Nicole prendeu o cabelo em um coque feito as pressas que foi desfeito pelo vento em frente ao apartamento.
A lua estava nova, a temperatura parecia ter mudado de repente, agora estava fria.
Nicole bufou, resmungou algo enquanto refazia o coque.
Andamos por uns quinze minutos. Eu, com as mãos enterradas nos bolsos de minha bermuda jeans, ela com os braços cruzados.
Nesses quinze minutos, Nicole me falou que sua mãe era vegetariana, e que ela nunca gostou de verduras. Me contou que tinha uma tatuagem (ela levantou um pouco a sua camisa e deixou a mostra um desenho pequeno de uma gaiola aberta e um pássaro escapando). Os pais dela não sabiam da tatuagem, ela não perguntou se podia fazer, fez e pronto. Ela tinha dezessete anos na época. Me disse também que bebeu pela primeira vez aos quinze anos e ficou de castigo por seis meses, mas fugia pela janela quando queria. Aos dezenove, com raiva de seu pai, bateu o carro dele de propósito em um poste e ganhou por isso uma cicatriz no braço, mais dois meses sem mesada e por incrível que pareça nada de castigo. Segundo ela, notaram tarde de mais que castigo não funcionava com ela. Então após os quinze minutos o coque dela foi vencido pelo vento pela segunda vez. Ela xingou baixinho.
- Esse cabelo não colabora. - murmurou Nicole.
Paramos em frente a uma loja fechada. Ela encarava seu reflexo na vitrine de vidro enquanto fazia o terceiro coque naquela noite.
- Em que parte da história eu estava? - ela perguntou.
- Naquela que você fugiu com um grupo hippie.
- Sim. Fiz isso aos vinte anos, passei duas semanas com esse grupo, mas deixei uma carta dizendo que estaria bem para meus pais. Quando voltei, minha mãe estava histérica, não pense que era por preocupação com minha vida, era porque ela não sabia que mentira inventar para seus amigos, era uma vergonha muito grande falar a verdade.
Continuamos a caminhada.
Ela entrelaçou seu braço no meu.
- E seu pai? Como ele reagiu a isso?
- Ele berrou comigo, disse que eu não tinha conserto. Esse era o único modo de conseguir a atenção deles. Cada mínimo tempo que eles gastavam de suas preciosas vidas gritando comigo, valia cada centavo da mesada que eu não ganharia. Eu queria pelo menos uma vez que eles sentissem orgulho de mim, então veio o casamento...
- E você viu a oportunidade de ser o orgulho, de mostrar a eles que era muito mais do que eles imaginavam.
- Isso. Mas, aquilo significava abrir mão dos meus sonhos.
- Então você fugiu...
- E provei que nunca seria a filha que eles queriam.
Eu parei de andar, ela parou também.
- Sinto muito. - eu disse.
- Eu também. Nunca falei tanto de minha vida para alguém.
- Agora me senti importante.
Ela sorriu.
- Você é.
- Sou?
- Uhum.
Eu devia contar o que sentia. Talvez fosse a hora.
- Nicole...- ela me encarava esperando que eu prosseguisse, mas um estrondo me interrompeu, um trovão.
Eu e Nicole olhamos ao mesmo tempo para o céu. Iria chover, não ia demorar.
Voltei a olhar para ela, Nicole esperava que eu prosseguisse.
Mas a coragem para me declarar se foi com o estrondo.
- É melhor voltarmos. - falei - Se não vamos tomar um belo banho de chuva.
Ela sorriu.
- Tem razão.
Demos meia volta e começamos a refazer o percurso.
Outro estrondo. Mais intenso.
E um clarão no céu.
Apressamos os passos.
Não tínhamos andado nem metade do trajeto quando percebi que um carro parecia está nos seguindo, ele vinha em baixa velocidade, um pouco mais atrás de nós. Era um automóvel preto.
O problema de quem está sendo procurado é que acha que qualquer um pode está atrás de você.
- Nicole. - Chamei-a quase em um sussurro.
Ela notou em minha voz preocupação, pois me lançou um olhar alarmado.
- O que foi? - ela perguntou.
- Acho que estamos sendo seguidos.
Ela pareceu estremecer.
- E agora?
- Dobraremos na próxima esquerda. - avisei.
Ela anuiu.
Foi exatamente o que fizemos.
A rua estaria totalmente deserta, se não fosse por mim e Nicole e por um gato...Retire o gato ele tinha acabado de pular pelos telhados.
O carro preto parou na entrada da rua.
Não era paranóia, alguém estava nos seguindo.
- Me diz que realmente sabe mais de cinco artes marciais. - falei ao vê dois homens sairem do carro.
- Na verdade...Não, eu menti. - confessou ela.
- Bem que eu suspeitava. Então, vamos correr, quando eu disser agora, nós correremos.
Agora ela apertava minha mão.
Os homens deram alguns passos em nossa direção então pararam.
- Nicole Carvalho - falou um deles - temos ordens de levá-la conosco...Por bem ou por mal. - completou ele. - O que escolhe?
- Pietro...- sussurrou Nicole.
- Agora.
Corremos.
Podíamos sentir eles correndo bem atrás de nós. Viramos em uma rua a direita, depois a esquerda, depois só-Deus-sabe-que-direções-tomamos.
Conseguimos manter uma boa distância deles.
Nicole parou, tentava recuperar o fôlego.
Outro estrondo, dessa vez ele veio acompanhado da chuva.
- Não podemos parar.
- Eu...sei. - ela disse entre a agitada respiração.
A chuva ensopava nossas roupas.
Peguei na mão dela e comecei a correr puxando-a.
Entramos por um beco, e saímos na avenida principal da cidade. Continuei segurando sua mão até atravessarmos a avenida, os carros buzinavam impacientes para sairmos da frente. Paramos na praça. A chuva só ficava mais forte.
Mesmo com a chuva e com os carros que passavam apressados na avenida, consegui vê os dois homens parados do outro lado.
- Nicole, escute.
Ela me olhou, os pingos da chuva escorriam por nossos rostos.
- Não estou gostando de seu olhar. - comentou ela.
- Quero que corra o mais rápido que puder.
- Como assim "quero que corra"? Correremos juntos.
- Não. Vou atrasá-los.
- Não! Isso está fora de cogitação.
- Não está, não. Se não for assim eles vão te pegar.
Tirei do meu bolso a chave do meu apartamento e entreguei a ela.
- Corra e fique lá. Tome cuidado.
- Pietro...
- Vá!
Ela começou a correr.
Eles estavam atravessando a pista. Os carros os atrasaram. Teríamos sorte se eles não tivessem visto ela correndo.
Comecei a caminhar na direção deles. Era uma decisão que quem assistisse acharia loucura. Eles fariam o estrago com minha pessoa, mas valia a pena.
- Onde está a garota? - perguntou um deles.
- Quem?
O que falou deu um passo em minha direção e me segurou pela gola da camisa.
- Não se faça de idiota! Onde ela está?!
- Vão ter que se contentar comigo. - falei em tom afiado.
Eu sempre evitei o máximo brigas, mas ali não tinha escapatória. E eu não sairia em vantagem.
- Deveria ter fugido com ela. - disse o outro.
- Se tem amor a sua vida diga onde ela está. - disse o que me segurava entredentes.
- Última chance. - disse o outro.
- Não tô afim. - retruquei e ganhei um belo soco no olho esquerdo. Eu revidei e ele soltou a gola de minha camisa. Dei dois socos sucessivos no rosto do outro. Então um deles me segurou, o outro me deu dois socos e uma joelhada na barriga.
- Tá afim de falar agora?!
Meu rosto estava dolorido e eu respirava com dificuldade. Sentia o gosto de sangue e ainda assim respondi:
- Não tô afim, deu para entender?
Levei um soco no estômago.
Vi seu punho cerrar.
O outro homem ainda me segurava.
O punho cerrado vinha na direção do meu rosto, mas antes de acertá-lo outro punho acertou o rosto do homem. Fui solto e cai no chão. Entre os poucos segundos que levei para cair vi Heitor, ele tinha partido para cima de um dos homens.
Ainda chovia.
O cara livre estava se aproximando do meu irmão, fiz o possível para deixar de lado a dor, levantei e apertei meu braço ao redor do pescoço dele. Ele se desvencilhou de mim, empurrou meu irmão e tanto ele como seu parceiro fugiram.
Heitor levantou. Seu rosto estava vermelho.
- De onde você surgiu? - perguntei para Heitor.
- Você está bem? - ele perguntou ignorando minha pergunta - Porque sua aparência está péssima.
Um relâmpago clareou o céu.
- De onde diabos você surgiu? - perguntei. Falar doía. - E Nicole? Eu a mandei correr e...
- Eu a encontrei. - me interrompeu ele - Ela disse onde você estava e que precisava de ajuda.
- Ela está bem? - perguntei.
- Fisicamente sim. Mas parecia bem preocupada com você... Vamos embora ou vamos pegar um forte resfriado.
Corremos por algumas ruas, meu corpo estava bem dolorido, meu rosto? Sem comentários. O carro de Heitor estava estacionado em uma rua mal movimentada. Elise destravou as portas do carro.
Assim que entrei no carro Nicole me abraçou, um abraço forte que por um instante fez qualquer dor que eu sentia parar. Ela se afastou um pouco, me olhou nos olhos, seu rosto deixava claro sua preocupação.
- Seu rosto...- sua voz saiu tão baixa que eu poderia muito bem ter a imaginado falando. - Me desculpe, Pietro.
- Não se desculpe, a culpa não foi sua, não foi você que socou minha cara.
- Não devia ter deixado você sozinho.
- Você está bem. É só o que importa.
Meu olho esquerdo estava tão inchado que não estava fechado por uma pequena brecha.
Nicole passou a mão por meu cabelo ensopado.
- Heitor, não devia ter se metido. - disse eu.
Ele me olhou pelo retrovisor interno no momento que o sinal ficou vermelho.
- O que queria? Que eu o deixasse apanhar em uma briga injusta? Nenhum estranho vai bater em meu irmão sem se ver comigo.
- Obrigado, agora me senti uma criança indefesa.
- Pietro, Heitor só agiu como qualquer irmão mais velho. - falou Elise.
Então reparei que não havia nenhum anel de noivado em seu fino dedo.
Por que Heitor não a pediu em casamento? O que o fez perder a coragem?
Em nosso percurso até o apartamento, só paramos para deixar Elise em sua casa.
Então prosseguimos.
..........
- Aí!
- Pietro, fique quieto! - ordenou Nicole - Como vou limpar seus machucados?
- Tá ardendo. - resmunguei.
Eu segurava uma bolsa de gelo sob o meu olho esquerdo. Nicole limpou os ferimentos e colocou um band-D em um corte perto de meu olho.
- Tire a camisa. - mandou ela.
- Hein?!
Ela não conseguiu conter um sorrisinho.
- Eu disse: Tire a camisa. - disse ela - Ela está encharcada.
Obedeci.
Nesse momento estávamos apenas nós dois na sala. Heitor tinha ido para seu quarto.
Ainda chovia.
Tinha uma mancha roxa em meu tórax. Claro, a joelhada.
- Você não merecia isso. - disse ela - Sei que eles estavam obedecendo ordens de meu pai, ele passou dos limites, me desculpe.
- Já te disse, a culpa não foi sua.
Ela cruzou os braços.
- Quer algum remédio para aliviar a dor?
- Seria ótimo.
- Onde encontro?
- Na segunda gaveta de minha cômoda.
- Vou pegar.
Por que eu tinha a sensação que algo...Eu disse:"Na segunda gaveta de minha cômoda?"
Droga!
Joguei a bolsa de gelo e corri até meu quarto, mas foi tarde demais. Nicole já segurava meu bloco de desenhos.
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A Garota da Fotografia
RomanceSe apaixonar é algo normal, exceto quando alguém se apaixona por outra apenas por vê-la em uma foto... É exatamente isso que aconteceu a Pietro, se apaixonou por uma garota ao vê-la em uma fotografia...Uma garota que ele nunca havia visto na vida. T...