Capítulo VIII

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  Pietro, acorde...Pietro
  Abri os olhos e me deparei com Nicole inclinada ao meu lado me sacudindo.
  Ao notar que eu tinha despertado ela parou de me sacudir e sorriu. Seu sorriso foi o suficiente para disparar meu coração.
  Despertei por completo.
  - Desculpe por te acordar. - disse ela, agora parecendo um pouco envergonhada pelo seu ato.
  - Aconteceu algo? - perguntei.
  - Não estou conseguindo dormir. - disse ela.
  Olhei para o relógio na parede:
  02:23
  - E o que está tirando seu sono? - perguntei.
  - A vida. Ela me coloca em cada situação. Agora estou contra meu pai, e ele não vai me perdoar pelo que fiz. Isso tira meu sono.
  - Senta aí, vamos conversar. - disse suavemente.
  Dei espaço no sofá para ela sentar ao meu lado.
  - Eu sei que na vida sempre teremos escolhas a fazer e consequências para lidar - disse ela olhando em meus olhos - , mas às vezes não achamos que essas consequências vão pesar, não até está lidando com elas. Eu não queria decepcionar meus pais, mas foi o que fiz, escolhi ser autora de minha história ao invés de uma marionete.
  - Você fez o certo. Nicole, não deixe seus pensamentos torturarem você, não olhe para o passado, não se for para pensar nos outros caminhos que poderia ter seguido, nas consequências deles. Você fez uma escolha, então ao invés de pensar como seria se tivesse escolhido outro caminho, que tal pensar o que fazer para lidar com as consequências de sua escolha?
  Ela sorriu.
  - Você está certo. No passado eu não posso mudar mais nada, mas no presente eu posso dá um jeitinho no futuro.
  - Não vou permitir que seu pai faça nada contra você. - me ouvi dizer.
  - É curioso o modo como se importa comigo.
  É curioso o modo como me apaixonei por você, é curioso o modo como me apaixono ainda mais por você a medida que  conheço um pouquinho mais sobre você.
  - Não consigo não me importar com as pessoas.
  - Se pelo menos metade das pessoas pensassem assim...- ela pareceu imaginar como seria o mundo daquela forma. Então voltou a realidade e o brilho em seu olhar desapareceu. - Vou pensar em algum disfarce, gostei de sua ideia e achei que será bem útil para fugir.
  Fugir era sinônimo de partir, partir daqui, para longe de mim.
  - Já pensou em algum disfarce? - perguntei.
  - Não. - confessou ela - Mas amanhã com certeza terei algum.
  Ela encostou sua cabeça em meu ombro.
  - Sabe Pietro, - falou ela após um curto silêncio - às vezes tenho a impressão que te conheço, que já o vi em algum lugar antes.
  - Quem sabe? Vemos tantas pessoas em apenas um dia. Muitas nem prestamos atenção.
  - Verdade.
  Eu sabia exatamente que não era apenas impressão dela, também sabia que não era hora de contar sobre o que sentia, era hora de ouví-la.
  - Seria pouco provável eu te conhecer antes já que eu nunca morei aqui, você sempre morou nessa cidade?
  - Sempre. E como você veio parar aqui? Tem família aqui?
  - Não. Mas meu pai tem um grande amigo que vive aqui. O pai do Eric.
  - Pai do cara que você ia se casar?
  - Exatamente. Ele e meu pai são amigos há bastante tempo, desde que eu era criança. Às vezes eu vinha passar as férias aqui, eu era amiga da irmã do Eric, a Cecília. Eu também vinha para "almoços e jantares" de negócios, eu odiava essas reuniões, falavam em números e palavras complicadas. Mas eu era obrigada a ir, sou filha única e precisava está ao lado dos meus pais, representando a filha perfeita.
  "Parei de vim nas férias quando Cecília foi morar na Holanda com seus avós. Tive que aturar as insuportáveis reuniões sozinha, ela também detestava, já o Eric era fascinado por tudo aquilo."
  " Foi há seis ou cinco meses que meu pai sugeriu que eu me casasse com Eric, de imediato disse não, mas ele conseguiu me fazer crer que aquilo era preciso, se eu tivesse me casado provavelmente me mudaria para essa cidade. Eu seria infeliz ao lado do Eric, não que eu não goste dele, mas não suportaria me casar com ele, viveria sempre triste e arrependida. Meu pai arrumará outros modos de aumentar sua fortuna, eu só tenho uma vida e não a desperdiçaria por ser conveniente para meus pais."
  Nicole era fascinante.
  - É aí que somos semelhantes, queremos viver sobre nossas escolhas não pela de nossos pais. Meu pai em nenhum momento em todos estes anos de discussões pareceu levar em consideração minha felicidade.
  - Acho que pessoas como meus pais não sabem o que é ser feliz - senti um tom de tristeza em sua voz - , só sabem trabalhar e ganhar dinheiro, trabalhar mais por mais dinheiro. Só isso.
  Ficamos em silêncio, podem ter se passado segundos ou minutos era um silêncio confortável.
  Ela me encarou.
  - Bem que você poderia contar um pouco de sua vida, não acha Pietro? Quero te conhecer mais um pouco.
  - Não é interessante.
  Ela semicerrou os olhos.
  - Pode começar a falar.
  - Tá, não tem muito para contar.
  - Pietro.
  - O.k. Bom, - passei a mão no queixo - sempre morei aqui, como eu já disse, quando criança dividia o quarto com o Heitor, meu irmão detestava meu estilo musical, mas amávamos histórias em quadrinhos, na verdade ainda guardo minha coleção no quarto, em uma caixa em baixo de minha cama. - ela sorriu - Todos os domingos de minha infância íamos almoçar na cada de minha avó paterna, quando eu tinha onze anos ela adoeceu e faleceu poucos meses depois. Foi a única vez que vi meu pai chorar. Eu costumava passar as férias escolares na casa de minha avó materna. Na adolescência descobri minha paixão pela fotografia, contei ao meu pai a profissão que seguiria e ele gritou comigo por quase uma hora. Nunca mais ele me olhou do mesmo jeito. Desde esse dia nunca mais tivemos uma relação harmônica.
  "Eu também tinha o sonho de viajar por vários lugares, nunca saí nem do estado."
  - Não está falando sério.
  - Sim, eu estou.
  Nicole parecia não acreditar.
  - Desculpe te interromper, continue.
  - No dia que completei dezoito anos saí de casa, fiquei morando por um tempo com um amigo, fiz uma prova e passei como bolsista no curso de fotografia. Depois de quase dois anos Heitor me chamou para morar com ele. Eu não ia aceitar, meu pai o ajudou a comprar esse apartamento, mas era isso ou continuar morando com meu amigo, sua namorada grávida e dois primos dele. E aqui estou. E você? Me conta um pouco sobre você.
  Ela riu.
  - Eu nasci para meus pais terem pelo menos um herdeiro. Sempre trabalharam como se apenas dinheiro importasse, sempre diziam:"Estamos garantindo seu futuro." Não gostava dessa frase, mesmo com seis anos achava aquilo uma desculpa, era como se eu nunca fosse ser capaz de garantir meu próprio futuro. Acredita que nunca comemorei meu aniversário com meus pais? - aquilo doía nela, doeu em mim. - Eles nunca tinham tempo para mim dá atenção e o pior é que achavam que presentes caros recompensariam a ausência deles em minha vida. E sabe o que mais? Não eram eles que escolhiam os presentes. Eu chorei muito antes de dormir por isso, até que eu tinha catorze anos e percebi que chorar não adiantava, eles não mereciam. Eu passei dos catorze aos dezoito anos a maior parte do tempo de castigo. Mas isso não me impedia de sair, eu amarrava vários lençóis - como no casamento, pensei, sabia que ela era acostumada - e fazia cordas improvisadas.
  - Uma adolescente rebelde.
  Ela encostou novamente sua cabeça em meu ombro.
  - Uma adolescente que encontrou na rebeldia pelo menos cinco minutos da atenção de seus pais durante a semana.
  - Te entendo.
  Comecei a acariciar seu cabelo, naquele momento ela parecia a garota que só queria um pouco da atenção dos pais.
  - É melhor ir descansar - disse eu - Amanhã, quer dizer, hoje...Mais tarde, será um dia longo.
  Não obtive resposta que não fosse sua respiração tranquila, Nicole tinha adormecido e eu não queria acordá-la. Deitei ela com cuidado no sofá, ela não acordou.
  Fui até a cozinha bebi um copo de água.
  Agora eu que não estava com sono.
  Peguei minha câmera e fui para varanda.
  Faltava pouco para os primeiros raios do sol surgirem.

 

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