Capítulo 19

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Lisboa, 1 de setembro 1998

Caro Hans,

Faz hoje 12 anos que visitaste Lisboa.
E amanhã serão por conseguinte completados 12 anos que nos conhecemos.

Passou tão rápido, aconteceu tanta coisa...

Lisboa permanece intacta, com os seus muros erguidos, o mesmo sol sob os seus tectos, a mesma energia a percorrer as ruas e o mesmo cheiro a banhar o rio. Contudo, tudo mudou.
Tudo mudou tanto de um jeito tão ilógico que tudo parece permanecer intacto.

As cores das ruas mudaram, a energia da cidade transformou se e as pessoas há muito que não são as mesmas.

Ainda assim, Lisboa é Lisboa de uma maneira ou de outra. É a cidade da saudade, do amor que parte para longe e tarda em regressar.  É a cidade do amor, da vida e sem dúvida da alegria.
É também uma cidade de contradições. É alegria, é vida e é saudade. Uma cidade de misturas, de sombras e de recantos que esconde e guarda o mais precioso canto do mundo.

Gosto da palavra saudade. É a palavra do bom português, de um povo inteiro.  Daqueles que já partiram, daqueles que estão por partir e daqueles que cá ficam na esperança de ver todos os outros regressar.

Nesta altura eu já não sei se sou daquelas que ficaram na esperança de ver alguém regressar ou se sou daquelas que está para partir. Eu apenas permaneço.  E sei, a todo o momento, que qualquer resposta que me forneça não estarei a ser honesta nem comigo mesma, nem com aqueles que me rodeiam.

Agora Hans, no conforto desta madrugada gelada e embrulhada nestas palavras relembro um dos dias mais felizes da minha vida, o dia em que em que nos conhecemos. O tão histórico dia em que toda esta maravilhosa aventura começou.

Ao saudar essas memórias, as lembranças e os momentos parecem desenrolar-se como num filme, e posso jurar que por momentos consigo observar as cenas do ponto de vista aleatório, como se de uma mera esperadora me tratasse. As lembranças parecem cada vez mais distantes, a afastarem-se como um veleiro em alto mar até ao fim do horizonte, mas o momento continua a parecer-me tão presente no dia a dia. Como se a luz daquela tarde ainda me cegasse e aquecesse os fios de cabelo, como se as vozes ecoadas na rua ainda se fizessem ouvir na minha cabeça quando o silêncio me embrulha, como se os teus incríveis  olhos azuis ainda me fizessem companhia e a tua voz rouca ainda me trouxesse a sensação de frio quando o vento decide escapar-me.
Posso jurar até que em momentos pontuais de solidão profunda, consigo sentir o teu toque macio e os teus dedos gélidos enrolados nos meus.

Há muito que as coisas mudaram Hans. Mas tudo parece nos querer prender ao passado.
Tudo em nosso redor proclama memórias antigas, momentos que já nao voltam e a constante sensação de nostalgia. Tudo que nos rodeia e abraça vem imerso em lembranças e as possibilidades do futuro são nos arrancadas desumanamente por só conseguirmos lembrar do antes.
Os dias que nos cercam são preenchidos com inconformação, devido a um passado belo, doce e ingênuo, que traz saudade, e devido também a um presente cruel, triste e real. É esta a nossa realidade de momento. E precisamos de crescer para o aceitar. É aceitar que tudo mudou.

Há muito que os dias se transformaram, as pessoas partiram e as memórias começaram a não ser suficientemente presentes para nos fazer ficar.

Nesta altura, já não sei mais se o correto a fazer é permanecer ou por os pés ao caminho, deixando me levar por esta corrente de mudança, que nos leva a todos arrastados.

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