencerá.
Feliz aniversário.
Amo-te minha Júlia.

PS: Envio com esta carta, uma encomenda que à muito tempo já deveria te ter sido entregue. Espero que por um bocado e por cada página preenchida te sintas amada com as palavras de um dos mais apaixonados escritores da minha cultura. Uma promessa que demorou mais de uma década para ser cumprida mas que finalmente chega às mãos da flor colorida que Portugal tem o direito te possuir em seu território.

Do teu amoroso nórdico,

Hans Andersen

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