20 de janeiro de 1988

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Querido Diário,

Tenho boas notícias.

Passei a tarde com Johnny. Ele estava especialmente de bom humor e decidi que o dia estava bonito demais para ficarmos dentro de casa.

Fomos para o gramado que se estende diante da casa. Fomos para o gramado que se estende diante da casa. É uma grande extensão de grama e flores, cuidadas o ano inteiro por um batalhão de homens e mulheres de dedos verdes e todo o resto também. É um lugar perfeito para se passar a tarde de sábado. Em geral fico com Johnny às segundas, quartas e sextas, mas parece que ontem ele foi visto por um especialista, e Benjamin pediu-me para ir hoje ao invés de ontem.

Entre mim e você, Diário, hoje é muito melhor para mim. Ontem, pela segunda vez na vida, faltei na escola. Passei o dia todo no meu quarto, reorganizando as coisas. Mamãe e papai viajaram às seis da manhã para uma convenção e passaram o dia fora.

Arrumei as gavetas e comprei uma tranca para a porta. Foi fácil instalar porque é um trinco de corrente. Algumas parafusadas mais tarde e minha privacidade estava garantida. Se tudo fosse tão simples assim! Nem perguntei aos meus pais se isso poderia incomodá-los, porque sei que eles pensam que só vou me trancar quando estiver lá dentro. Não é bem assim, mas por enquanto, até que eu consiga pensar em um motivo que eles aprovem, sem questionar... é isso aí.

Mergulhei nos números mais recentes da Fleshworld Magazine e cheguei à conclusão que está na hora de submeter minha fantasia a julgamento. Há um concurso só durante este mês, "A Fantasia do Mês". O vencedor recebe duzentos dólares. Garante-se o anonimato, embora seja necessário um endereço para correspondência. Meu cofre no banco dá direito a seis semanas de uso gratuito de caixa postal. Vou lá mais tarde para cuidar disso. Não haverá perigo nenhum se eu usar um pseudônimo.

Hoje ganhei um novo impulso. O tempo que passei com Johnny foi maravilhoso, e eu diria até quase espiritual. Ficamos deitados de bruço na grama, um na frente do outro, e ele quis que eu contasse várias histórias.

Assim que eu terminava uma, ele aplaudia e pedia: "História!" Também não queria que eu lesse. Queria histórias reais. Experiências de vida. A primeira coisa que me passou pela cabeça foi: isso é impossível. Não posso contar a ele nenhuma das minhas histórias. Mas então me lembrei que eu não só tinha algumas histórias bastante adequadas como há muito me esquecera do nível mental de Johnny. Poderia recitar uma lista de compras com a entonação de um contador de histórias, e ele ficaria feliz do mesmo jeito. O que ele queria era estar envolvido em uma conversa cara a cara, em algum tipo de interação. Falar, e não conversar sobre alguma coisa.

Eu consegui parar de sentir pena de mim mesma e me lembrei das épocas mais felizes da minha vida, tanto quanto das tristes. Cada história me ajudava mais do que a Johnny. Tive a oportunidade de entender a que distância a felicidade estava de mim, e quanto eu sentia falta dela.

Como você pode imaginar, basicamente tirei vantagem absoluta dessa oportunidade, só por ficar tagarelando com alguém, história ou não, ininterruptamente. Nenhuma pergunta, nenhuma comentário, nenhum julgamento sobre quem eu era ou para onde eu iria depois que morresse. Johnny é o melhor ouvinte que conheço.

Senti-me renovada e até entretida, graças às mímicas faciais de Johnny durante a conversa.

Ele sempre meneava a cabeça se estava entendendo... sorria quando eu sorria, e ao ouvir a palavra "fim", usava toda a sua energia para me aplaudir.

Por volta de duas e meia da tarde, a sra. Horne, a quem me surpreendeu ver sem sacolas de compras embaixo do braço e uma multa de trânsito na boca, chamou nós dois para comermos alguma coisa. Quando olhei o relógio, levei um susto ao ver que quase três horas e meia haviam se passado.

Antes que eu pudesse me levantar, Johnny me pegou pela mão e deu um dos maiores sorrisos que já vi em seu rosto. Ele fechou os olhos, voltou a abri- os e disse a sua primeira frase! Ele disse: "Eu amo você, Laura".

Poderia continuar escrevendo durante horas sobre como foi maravilhoso tudo isso, sobre o incrível salto que foi para ele, tanto quanto para mim. Foi o maior elogio que já recebi na vida.

Depois de comer fui resolver a questão da caixa postal. Vou ter que pensar muito bem nessa fantasia. Talvez não deva escrevê-la aqui, nas suas páginas, porque, a menos que seja editada, na verdade nunca aconteceu comigo. Ou será que aconteceu?

Logo mais, Laura

O diário secreto de Laura PalmerOnde histórias criam vida. Descubra agora