6 de agosto de 1986

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4h47 da madrugada


Querido Diário,

Não posso me permitir dormir porque quero ver BOB quando ele entrar pela minha janela. Preciso estar pronta.

Tenho pensado muito sobre a minha vida. Estou envelhecendo sem que eu própria tenha dado permissão. Acredito que, quando ele vier me buscar, ou eu sairei de casa e voltarei ferida mas satisfeita com a morte brutal de um inimigo, ou nunca mais voltarei. E na morte admitida silenciosamente eu nada saberei da força de meu inimigo nem de seus desejos.

No momento estou meio insensível, meio em carne viva. Uma garota que ainda consegue se levantar todas as manhãs e sair de um lugar que depois vão ter que me lembrar que eu chamava de minha casa. Como se nada fosse mais importante que o rastro de sangue atrás de mim.

Não duvido que BOB esteja ciente de todos os meus movimentos. Que esse horror que chama a si próprio de homem se levante quando o sol brilha ou talvez se encolha nas profundezas. Não importa. Ele me observa com olhos que me cavam por dentro, vendo cada pontinha de dúvida, sentindo cada palpitação de meu coração quando passa um rapaz, cada abraço de uma mãe que nem imagina a que distância está o quarto de sua filha.

Tento todos os dias memorizar o rosto que me olha do espelho. Procuro não esquecê-lo.

Imagino que estarei nas nuvens quando compará-los aos restos mortais que, tomara, logo serão encontrados. Sinto tanta raiva e uma necessidade de atacar o céu, de chamar o vento de mentiroso por nunca querer se mostrar. Uma necessidade de gritar aos dois que permitiram meu nascimento. Gritos de socorro a qualquer um que os ouvir. Gritar nas ruas que existe uma ausência de milagres na própria Mãe Natureza. Sua divindade é mentira.

Repetidamente tenho sido levada a uma floresta cheia de árvores. Ali tem lugar uma operação de natureza estranha e indescritível. Sangra. Essa Mãe Natureza nada tem feito contra esse mal, não abriu suas matas para deixar que um grito escape. Em vez disso, ela protege esse homem e o impede de ser descoberto, a salvo da luz do dia. Ele sabe que o planeta não vai traí-lo. Essa luz virá, e ficará, saindo apenas para voltar na hora marcada. Ele conta com isso. Com os hábitos do universo, cumprindo convenientemente doze horas fixas nos dois extremos.

A sua hora é a noite, durante a qual a salvação é menos possível, e quando a maioria das mais puras esperanças e lembranças, os sonhos mais queridos, estão profundamente adormecidos. Seus olhos movem-se rápidos sob os cílios. Sem ver nada.

Jamais há um ruído que atrapalhe mesmo aqueles que dormem no quarto ao lado. Jamais o mundo se volta um pouco para mim, faz um olho se abrir... Ver o homem... ver o modo como seus olhos congelam a imagem de meu rosto num grito.

Não se explica POR QUE ele me escolheu, ou pelo menos tem algum plano. 

Eu só posso esperar. Manter abertos os meus olhos cansados com a energia do desafio.

Uma batalha para ver quem é, de fato, o mais escuro. Quem, quando for obrigado a ver o outro lado, realmente sobreviverá?

Espero sentada a sua chegada, mantendo-me acordada com a certeza de que posso me acostumar muito mais facilmente à escuridão do que ele à luz.

Laura

O diário secreto de Laura PalmerOnde histórias criam vida. Descubra agora