Querido Diário,
Desculpe por ter demorado tanto para escrever, mas tenho trabalhado muito! Há muita coisa que você não sabe.
Em primeiro lugar, resolvi fazer um trato com os Horne. Notei, quando estive lá na última vez, que Johnny parecia desanimado, até mesmo malcuidado. Triste. Então propus a eles que tomaria conta de Johnny, três vezes por semana, durante pelo menos uma hora, uma hora e meia por dia,lendo, conversando etc., por um pequeno salário.
Eles adoraram a idéia, e concordaram em me pagar cinqüenta dólares por semana, duzentos ao mês. O dinheiro me ajuda bastante com a cocaína, mas o melhor é estar perto de Johnny, porque ele me ama, não importa o que eu faça quando estamos juntos. Ele não me magoa, não me provoca ou quer dormir comigo, não me amarra e não me corta, ou qualquer outra das milhares de coisas que quero que as pessoas façam comigo o tempo todo... Elas sempre falam e me levam para algum lugar, querem sempre mais, cada vez mais. Só o que Johnny quer é que eu leia para ele. A Bela Adormecida é a sua preferida. Gosta de deitar a cabeça no meu colo e olhar para mim enquanto leio. Reservamos sempre um momento para ver as figuras, e em geral tenho que explicá-las, tanto quanto algumas partes da história, de um modo que Johnny possa entendê-las melhor. Em geral ele me olha como se estivesse confuso, perdido, como se tivesse medo de não estar entendendo nada.
Sempre paro quando vejo que ele está assim, e passo para uma outra coisa. Muitas tardes vamos para o gramado na frente da casa e brincamos de arco e flecha. Ele tem aquele búfalo de borracha no qual sempre atira. Dá um belo sorriso quando o acerta. É o seu barato. É uma cena muito estranha. Johnny no gramado, a grama criando um tapete verde sob seus mocassins, a flecha colocada no arco esticado, o sorriso. Ele atira depois de muito se concentrar. A flecha parece disparar muito lentamente, Johnny baixa os braços, ergue-se na ponta dos pés, e espera... Bem no alvo. Ele dá um salto no ar, salta, salta... Vira-se para mim e dá aquele sorriso de felicidade.
- Índios! - exclama.
Cumprimento-o pelo tiro certeiro, e encorajo-o a tentar outros. Ele sempre repete. Preciso fazer muitas carreiras quando estou com Johnny, ou às vezes no banheiro... sempre que sinto vontade.
É terrível quando perco a paciência com ele. Aconteceu uma vez e me senti muito mal, até ter certeza de que ele esquecera o incidente ou me perdoara.
Não entrarei em detalhes porque meu comportamento foi terrível. Em resumo, fiz uma imitação de BOB diabolicamente convincente. Foi cruel. Nunca me senti tão mal. Fiz o que pude para me desculpar e me explicar de todas as maneiras tão logo aconteceu. Quis que ele soubesse que me dei conta e parei.
Saí e tirei um envelope e dois vidrinhos de dentro de minha bolsa para ficar bem doida.
Assim eu conseguia pensar melhor. Fica mais difícil quando estou sem nada. Por isso Bobby e eu estamos nos vendo tão freqüentemente e de um modo tão inocente. Mas você não sabia disso, não é?
Muito bem, espera aí. Preciso ir até o buraco da cama... e esticar umas duas linhas antes quemamãe suba e me chame para lavar os pratos, recolher o lixo etc. Merda.
Não posso acreditar em como minha vida muda quando saio pela porta desta casa.
Voltarei assim que for possível.
Laura
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O diário secreto de Laura Palmer
Mystery / ThrillerJovem, linda, amada e brutalmente assassinada. Quem matou Laura Palmer? A pergunta que assombrou os fãs de twin Peaks nos anos 1990 pode já ter sido respondida, porém a face obscura de Laura Palmer e sua cidade natal jamais abandonou o imaginário de...